• Nenhum resultado encontrado

Efeitos gerais da insolvência sobre os administradores

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES NA INSOLVÊNCIA

3.3. Efeitos gerais da insolvência sobre os administradores

A matéria sobre os efeitos da insolvência é quase inesgotável, atinge uma ampla área no domínio da responsabilidade jurídica. Para além do Código da Insolvência e da

hipóteses de insolvência culposa, embora não para efeito de responsabilidade civil». Cfr. FRADA, Manuel António Carneiro. A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, II, Lisboa, 2006, p. 671. FÁTIMA RIBEIRO considera que o novo diploma insolvencial ressentirá (para pior) na tutela dos interesses dos credores sociais. Cfr. RIBEIRO, Maria de Fátima. Últ. ob.

cit., p. 92.

125 Cfr. F

RADA, Manuel António Carneiro. últ. ob. cit., p. 670.

126 Antes da Lei 16/2012 o incidente era oficiosamente aberto com a declaração de insolvência (art. 36.º,

i), do CIRE, ou seja, operava-se em todos os processos de insolvência, com exceção nos casos em que há a apresentação de um plano de pagamento aos credores (art. 259.º, n.º 1, 2.ª parte, do CIRE). Com a nova prescrição legal, dispõe o artigo 36.º, n.º 1, alínea i), que na sentença que declara a insolvência o juiz “caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência,

56

Recuperação de Empresas – CIRE –, os efeitos estendem-se no âmbito civil e penal. Não é do propósito deste estudo alargar a investigação noutros territórios, assim, concentrar-se-á nos efeitos enquanto à pessoa do devedor 127, representado aqui pelo comportamento dos administradores enquanto legítimos agentes causadores de prejuízos por decorrência da atividade empresarial.

A primeira regra condicionada aos administradores em caso de insolvência é aquela que diz respeito ao poder de administração do património societário, e reflexamente, ao poder de representação perante a sociedade e terceiros. No artigo 81.º do CIRE, o tópico sobre “efeitos da declaração de insolvência” evidencia a relevância da “transferência” dos poderes de administração e disposição dos bens societários. Opera-se, nesta circunstância, a mudança de titularidade na gestão do património societário. Com a declaração de insolvência, os administradores são excluídos da administração e representação da sociedade, dando lugar ao administrador de insolvência. CATARINA SERRA classifica este efeito no rol dos efeitos necessários 128. Esta classe de efeito que impende sobre os administradores societários, notadamente sobre a perda da legitimidade de levar a cabo os negócios da sociedade, é um dos tipos de pena que sempre esteve ligado à figura do representante do negócio.

Num contexto histórico, antes mesmo de existir a sociedade, a empresa e as demais formas de atividade que enseja a organização racionalizada dos negócios, sobre o devedor falido recaia as mais duras formas de punição, desde a punição pela morte

127 A declaração de insolvência tem efeitos de vária ordem, aos quais é dedicado o título IV do Código. A

sistematização desse título reparte-se por quatro capítulos, sendo o primeiro relativo aos efeitos sobre o devedor e outras pessoas (arts. 81.º e ss.), o segundo relativo aos efeitos processuais (arts. 85.º e ss.), o terceiro aos efeitos sobre os créditos (arts. 90.º e ss.), o quarto relativo aos efeitos sobre os negócios em curso (arts. 102.º e ss.) e o quinto relativo à resolução em benefício da massa insolvente (arts. 120.º e ss.). Em anotação, MENEZES LEITÃO assinala: «é de referir que a sistematização adoptada não parece ser a melhor, mesmo tomando em consideração os efeitos da sentença em relação ao falido e aos credores e os efeitos sobre os actos prejudiciais à massa, quer da sistematização do CPEREF, que distinguia efeitos em relação ao falido, efeitos em relação aos negócios jurídicos do falido, e efeitos em relação aos trabalhadores do falido. Na verdade, e na sequência do já defendido pelo JOSÉ DEOLIVEIRA ASCENSÃO, “Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falidos”, na ROA 55 (1995), PP. 641-688 (642 e ss.) e

MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falência, Porto, Universidade Católica, 2000, PP. 183 e ss., parece-me que se deverá distinguir entre efeitos em relação ao insolvente e efeitos em relação aos actos praticados pelo insolvente. E nestes últimos, haverá que distinguir entre actos anteriores à declaração de insolvência, actos em curso e actos futuros. Parece-nos que é esta a sistematização que deveria ter sido adoptada pelo Código e não o ser suscitam-se confusões desnecessárias». Cfr.LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, 2.ª ed., Almedina: Coimbra, 2005, p. 102.

128 Segundo a classificação da Autora, que classifica dentro dos “efeitos do devedor” duas subespécies de

efeitos: efeitos necessários e efeitos eventuais, pelo primeiro «entende-se aqueles cuja produção é automática e não depende senão da prolação da sentença que declara a insolvência do devedor. Integram- se aqui a privação dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º), os deveres de apresentação no tribunal e de colaboração com os órgãos da insolvência (cfr. art. 83.º), o dever de respeitar a residência fixada na sentença (cfr. art. 36.º, al. c)) e o dever de entrega imediata de documentos relevantes para o processo (cfr. art. 36.º, al. f))». Vide SERRA, Catarina. O novo

57

física (direito romano) 129, prisão em cárcere privado 130, cárcere público 131, banimento da cives 132, até a responsabilidade pela morte civil, num estágio mais propenso à utilização dos efeitos da falência num sentido a um capitis deminutio (ou seja, uma autêntica morte civil) que perdurou até a pouco tempo em nosso ordenamento jurídico133.

À luz do vigente direito da insolvência, a primeira punição relaciona-se com a perda do poder de administração, já a responsabilização pessoal dos administradores pelo prejuízo causado ou agravado em razão da insolvência, depende, em primeira instância, de uma “sentença de qualificação da insolvência como culposa” (artigo 189, n.º 2, do CIRE 134). Ademais, esta sentença deverá identificar as pessoas afetadas por tal qualificação (artigo 189, n.º 2, a), pois só estas serão submetidas às reações previstas nas alíneas b, c, e d, do n.º 2, do artigo 189 do CIRE.

Nota-se ainda, o caráter fragmentário e não automático dos efeitos da responsabilidade – só determinadas condutas que estão previstas na lei são caracterizadoras de responsabilização, e, portanto, passíveis de sanção aos administradores. Aquelas não definidas na lei são excluídas de responsabilização. Aliás,

129 A Lei das XII Tábuas estabelecia que, em caso de não cumprimento da obrigação, o credor poderia

legitimamente apoderar-se do devedor e inclusivamente vendê-lo como escravo trans Tiberim ou matá-lo por esquartejamento (partes secanto). Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. Direito da Insolvência, ob. cit., p. 23.

130

Após a Lex Poetelia Papiria de nexis, em 326 a. C., mitigou-se o caráter penal do procedimento, proibindo-se o nexun dare (devedor oferecia-se ao credor em penhor, para conseguir libertar da obrigação através de seu trabalho, situação semelhante à escravidão) e evitar a escravatura e morte do devedor, mantendo, porém, o cárcere privado por dívidas. Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. últ. ob. cit., p. 24.

131

No ano 491 de nossa era, Zenão outorgou a extinção da prisão em cárcere privado, e a partir daí a prisão por dívidas passa a ser realizada em cadeia do Estado. Segundo UMBERTO NAVARRINI, citado por

LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. últ. ob. cit., p. 25.

132 O bannum perpetuum implicava a capitis deminutio do falido, com a inscrição num albo especial, a

interdição de cargos públicos e a proibição do exercício do comércio – na Idade Média. Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. últ. ob. cit., p. 30.

133

Com a relação a capitis diminutio, o ordenamento falimentar português aceitava até a pouco tempo, a limitação à capacidade eleitoral dos falidos. V.g. artigo 3.º, al. c) do DL, n.º 319-A/79, de 3 de maio (Lei Eleitoral do Presidente da República), cfr. SERRA, Catarina. “Efeitos da declaração da falência sobre o falido”, in: Scientia Ivridica, n.º 274/276, separata, 1998, p. 268-269; Vide ainda FIUZA,César Augusto de Castro. “Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade”, p. 57-58, in: Revista da

Faculdade de Direito Milton Campos, vol. 22, Belo Horizonte, 2011.

134

Importante relembrar a seguinte conceituação: Por intermédio da culpa, a ordem jurídica considera que a atuação do administrador merece censura ou reprovação do direito porque, atendendo às circunstâncias, ele podia ter agido de outro modo. A ilicitude relevante para efeitos desta responsabilidade civil consiste na violação de deveres jurídicos inscritos em normas legais ou contratuais destinadas a proteger os credores sociais. Em lição clara sobre tipicidade, ilicitude e culpa, NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA expõe sabiamente: «a tipicidade consiste no “desencontro objectivo entre o que se deve fazer e o que na realidade se faz”; a ilicitude, no juízo de valor negativo que a ordem jurídica emite acerca de determinado acto; a culpa, no juízo de valor negativo que a ordem jurídica emite acerca de determinado agente, de determinada pessoa, por ter actuado ilicitamente (i. e.: contra o direito), embora pudesse actuar licitamente (i. e.: conforme o direito)», cfr. OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. “O artigo 72.º...”, ob. cit., p. 7.

58

o seu caráter não automático provém da conceção de que é necessária uma sentença judicial de responsabilização, e não apenas a declaração de insolvência.