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2 FEDERALISMO, REGIME DE COLABORAÇÃO NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

2.2 A descentralização na dinâmica do federalismo brasileiro

O federalismo brasileiro é constituído por uma base territorial ampla e diversa. Para compreender essa dinâmica é preciso levar em consideração que a natureza dessa federação é marcada por um conjunto de heterogeneidades socioeconômicas e distribuição de poder territorial que apresenta dificuldades de equilibrar as relações entre centralização e descentralização. As consequências desse contexto resultam em uma estrutura federativa

assimétrica, seja em relação à distribuição de recursos ou em relação à capacidade de gestão político-administrativa entre os entes federados, repercutindo na articulação horizontal como a coordenação vertical13 (SANO; ABRUCIO, 2013).

No federalismo brasileiro, outro desafio a ser superado é a repercussão da cultura do modelo do regime militar, baseado em uma forte centralização política, financeira e administrativa que apresenta duas consequências para o federalismo da redemocratização: a) a ausência de uma cultura de negociação entre os entes federativos; b) a criação de nichos burocráticos federais com lastro meritocrático, mas fortemente insulados, que tentaram manter a todo custo o seu poder no processo de descentralização iniciado na década de 1980 (SANO; ABRUCIO, 2013).

Nesse contexto, Cury (2010 b) e Abrucio (2010) evidenciam aspectos positivos e negativos. Entre os positivos, os autores indicam que existem as possibilidades democráticas de interação entre as comunidades locais e seus governos, de barganha e negociação entre os entes pactuantes possibilitando modificar a configuração de determinadas políticas públicas.

No que diz respeito aos aspectos negativos, os autores citados registram problemas relacionados com a dificuldade de ajustar os interesses locais com os mais gerais, de forma que associe a ação conjunta intergovernamental no respeito de uma única política. Esse contexto fomenta jogos de disputa e competição entre os entes federativos, limitando consideravelmente o princípio da colaboração mútua.

A organização do sistema federativo no Brasil se encontra imbricado a essas características que condicionam o formato das políticas públicas. No entanto, a organização federalista deve introduzir ações coordenadas e pactuadas em busca do equilíbrio entre as desigualdades regionais.

O Brasil adotou, desde o ano de 1934, enquanto estratégia da implementação de políticas, o que na literatura denomina-se como federalismo cooperativo (CURY, 2010b). Nesse modelo, há interdependência e coordenação das atividades governamentais. Portanto, o poder do governo se concentra em os seus níveis, a fim de reduzir os poderes de decisão. Para

13 No contexto das relações horizontais não está previsto concorrência de competências entre os entes federados. Já nas relações verticais, as competências são distribuídas na matéria entre a União e os Estados-membros. “A expressão articulação vertical, por sua vez, vem sendo criticada porque pressupõe a existência de níveis diferentes entre os entes federados. Sobre a questão o Parecer CNE/CEB n. 9/2011 afirma que as relações interfederativas não se dão mais por processos hierárquicos e sim por meio do respeito aos campos próprios das competências assinaladas, mediadas e articuladas pelo princípio da colaboração recíproca e dialogal. Por outro lado, há autores que reconhecem a existência de diferenciações entre os entes federados no estabelecimento de atividades conjuntas, como ocorre no Plano de Ações Articulas (PAR), envolvendo a esfera federal e as demais esferas [...]” (OLIVEIRA; GANZELI, 2013, p. 1035).

que sua implementação seja eficaz, é necessário a institucionalização de um mecanismo de negociação e acordo intergovenamental.

É importante assinalar que o federalismo no Brasil está associado à autonomia do governo local, sua relativa importância financeira e seu papel de principal provedor de importantes políticas sociais. Tais questões não são aspectos propriamente relativos à teoria do federalismo e seus desdobramentos, mas também as consequências das políticas de descentralização e das relações intergovernamentais14. Logo, esses aspectos complementam-

se na medida em que avança a compreensão de como o federalismo brasileiro funciona na prática (SOUZA, 2005).

O debate da descentralização passou a integrar a agenda da política brasileira a partir da década de 1980 em meio aos propósitos da reforma do Estado. O processo de democratização em curso deu-se após o regime civil militar que tinha por característica a concentração de poder e, por conseguinte, organização hierárquica das relações federativas. A descentralização entrou em pauta enquanto estratégia de combate as consequências desse regime. Dessa forma, ela foi entendida como um instrumento que concede autonomia aos governos subnacionais, assim sendo,

No caso das redes de serviços sociais públicos, a literatura aponta, entre suas bondades, o fato de que a descentralização supõe e simultaneamente reforça uma dada capacidade administrativa (state capabilities) e de governo (da governance) das unidades para as quais se delega ou se transfere poder, estimulando e transmitindo a esses níveis subnacionais ou instâncias as energias modernizadoras anteriormente monopolizadas pelos executivos centrais. Em resumo, descentralização, participação, governance e aprofundamento da democracia constituiriam dimensões de uma mesma e complexa equação (DRAIBE, 2005, p. 42).

A partir da exposição da autora entende-se que a descentralização é um fenômeno complexo e multifacetado, visto que as diversas políticas e programas sociais têm se

14 No Brasil, em consequência das políticas de descentralização, uma parcela significativa do poder foi transferida para os estados e municípios, especialmente entre as décadas de 80 e 90. Nesse processo, em meio aos anos 1990 e 2000, as relações intergovernamentais passaram por mudanças expressivas, a exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com Falleti (2006, p. 81), “[...] um processo descentralizador que começa com a descentralização política, continua com a descentralização fiscal e termina com a descentralização administrativa, dando poderes aos governos subnacionais. Isso ocorre independentemente do tipo de governo, das condições iniciais das estruturas institucionais intergovernamentais e também, em grande parte, independentemente da lealdade dos parlamentares à estrutura partidária. Em outras palavras, são as características do processo, isto é, que interesses territoriais dominam em cada instância de negociação das políticas descentralizadoras e o timing das reformas, que explicam o grau de mudança do equilíbrio intergovernamental do poder entre governos nacional e subnacionais”. Sobre a relação entre descentralização e relações intergovernamentais recomenda-se os estudos de Abrucio e Franzese (2007), Arretche (1999), Farenzena e Marchand (2013), Franzese e Abrucio (2009) e Souza (1998).

caracterizado enquanto ferramenta de concessão à eficiência e de um toque mais democrático para a gestão (DRAIBE, 2005).

Sobre o conceito da descentralização, é preciso considerar que esse termo se caracteriza enquanto processo que confere às estruturas político-administrativas locais autoridade para a formulação e decisão acerca de suas políticas e necessidades de natureza locais. Portanto,

A descentralização assume, a partir desse ponto de vista, uma característica de transferência de atribuições, o que implica em certo grau de poder para as estruturas locais. Nessa linha de visão, Arretche (1999) considera que a descentralização pode significar genericamente a institucionalização, no plano local, de condições técnicas para a implementação de tarefas de gestão de políticas sociais (NOVAES; FIALHO, 2010, p. 5).

Arretche (2002) caracteriza a descentralização pela distribuição de funções administrativas entre níveis de governo. Enquanto que o federalismo pode ser considerado como uma distribuição de autoridade política. Nessa perspectiva, a viabilização de regimes federalistas está diretamente relacionada com as formas organizativas descentralizadas.

No Brasil, consoante as perspectivas de descentralização apresentadas, estados, distrito federal e municípios são independentes uns dos outros. Em conjunto, eles validam o governo federal que governa sobre/com os demais entes federados (estados, distrito federal e municípios). Essa atual estrutura configura o desenho das políticas sociais e os processos de reforma do Estado. Tal configuração vem passando por intensas modificações desde a redemocratização do país, após a aprovação da Constituição Federal de 1988.

Com a atual Constituição Federal (1988), houve a repartição de poderes, competências e concessões legislativas aos entes federados, ressaltando suas autonomias e ofícios privativos comuns ou concorrentes, dentro das limitações estabelecidas (CURY, 2010b). Observou-se a definição de um sistema mais claro de transferências constitucionais de recursos públicos entre os entes federados. Essa nova organização ampliou a possibilidade dos estados e municípios executarem suas próprias políticas públicas, no sentido de sanar as principais necessidades da população em cada instância governamental.

De acordo com Abrucio (2010), a Constituição Federal de 1988 apresenta cinco grandes pilares no plano das políticas públicas, a saber:

O primeiro é o da busca da universalização das políticas, com o intuito de obter a garantia plena dos direitos sociais. O segundo é o da democratização da gestão estatal, tanto no que se refere à participação no plano deliberativo, como no campo do controle do poder público. O terceiro é o da profissionalização da burocracia, por meio dos concursos e carreiras públicas, tomada como uma condição essencial para a qualidade na formulação e implementação das ações governamentais. Os dois últimos pilares são interligados e fazem parte da dinâmica federativa. Trata-se da descentralização, preferencialmente em prol da municipalização das políticas, e a preocupação com a interdependência federativa, na forma de medidas de combate à desigualdade, de preocupações em torno da cooperação intergovernamental e da definição de um raio importante de ações federais como agente nacional (ABRUCIO, 2010, p. 45).

A repartição de competências entre o governo central (União) e os entes federados (estados, municípios e Distrito Federal) é o ponto central da organização federal de Estado (BRASIL, [2018b]). A Constituição Federal de 1988 enumera as competências da União (Art. 21 e 22) e Municípios (Art. 30). Para os estados, cabe a competência residual (Art. 25). A mesma Constituição define as áreas das competências concorrentes (Art. 24) e as comuns (Art. 23), instituindo expressamente o federalismo cooperativo do Estado brasileiro. Nesse sentido,

O principal mote do novo federalismo inaugurado pela Constituição de 1988 foi a descentralização. Processo que significava não só passar mais recursos e poder aos governos subnacionais, mas, principalmente, tinha como palavra de ordem a municipalização. Nessa linha, o Brasil se tornou uma das pouquíssimas federações do mundo a dar status de ente federativo aos municípios (ABRUCIO, 2010, p. 46).

A Constituição brasileira concedeu a possibilidade de estados, municípios e Distrito Federal compartilharem com a União a guarda da Constituição e a prestação de serviços no setor social, com destaque para as áreas de saúde, cultura, educação, meio ambiente, habitação, combate à pobreza, integração social, políticas de trânsito, exploração de recursos hídricos e minerais (Art. 23) (BRASIL, 2006a). Além disso, organizou a base do Estado federativo brasileiro com referência a uma matriz cooperativa de repartição de competências, na qual coexistem competências privativas, concorrentes e compartilhadas entre os entes federados, tanto no que se refere aos aspectos legislativos, quanto aos aspectos administrativos e tributários.

De acordo com Cury (2002), o modelo federado instituído com a Constituição (1988) envolve um ordenamento jurídico complexo, no qual convivem as competências privativas, concorrentes e compartilhadas, entre os entes federados. As Competências privativas são particulares de cada ente federado. As concorrentes são aquelas que devem ser exercidas por dois ou três dos entes federados para que ocorra sua efetivação. Por fim, as compartilhadas

são aquelas que preveem que todos os entes federados possam atuar sobre um determinado tema ao mesmo tempo.

A inovação da Constituição brasileira (1988) por meio da inclusão do município como um terceiro ente federado conferiu a esse ente o protagonismo na descentralização de competências, especialmente na área social. Essa inovação possibilitou que os cidadãos ampliassem sua participação nas esferas da administração pública. Todavia, registra-se a ampliação de dificuldades relacionadas com o equilíbrio federativo, ou seja, a promoção da equidade na prestação dos serviços públicos à população, considerando a heterogeneidade econômica e social dos 27 estados e 5.57015 municípios brasileiros. Essa Constituição

estabelece a divisão de competências descentralizadas no que se refere à prestação dos serviços, conferindo aos municípios um peso de importância. Esse aspecto foi complementado por outras emendas constitucionais que asseguraram recursos financeiros para realização desse processo16. Assim, são lançadas as bases para a gestão democrática no

nível local (ABRUCIO, 2010).

Souza (2005) considerando o elevado número de competências concorrentes dos entes federados brasileiros, como a educação, conclui que divisão institucional das responsabilidades entre os entes federados são claramente compartilhadas. Sinaliza ainda que o federalismo brasileiro teria um caráter mais cooperativo do que dual ou competitivo. No entanto,

[...] na prática existem grandes distâncias entre o que prevê a Constituição e sua aplicação. O objetivo do federalismo cooperativo está longe de ser alcançado por duas razões principais. A primeira está nas diferentes capacidades dos governos subnacionais de implementarem políticas públicas, dadas as enormes desigualdades financeiras, técnicas e de gestão existentes. A segunda está na ausência de mecanismos constitucionais ou institucionais que estimulem a cooperação, tornando o sistema altamente competitivo (SOUZA, 2005, p. 112).

Conforme a autora citada, o novo pacto federativo proposto pela Constituição não proporcionou novos mecanismos cooperativos que fossem mais eficazes para a coordenação intergovenamental. Nesse sentido, observa-se que os canais de negociação entre os entes

15 Segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE apud CRESCE..., 2013).

16 A estrutura educacional brasileira passou por três Emendas Constitucionais que repercutiram nas relações entre os entes federados. As Emendas que imprimiram novas formas de redistribuição de recursos foram a de nº 14/2006, que cria o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) e a Emenda de nº 53/2006, responsável pela criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) (BRASIL, 1996a, 2006a). A última Emenda foi a de nº 59/09 que amplia Ensino obrigatório da Pré-escola ao Ensino Médio (4 a 17 anos, até 2016) (BRASIL, 2009a).

federados e, consequentemente, a competição foram limitados (ABRUCIO, 2003, 2005; ARRETCHE, 2005; SOUZA, 2005).

Esse contexto proporciona conflitos entre os entres federados em torno dos recursos e novos investimentos ocasionando a chamada guerra fiscal. A descentralização ocorrida pós Constituição Federal de 1998 acarretou várias mudanças nas relações intergovernamentais e no poder relativo dos governos e das sociedades locais (SOUZA, 2002).

Sobre essa perspectiva, Abrucio (2002, p. 145) acrescenta que a descentralização compreende:

[...] um processo nitidamente político, circunscrito a um Estado nacional, que resulta da conquista ou transferência afetiva de poder decisório a governos subnacionais, os quais adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores (1), para comandar diretamente sua administração (2), para elaborar uma legislação referente às competências que lhes cabem (3) e, por fim, para cuidar de sua estrutura tributária e financeira (4).

Para o autor mencionado é necessário distinguir outros três fenômenos que se encontram presentes na administração pública brasileira, que vem sendo denominados de “descentralização”, sendo estes: a desconcentração administrativa, a horizontalização das estruturas organizacionais públicas e a transferências de atribuições (ABRUCIO, 2002).

A partir das décadas de 1970 e 1980, a descentralização assume notoriedade em meio ao contexto de crise da perspectiva centralizadora do Estado, sob a justificativa de que promoveria a democracia participativa, bem como a preservação das identidades territoriais. Nessa lógica, de acordo com Abrucio (2005), a centralização dos poderes por parte da União suscitava anseios por um processo de democratização do poder mediante descentralização das ações do Estado.

A relação estabelecida entre descentralização e democracia não é direta, pois depende das condições sociais, econômicas e políticas existentes em determinado país e tempo histórico. Dessa forma, essa relação é uma construção político-institucional (ABRUCIO, 2005).

No contexto brasileiro, é preciso instituir mecanismos que fortaleçam a democracia na sociedade, em suas diversas formas organizativas. A democratização e o fortalecimento do pacto federativo estão diretamente relacionados com a institucionalização de instâncias de

participação colegiada17, uma vez que estabelecem estratégias de ação política e intervenção

nos espaços públicos pela população.

Para Souza (2002), em contextos de altas desigualdades inter e intra-regionais, os resultados da descentralização são contraditórios. Se, por um lado, “[...] a descentralização promove incentivos para que o governo federal negocie com os governos subnacionais a decisão e a implementação de políticas públicas”, bem como, “[...] incentiva maior participação dos governos locais na provisão de serviços sociais e na adoção de políticas participativas, tornando complexas as relações entre os diferentes níveis de governo e entre estes e segmentos da sociedade local”, por outro lado, “[...] a experiência brasileira de descentralização com desigualdade desnuda os constrangimentos e as limitações da descentralização em países historicamente marcados por heterogeneidades regionais e sociais” (SOUZA, 2002, p. 431).

No caso brasileiro, a descentralização vem sendo defendida enquanto instrumento de avanço democrático, na medida em que por meio desse mecanismo é possível estabelecer avanços como, por exemplo, no controle social. A exemplo, pode-se destacar o Orçamento Participativo18 que é uma evidência desse fato.

Abrucio (2010, p. 46-47) aponta aspectos negativos da descentralização, isto é:

[...] a dependência financeira ou a escassez de recursos para dar conta das demandas dos cidadãos; baixa capacidade administrativa, o que implica dificuldade para formular e implementar os programas governamentais, mesmo quando há dinheiro federal ou estadual envolvido; e os males que atrapalham a democratização dos municípios, como o clientelismo, a “prefeiturização” (isto é, o excesso de poder nas mãos do prefeito), o pouco interesse em participar politicamente e/ou de controlar os governantes.

O autor destaca que nem sempre as medidas descentralizadoras garantem subsídios de coordenação entre os diferentes níveis de governo na organização do federalismo brasileiro. Na descentralização, reside um processo complexo de relações de poder, produzindo tensões e conflitos diante da hierarquia das organizações públicas. Não é possível considerar federalismo e descentralização como conceitos equivalentes, mesmo que sejam

17 Instâncias colegiadas são entendidas como aquelas organizações compostas por representantes de diversos segmentos, visando o estabelecimento da cultura democrática, uma vez que as decisões nessas instituições são tomadas em grupo, com o aproveitamento de experiências diferenciadas.

18 “O orçamento participativo é um importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade. Nele, a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura. Além disso, ele estimula o exercício da cidadania, o compromisso da população com o bem público e a corresponsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade” (BRASIL, 2015f).

bastante relacionados. A exemplo disso, é possível destacar o fato de que a descentralização também pode ocorrer em estados unitários, no momento em que são atribuídas funções administrativas em instâncias locais que gozam de diferentes graus de autonomia, de acordo com a realidade do Estado a que pertença. A possibilidade de dispersão do poder contida nos regimes federalistas pode gerar acréscimos de autonomia nos níveis de governo locais, permitindo a abertura de canais de participação a grupos sociais ou indivíduos, anteriormente sub-representados, aproximando-os das políticas sociais.

Arretche (1998, p. 13) distingue, com base na literatura contemporânea, a tipologia sobre descentralização sustentada em três grupos de fatores. Assim, os determinantes desse processo estariam associados a: “I) fatores do tipo estrutural, sejam eles de natureza econômica ou de natureza político-institucional; II) fatores do tipo institucional, ou ainda III) fatores ligados à ação política, quer estes envolvam as relações entre os níveis de governo ou as relações entre Estado e sociedade”.

Com relação a esses fatores, a autora assevera que o sucesso na incorporação das novas responsabilidades repassadas pelo governo central depende diretamente da capacidade financeira e político-administrativa. Nessa perspectiva, uma ideia difundida sobre a descentralização no Brasil é a de que em regiões, estados e municípios mais pobres, esse processo não seria viável, pelo fato da base econômica ser frágil, consequentemente a capacidade dos gastos dos governos estaria limitada. “Associa-se, portanto, possibilidade de gestão descentralizada à capacidade de gastos dos governos subnacionais” (ARRETCHE, 1998, p. 14).

A respeito da descentralização no contexto brasileiro e sua relação com a economia, Cavalcante (2011, p. 1794) faz a seguinte reflexão:

De fato, a literatura converge para o argumento de que a estratégia de adesão dos municípios é um aspecto necessário para o sucesso da descentralização; todavia, as experiências das políticas sociais no Brasil comprovam que ele não é suficiente. Embora a qualidade da implementação da política dependa dos incentivos e do controle aos quais os governos locais são submetidos, não existe obrigatoriedade por parte destes últimos na provisão de serviços em patamares equitativos e eficientes, tendo em vista a autonomia que os municípios gozam. O que envolve outra questão: quais são os condicionantes do desempenho local? Em outras palavras, dentro de uma estratégia de descentralização única que vise maximizar o impacto de fatores apoiadores e ao mesmo tempo minimizar custos, o que pode explicar a variação nos resultados entre governos subnacionais?

A acentuada disparidade socioeconômica entre as unidades federadas é um elemento que caracteriza a realidade do federalismo brasileiro. De acordo com Affonso (2000), a

descentralização é justamente a estratégia que visa combater as consequências dessa fragmentação. Na perspectiva desse autor,

a descentralização e o federalismo possuem inúmeras interseções. Constituem ambos, de um ponto de vista mais geral, uma resposta do Estado à necessidade de atender à multiplicidade de demandas territorialmente diferenciadas, ou seja, de enfrentar o desafio de articular o “geral” com as “particularidades” na gestão pública (AFFONSO, 2000, p. 130, grifo do autor).

Para o citado autor, na medida em que a descentralização passou a ocupar a agenda política brasileira, enquanto mecanismo da democratização, os governos subnacionais