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Efeitos sobre os administradores

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES NA INSOLVÊNCIA

3.6. A efetivação da responsabilidade civil dos administradores na insolvência

3.6.2. Efeitos sobre os administradores

Outro ponto que se deve esclarecer (e retomar) é concernente aos efeitos da declaração de insolvência sobre os administradores. Primeiramente porque a decisão que declara a insolvência confere uma série de efeitos, porém particularmente alguns são estendidos na órbita jurídica dos administradores.

À sentença que decreta a insolvência, dogmaticamente são classificados dois tipos de efeitos: os efeitos necessários e os efeitos eventuais.

No primeiro caso considera-se que tais efeitos são de ordem obrigatória, dependendo simplesmente da decisão judicial. Por exemplo, aquele que consagra a perda do poder de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (art. 81.º, n.º 1); a proibição de cessão de rendimentos e de alienação de bens futuros (art. 81.º, n.º 2); perda do direito de representação (art. 81.º, n.º 4); fixação de residência dos administradores (art. 36.º, alínea c); obrigação de entrega de documentos (art. 36.º, alíneas f e g); a manutenção da qualidade de administradores, com perda de retribuição (art. 82.º - podendo renunciar aos cargos imediatamente); 82.º, n.º 3, – obrigação de indemnização; obrigação de prestação de informações e de colaboração (art. 83.º), etc., todos do CIRE.

No segundo caso, encontram-se os efeitos mais gravosos e que particularmente impendem sobre os administradores, designadamente denominados efeitos eventuais por serem derivados da decisão que decreta a qualificação de insolvência culposa.

Com a Lei 16/2012 de 20 de abril, que alterou dispositivos do CIRE, o incidente de qualificação de insolvência que era obrigatório, como adiantamos, passou a ser facultativo. Antes, em todos os processos de insolvência o juiz deveria dar a abertura do incidente de qualificação para fazer constatar se a insolvência se constituía como fortuita ou culposa. Atualmente, o juiz tem a faculdade de determinar se instaura ou não o incidente tão-logo emita a decisão que declara a insolvência (art. 36.º, n.º 1, al. i)). Nesse sentido, a instauração do incidente de qualificação de insolvência se coloca como um pressuposto para investigar a responsabilidade dos administradores.

3.6.2.1. Inibição

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uma nova nomenclatura referente à limitação do poder de representação dos administradores. A partir de agora a sentença que qualifica a insolvência como culposa deverá identificar as pessoas afetadas pela qualificação e decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros por um período de dois a dez anos (cfr. art. 189.º, n.º 2, alíneas a e b). Trocou-se o anterior termo inabilitação pelo atual inibição, com o certo intuito de corrigir as falhas de interpretação que o primeiro levava, sendo acertadamente corrigido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 173/2009, de 2 de abril (fundamentado na violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP 178), em termos de instrumentalização da capacidade. Contudo, a doutrina já sinaliza crítica relativamente à utilidade e eficácia do instituto no que concerne à aptidão de sancionar condutas, que seja capaz de desempenhar plenamente as funções preventiva e sancionatória ou punitiva das sanções civis, de produzir um efeito simultaneamente inibidor e repressivo dos comportamentos em causa (causadores da insolvência ou de seu agravamento)179.

Em seu apontamento, CATARINA SERRA ressalta que quando o sujeito afetado é o próprio insolvente, ele já está privado da administração de bens do menor, do interdito e do inabilitado. Quando, como sucede mais frequentemente, o insolvente é uma sociedade comercial e o sujeito afetado é o administrador, ele já está privado da administração dos bens da sociedade por força do disposto no n.º 1 do art. 81.º do CIRE. Acresce que em ambos os casos existe uma inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de certos cargos [cfr. al. c) do n.º 2 do art. 189.º do CIRE] e a consequente impossibilidade de administrar os bens de sociedades comerciais ou civis, associações ou fundações privadas de atividades económicas públicas e cooperativas.

178 O referido acórdão é de força obrigatória geral. M

ARIA JOSÉ COSTEIRA observa: «A inabilitação era uma medida que não fazia sentido como “sanção” aplicável aos afetados pela insolvência. A inabilitação é um instituto de direito civil que tem como objetivo a proteção de interesses do incapaz e que consiste, essencialmente, na impossibilidade de o inabilitado poder, sem autorização do curador nomeado, praticar atos de disposição de bens entre vivos (artigo 153.º, n.º 1, do CC) e eventualmente, de administrar o seu património [caso em que há lugar à constituição do conselho de família e à designação do vogal que exerce as funções que na tutela cabem ao protutor (art. 154.º, do CC). Com o instituto da inabilitação pretende-se, pois, salvaguardar os interesses daquele que, não sendo de todo incapazes de governar a sua pessoa e bens (ou seja, não sendo interditos – artigo 138.º CC), se encontram diminuídos por uma debilidade que os torna incapazes de reger convenientemente o seu património. Ora, o objetivo da inabilitação que estaca prevista no CIRE não era este. A inabilitação consagrada no CIRE tinha em vista o interesse dos credores e do tráfico jurídico em geral, assumindo essencialmente um caráter sancionatório de natureza preventiva, sendo totalmente alheio ao escopo do instituto a salvaguarda do inabilitado. Não fazia, pois, sentido a inabilitação como sanção a aplicar aos responsáveis pela situação de insolvência». Cfr. COSTEIRA, Maria José, últ. ob. cit., p. 170-171. Em continuação, CATARINA SERRA salienta: «no entanto, se é verdade que a inabilitação em sentido próprio (incapacidade geral que priva o incapaz da possibilidade de administrar livremente os seus bens) não é adequada ao intuito de sancionar condutas, nem por isso bastava substituí-la por outra qualquer que pudesse sê-lo. Deveria ter-se escolhido uma que fosse útil e eficaz na função de sancionar as condutas em causa (causadoras de insolvência ou do seu agravamento) e, sobretudo, de desempenhar a função pedagógica ou preventiva típica das sanções (i.e. inibidora das referidas condutas)». Cfr. SERRA, Catarina. O regime português da insolvência, 5.ª ed., Almedina: Coimbra, 2012, p. 76.

179

Cfr. SERRA, Catarina. “Os efeitos patrimoniais da declaração de insolvência após a alteração da lei n.º 16/2012 ao código da insolvência”, in Revista Julgar, n.º 18, 2012, p. 183. Vide SERRA, Catarina. O

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Perante tudo isto, discursa a A., a inibição geral para a administração de bens de terceiros fica quase desprovida de objeto e tem escassíssima utilidade. Assim, ela dificilmente poderá funcionar como argumento para convencer os sujeitos a adotarem o comportamento devido – como uma medida dissuasora 180.

3.6.2.2. Perda de créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente

A sentença que qualifica a insolvência como culposa deve finalmente determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detido pelas pessoas afetadas pela qualificação bem como a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (cfr. artigo 189.º, n.º 2, al. c).

Num olhar crítico-percetivo sobre o assunto, MARIA JOSÉ COSTEIRA adverte: «esta sanção, estabelecida de forma completamente abstrata, indiferente ao grau de culpa dos afetados, ao valor, origem e natureza dos seus créditos, pode, na prática, ser desproporcionada». E continua, «não estabelecendo o código qualquer limite temporal, até onde vai esta obrigação de restituição? Poderá um administrador ser obrigado a restituir o que recebeu já dez anos atrás?» 181. Em sua opinião a A. entende que neste caso deve dar lugar a uma interpretação restritiva da norma e ser fixada na sentença uma data limite, data essa que deverá reportar-se aos três anos que antecederam o início do processo, já que só podem considerar-se afetados pela qualificação os administradores que exerceram funções nesses mesmos três anos e por atos que praticaram no mesmo período, conforme o art. 186.º do CIRE 182.

3.6.2.3. Obrigação de indemnização

Ponto fundamental aditado pela Lei 16/2012, de 20 de abril, foi a incorporação do elemento indemnizatório na sentença de qualificação da insolvência.

Como já referimos, antes desta última reforma no CIRE não se constava requisitos concretos para aferir a responsabilização dos afetados dentro do processo de insolvência. O objetivo fulcral do CIRE estava ligado à satisfação do crédito num processo-liquidação. E isto, incluía o desinteresse com questões de responsabilização dos administradores, pois, como se viu, o maior interesse na responsabilização dos administradores sempre foi o da própria sociedade, logo que era ela (sociedade) a prejudicada (diretamente) pela atuação ilícita dos administradores.

Não obstante, a al. e) do n.º 2, do art. 189.º do CIRE, recém aditada pela supra citada lei ampliou a proteção dos credores sociais. Sendo assim, o Juiz deve na sentença de qualificação da insolvência “condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados”, conforme. al. b), n.º 2, art. 189.º.

180

Cfr. SERRA, Catarina, “Os efeitos patrimoniais...” últ. ob. cit., p. 183-184.

181

Cfr. COSTEIRA, Maria José. “A insolvência de pessoas coletivas...”, ob. cit., p. 172.

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Sublinha-se que os afetados são aqueles que causaram prejuízos aos credores sociais, neste caso, inclui-se os ocupantes de cargos de direção (administradores) da sociedade, e são, entretanto, os afetados pela qualificação da insolvência culposa 183. E como regra geral, a Lei observa a regra da subsidiariedade da responsabilidade, operando em segundo plano a cobrança indemnizatória (apenas os créditos não satisfeitos pela insolvência / massa insolvente).

Com esta nova disposição, a inserção no corpo do Código da imputação aos afetados pelos danos causados, haverá de se relevar certos critérios de acuidade com relação à sentença que qualifica a insolvência como culposa. Ora, a partir de agora toda sentença de qualificação de insolvência culposa deverá (quando for o caso) fazer-se constar não só da censura de culpa, mas ainda, da medida de responsabilidade de cada um consoante o prejuízo causado. Parece-nos que a normativa anterior resguardava interesses mais proporcionais aos afetados, visto que permitia mecanismos específicos, valorizando todos os meios de prova e de defesa de modo particular num processo autónomo.

De outro lado, os credores sociais ganharam um reforço na satisfação de seus respetivos créditos. Com a opção legal de condenar os afetados logo no momento da qualificação da insolvência, permite-se certa celeridade na proteção dos direitos de créditos, por conseguinte, realça o fator da temporalidade como requisito relevante para a salvaguarda destes direitos.