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Comportamentos precedentes que fundam a responsabilização dos

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES NA INSOLVÊNCIA

3.1. Comportamentos precedentes que fundam a responsabilização dos

O comportamento dos administradores de uma sociedade na fase que precede a insolvência deve ser tratado com certa acuidade, considerando que os interesses dos credores sociais podem se contrapor a atuações levadas a cabo pelos administradores na gestão societária. Efetivamente, é mais comum no âmbito empresarial observar que aqueles que determinam o rumo da sociedade conduzem ações mais arriscadas e na constatação do insucesso, sob o ponto de vista financeiro, quem suporta o mesmo são os credores sociais (visto que o capital social [subscrito] que supostamente garantiria o crédito social é na grande maioria dos casos insuficiente para garantir as dívidas da sociedade).

Tendo em conta a proteção conferida pela responsabilidade limitada, que na sociedade por quotas está contida no artigo 197.º, n.º 3, do CSC, o qual determina: “só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade”, o sócio (e / ou seu representante – administrador) só responde, internamente, perante a sociedade, até o valor subscrito pela sua entrada. Significando em regra, que estes nunca serão responsáveis pelas dívidas da sociedade, a qual tem constituído um património próprio para este efeito, operando uma imputação patrimonial distinta que responde pelas suas dívidas e cujas linhas limítrofes de responsabilização esbarram-se no limite do património social 118. Em razão dessa proteção conferida até o limite do capital societário, os riscos para os credores sociais aumentam significadamente.

Por outro lado, os administradores levados pelo sentimento da responsabilidade à subscrição do capital societário e pela imputabilidade do património pessoal, sentem-se motivados à prática de atos que lhes permitam, pelo menos, adiar o fim da atividade empresarial, nos casos de manifesta insolvência. Sobretudo, numa gestão contrária aos fundamentos da atividade económica de uma sociedade, podem aproveitar de sua posição privilegiada e assim dilacerar o património social em proveito próprio ou de terceiros.

Presumindo um comportamento mais ético por parte dos administradores, estes podem não manifestar a apresentação à insolvência em virtude de uma suposta

118 A responsabilidade sem dúvida se limita ao património societário. Contudo, o CSC permite aos sócios

a possibilidade de ser convencionada uma espécie de garantia suplementar aos credores, decorrente de estipulação no contrato social da responsabilidade direta dos sócios para com os credores sociais, conforme o art. 198.º do Código. RAÚL VENTURA comenta que o mencionado artigo «pressupõe que uma pessoa que aceita fundar uma sociedade por quotas nem sempre está disposta a efectuar imediatamente uma contribuição vultosa, mas admite uma eventual contribuição futura, em função das obrigações que a sociedade venha a contrair; esse é um dado da prática, motivado ou pela prudência de não arriscar demasiado sem ver o desenvolvimento da sociedade, ou por falta de meios iniciais para a efectivação de contribuição mais elevada, ou até pela esperança de que a responsabilidade assumida não venha a ser efectivada e funcione, portanto, apenas como um reforço do crédito da nova sociedade». Cfr. VENTURA, Raúl. Sociedades por quotas, vol. I, 2.ª reimpressão da 2.ª ed. de 1989, Almedina: Coimbra, 1999, p. 58.

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conservação de sua reputação profissional, e, portanto, retardar o início de um processo insonvencial, que por sua vez prejudicaria substancialmente o direito de crédito, visto que o tempo é um fator fundamental para assegurar a liquidação dos bens societários em benefício da satisfação dos credores.

No outro lado estão os credores sociais, atentos à gestão cautelosa da sociedade devedora. O património social é para estes o único garante de seus créditos, e, portanto, a sua conservação é ainda mais importante quando se constata ou se verifica a aproximação da crise patrimonial societária. Sendo assim, que tipo de medida seria mais adequada para tutelar os direitos de crédito dos credores? Aquela em que se antecipa ou se inicia mais cedo possível o processo de insolvência visando a diminuição de risco quanto à fuga de património societário ou aquela medida que considera a preservação da sociedade e dos postos de direção (temporariamente) com vista à melhor preservação do capital societário e consequente melhor distribuição dos créditos no rateio entre os credores?

Instala-se um conflito de valores, nomeadamente no campo da decisão temporal sobre a permanência ou liquidação da sociedade. Observe que, se os credores adiantarem o processo de insolvência, se se precipitarem para a cobrança do crédito em processo de insolvência, correm o risco de o património societário perder valor de mercado, de a reputação da empresa ser depreciada e consequentemente o seu património ver-se diminuído, o que na mesma proporção diminuiria na divisão dos bens entre os credores na fase da liquidação. No mesmo sentido, com o início de um processo de insolvência, poderia haver a hipótese de chumbar a possibilidade de recuperação da sociedade viável, bem como a potencialização do crédito disponível, o que acarretaria, de igual modo, a diminuição no rateio entre os credores.

No entanto, de outra banda, há de se extraírem boas perspetivas. Caso os credores desejarem atuar de imediato tão-logo se aperceber da verificação ou da aproximação da insolvência (critérios do balance sheet test e cash flow test) 119, estarão salvaguardando- se de eventuais condutas “oportunistas” dos administradores, como o desvio do capital patrimonial da sociedade seguido pela impossibilidade de liquidar o dito crédito.

Visualizando-se ambas alternativas, FÁTIMA RIBEIRO sugere algumas considerações. Para a Autora a tutela dos credores deve ser assegurada sob duas condições: a prevenção de riscos (como os comportamentos oportunistas dos administradores); e a previsão de meios para a satisfação do crédito durante a fase de liquidação 120.

119 Uma dura crítica pela adoção dos critérios do balance sheet test,como base de imputação ao sócio, é

levada a cabo pelo grupo de estudos inglês presidido por JONATHAN RICKFORD, cfr. J. RICKFORD (Ed.),

Reforming Capital – Report of the Interdisciplinary Group on Capital Maintenance, in EBOR, 2004, p.

919, apud MIOLA, Massimo. “La tutela dei creditori ed Il capitale sociale: realtà e prospettive”, in Rivista

delle Società, anno 57.º, marzo-giugno 2012, fascicolo 2.º - 3.º, Giuffrè Editore, Milano, p. 273 (nota

106).

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Conforme a dissertação de FÁTIMA RIBEIRO: «No âmbito das intervenções legislativas destinadas a assegurar a tutela dos credores de uma sociedade que se aproxima da insolvência, a prevenção deve ser o

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No direito comparado espanhol a doutrina menciona o dever de apresentação à insolvência (deber de solicitar el concurso) que é típico dos administradores, correlacionado à ideia do dever geral de diligência perante as situações de insolvência, tendo em conta a competência dos administradores para o requerer, sob pena de responsabilidade (art. 5, 165.1 e 172 da LC) 121.