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A responsabilidade dos administradores perante a sociedade no direito societário

2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES

2.3. A responsabilidade dos administradores perante a sociedade no direito societário

Foi visto que o conteúdo do artigo 64.º do CSC estatui os deveres gerais dos administradores, na mesma esteira em que consagra os critérios de ilicitude e culpa. Prosseguindo no terreno da responsabilização por atos ilícitos, o artigo 72.º e seguintes do CSC vêm consagrar a responsabilidade civil dos administradores, valendo-se daqueles pressupostos que tipificam a conduta desejada no âmbito da gestão societária, nomeadamente os já estudados no referido artigo 64.º. Por agora, passar-se-á a especificar a responsabilidade dos administradores consoante o prejuízo afetado – isto é, pelo desrespeito à conduta desejada pelas relações jurídicas –, seja o dano da sociedade, dos sócios ou dos credores. Diante disso, é oportuno esclarecer que a ação social de responsabilidade destinada a obter o ressarcimento deste prejuízo, pode ser promovida pela sociedade, pelos sócios e pelos credores sociais, porém esta não é de finalidade do presente estudo.

Numa aproximação ao regime da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração, resulta que o simples insucesso económico da sociedade, e porventura até a sua insolvência, não são suficientes de per se para responsabilizar quem a geriu. Na verdade, os sócios devem exigir que os administradores cumprissem todos os seus deveres, mas não podem requerer que os administradores obtenham necessariamente o sucesso económico. O sistema jurídico-societário de responsabilidade civil pela administração assenta, por um lado, no incumprimento de deveres que informam a função dos administradores e, por outro lado, na culpa individual 75.

No âmbito da responsabilidade dos administradores perante a sociedade, o artigo 72.º do CSC, proclama o regime jurídico da responsabilidade civil perante a sociedade por atos ou omissões ilícitos, culposos e danosos no exercício da administração.

A relação entre administradores e sociedade é de índole contratual: decorre do contrato de administração / gestão 76. O que não quer dizer que o facto de advir da lei a sua regulamentação (contrato típico), a relação jurídica societária, assim como a relação de administração estar prevista no texto legal, faça com que seja afastada a natureza

75 Parafraseamos R

AMOS, Maria Elisabete Gomes. Responsabilidade civil dos administradores e

directores de sociedades anônimas, p. 25.

76 A este respeito, M

ENEZES CORDEIRO sublinha que os deveres contratuais referidos no artigo 72.º, n.º 1, nascem dos estatutos, das deliberações sociais, de contratos de administração, e de pactos parassociais. Cfr. CORDEIRO, António Menezes. Da Responsabilidade civil dos administradores, p. 494; Vide também a este respeito, FIGUEIREDO, Isabel Mousinho de. “O administrador delegado”, in O direito, ano 137.º, vol. III, 2005, p. 560-561.

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contratual. Ao revés, como assinala PAIS DE VASCONCELOS: “a natureza contratual da responsabilidade civil consagrada no artigo 72.º do CSC é confirmada pelo n.º 1 do aludido artigo, ao estatuir que os gestores respondem salvo se provarem que actuaram sem culpa. Este regime de presunção de culpa é característico da responsabilidade contratual” 77

. Desse modo, a relação que vincula o administrador e a sociedade está contemplada nos estatutos e no contrato de administração. Igualmente, NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA revalida a consideração de COUTINHO DE ABREU ao afirmar que a relação dos administradores com a sociedade será uma relação obrigacional complexa – e por isso a responsabilidade dos administradores pelos danos causados à sociedade será sempre contratual ou obrigacional 78.

Pode-se concluir peremptoriamente que a regra de presunção de culpa do artigo 72.º, sendo contratual, segue-se nos mesmos moldes da presunção de culpa dos artigos 798.º e 799.º do Código Civil, o que salienta o ónus probatório de uma conduta não culposa por parte dos administradores 79. Os administradores têm de provar que atuaram em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial, pelo simples facto de a parte contrária (sociedade) haver provado a violação de algum dos deveres de administração 80.

77 Cfr. V

ANCONCELOS, Pedro Pais. Responsabilidade civil dos gestores das sociedades comerciais, p. 21.

78

Cfr. OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. “O artigo 72.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais consagra uma presunção de ilicitude?” Texto de apoio às aulas do Curso de Mestrado em Direito dos Contratos e das Empresas da Universidade do Minho, 2013/2013.

79 Neste ponto, E

LISABETE RAMOS explica que a inversão do ônus da prova (pela presunção de culpa conferida aos administradores), dispensa a sociedade-autora (ou quem tem legitimidade para intentar ação social de responsabilidade) de provar a culpa (art. 344.º do CCiv.), Cfr. RAMOS, Maria Elisabete Gomes.

O Seguro... ob. cit., p. 120-121; a mesma autora cita CUNHA, Paulo Olavo. Direito das sociedades comerciais, p. 719, a dizer que o referido autor também segue opinião de que a presunção de culpa é

aquela que circunscreve o art. 799.º do CCiv., e não a do art. 493.º, n.º 2. Cfr. RAMOS, Maria Elisabete

Gomes. últ. ob. cit., p. 120, nota 493; Em sentido distinto, FRADA, Manuel António Carneiro da, explica que de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, parece que cabe ao lesado – a sociedade – a prova da violação dos deveres legais ou contratuais dos administradores. Ou seja, considerando o artigo 72, n.º 1, compete-lhe a demonstração da infração, na falta de um dever específico, e algum dos deveres de “cuidado” previstos no artigo 64, n.º 1. Mas tal afigura-se muito insuficiente para uma adequada tutela do lesado. Ele não está inúmeras vezes em condições de fazer a prova plena da ilicitude assim definida, desde logo por falta ou dificuldade de acesso à informação relevante. Daí que se imponha uma facilitação judicial da prova ao lesado, com admissão de uma prova por verossimilhança (prova prima facie). Uma prova, portanto, que se contente com a presença de indícios suficientes da violação de tais deveres, instaurando-se de imediato o diálogo probatório e mediante a devolução ao administrador da palavra na matéria. Cfr. FRADA, Manuel António Carneiro. “A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores”, ob. cit., p. 86-87.

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LIVEIRA,Nuno Manuel Pinto, ressalta que «os casos de responsabilidade civil dos administradores são, sempre ou quase sempre, casos de responsabilidade civil por cumprimento defeituoso dos deveres de gestão», por isso considera que «estando em causa a responsabilidade civil (contratual ou obrigacional) por cumprimento defeituoso, o credor tem o ónus da alegação da prova de que há tipicidade - ou seja: de que há um “desencontro objectivo” entre aquilo que o devedor fez e aquilo que o devedor devia ter feito». De seguida, o reputado A. leva o leitor a refletir de que a tipicidade indicia a ilicitude. Nisso, para provar a tipicidade, o credor (sociedade) terá de fazer prova no sentido de que o devedor (administrador) agiu em “desencontro objetivo” entre aquilo que fez e aquilo que devia ter feito; de outro lado, para justificar a

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Para distinta doutrina, opina-se que há uma presunção não só de culpa (do n.º 1, do art. 72.º), mas também uma presunção de ilicitude pelo n.º 2, do artigo 72.º 81. Tendo em conta que por esta última normativa é exigido do administrador a prova do cumprimento dos deveres impostos pelo n.º 1, do artigo 64.º, significando dizer, que se não for provado que o administrador agiu de acordo com o plano objetivo do dever-ser ali contido, a sua conduta será qualificada como ilícita. Resulta disso, uma exigência maior pelos atos dos administradores, posto que deverão provar a compliance (respeito às normas de gestão, comportamento devido) 82.

Posto isto, a responsabilidade para com a sociedade é responsabilidade de índole primária, resultante do contrato de administração entre administradores e sociedade, também denominada “responsabilidade interna”. A relação contratual (obrigacional) constituída direta com a sociedade repercute na efetivação da responsabilidade, cuja prova da violação dos deveres implica na responsabilização dos administradores.