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4. A REVITALIZAÇÃO DA EMPRESA E A RESPONSABILIDADE DOS

4.1. Revisão de paradigmas

A então proposta de Lei n.º 39/XII, de iniciativa do Governo português, previu a alteração de vários dispositivos do CIRE, que culminou com a aprovação e promulgação da Lei 16/2012 de 20 de abril, que entre outras alterações passou a prever um novo tipo legal que vê a organização empresarial num prisma que possibilita melhores práticas de resgate económico: a revitalização da empresa.

Com esse novo paradigma legal, em questões relacionadas à insolvência de sociedades comerciais, buscou-se em um primeiro plano, reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando- se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.

Vê-se, portanto, uma mudança paradigmática no estado atual do direito da insolvência português, que normativamente vinha adotando a orientação de liquidação do património do devedor em crise económico-financeira. Assim já defendia a autorização legislativa dada outrora pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto (que orientou o atual CIRE) e segundo esta: «O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas vem regular um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente» – cfr. art.º 1.º, n.º 2, da referida Lei – sendo o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência a satisfação, pela forma mais eficiente, dos direitos dos credores (cfr. ponto 3 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março)

Contudo, seguindo a referência do segmento preambular do Decreto Lei n.53/2004, que instituiu o CIRE, podemos extrair também de sua conceção, vestígios da valorização (pelo menos do ponto de vista ideológico) do princípio da não interrupção da atividade da empresa, e, por conseguinte, a concessão de oportunidades para a reoganização da empresa. Referimo-nos citações do dito preâmbulo: Ao direito da insolvência compete a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou a reorganização financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores convertidos, por força da insolvência, em proprietários da empresa (cfr. o ponto 3 in fine).

Não valerá, portanto, afirmar que no novo Código é dada primazia exclusiva à liquidação do património do insolvente. A primazia que efetivamente existe, não é demais reiterá-lo, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respetivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de

84 forma integral (cfr. O ponto 6 in fine).

No entanto, a partir de 20 de maio de 2012, [30 dias de vacatio legis] a Lei 16/2012 fez irradiar a valorização do princípio da continuidade da atividade da empresa, através da instituição do processo especial de revitalização da empresa (PER) ou do devedor, como prefere o CIRE 193. Assim menciona o novo n.º 2, do artigo 1.º do CIRE: “Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º -A a 17.º -I”. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respetivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social 194.

Para se mensurar o impacto da nova conceção e valorização da empresa no direito de insolvência português, basta-nos referir o acréscimo dado à Finalidade do Processo de Insolvência, do Título I, Capítulo I, do CIRE, no seu artigo 1.º, n.º1. Vejamos a integralidade do texto atual:

«O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores». Esta parte final foi adicionada pela Lei 16/2012 e tem como escopo a diminuição de processos de insolvência. Sem embargo, a sua missão fulcral é constatar que no estágio político- económico atual a liquidação do património societário não é considerada como objetivo primário, mas eleva-a para um segundo plano. O plano da recuperação, aqui melhor dizendo, da revitalização da empresa.

Percebemos ademais, que a função primordial da alteração normativa foi proporcionar uma “válvula de escape” ao sistema económico. Pois a atual conjuntura económica imprescinde de mecanismos que blindem o círculo económico e a proteção das atividades dos agentes económicos é fundamental para a manutenção e oxigenação da economia, tais como os postos de trabalhos e a circulação de bens e serviços. Com a possibilidade de um procedimento simples e negocial entre devedor e credores, há a opção de igual modo, de um procedimento simplificado atingir eficazmente acordos que prevejam a viabilidade da atividade empresarial, contribuindo, assim (ainda que intencionalmente) para a preservação da empresa e de uma economia salutar.

O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que

193 Preferimos o termo “revitalização da empresa” à “revitalização do devedor” por questão de raciocínio

lógico-jurídico, visto que o CIRE se refere à Recuperação de Empresas e, portanto, consideramos melhor adequada a nomenclatura que concilie o termo “revitalização” às empresas. Até porque o processo de revitalização é uma abreviação do Processo de Recuperação de Empresa.

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ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas.

Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários.

Pretendeu a Lei 16/2012, além da revisão insolvencial, atingir outros objetivos, designadamente, o reforço da responsabilidade civil dos devedores, bem como aos seus administradores de direito ou de facto no caso de estes terem sido causadores da situação de insolvência com culpa, a simplificação de procedimentos, o ajustamento de prazos que, em muitos casos, se mostravam demasiadamente alargados, a possibilidade de adaptação do processo ao caso concreto, e sublinha-se o reforço das competências do juiz em termos de gestão processual.

Uma palavra ainda para referir (adiante analisada) que não se esquece da necessidade de responsabilizar os devedores e os seus administradores de direito ou de facto, quando estejamos perante pessoas coletivas, quando a sua conduta seja suscetível de causar prejuízos aos credores durante o processo negocial, por prestação de informação incompleta, falsa ou pouco clara. Dessa forma, no âmbito do processo especial de revitalização, aqueles que assim atuarem durante este processo especial, podem por tais factos, ser responsabilizados, sendo tal responsabilidade solidária. Conforme o novo texto aditado à Lei no artigo 17.º, alínea d do CIRE.

Podemos perceber, portanto, que a nova conceção do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em Portugal, inspirou uma diretriz consoante o seu atual momento económico e social. Desse modo, levando-se em consideração a conjuntura económica, abriu-se a visão no plano jurídico e consequentemente seus novos preceitos (que passarão também a sofrer mutações num plano interpretativo) irradiar-se-ão consoante as casuísticas apresentadas.