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A descentralização político-administrativa e controle social na gestão do SUAS

CAPÍTULO 1 – O Sistema de Proteção Social: um resgate na perspectiva da

2.2 A descentralização político-administrativa e controle social na gestão do SUAS

A descentralização político-administrativa é um princípio constitucional, incorporado na assistência social para definir a centralidade do Estado e a participação da sociedade civil na implementação e fiscalização das ações e serviços em todo território nacional. Deste modo, o artigo 6º da Lei Orgânica de Assistência Social afirma que as ações da assistência social devem ser organizadas em um sistema público, descentralizado e participativo, no qual

legitima a democratização da gestão, configurando-se no marco para as mudanças no campo da seguridade social não contributiva18.

Com relação a primeira questão, a descentralização expressa um eixo funda- mental, ou seja, a alteração de estruturas político-administrativas autoritárias, centralizadas e piramidais, pela transferência de prerrogativas e competências a esferas intermediárias e locais. Em termos práticos, esta efetiva mudança no aparato institucional significa mexer nos núcleos estruturados de poder, sempre foco de tensão e de conflito de interesses. (BRASIL, 2008, p.18).

A NOB/SUAS (2012) define responsabilidades aos três entes federados. Entretanto, neste estudo, destacamos a responsabilidade da esfera municipal:

I - destinar recursos financeiros para custeio dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, da LOAS, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social - CMAS;

II - efetuar o pagamento do auxílio-natalidade e o auxílio-funeral;

III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil;

IV - atender às ações socioassistenciais de caráter de emergência;

V - prestar os serviços socioassistenciais de que trata o art. 23, da LOAS; VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão e dos serviços, programas e projetos de assistência social, em âmbito local;

VII - realizar o monitoramento e a avaliação da política de assistência social em seu âmbito;

VIII - aprimorar os equipamentos e serviços socioassistenciais, observando os indicadores de monitoramento e avaliação pactuados;

IX - organizar a oferta de serviços de forma territorializada, em áreas de maior vulnerabilidade e risco, de acordo com o diagnóstico socioterritorial; X - organizar, coordenar, articular, acompanhar e monitorar a rede de serviços da proteção social básica e especial;

XI – alimentar o Censo SUAS;

XII - assumir as atribuições, no que lhe couber, no processo de municipalização dos serviços de proteção social básica;

XIII - participar dos mecanismos formais de cooperação intergovernamental que viabilizem técnica e financeiramente os serviços de referência regional, definindo as competências na gestão e no cofinanciamento, a serem pactuadas na CIB;

XIV - realizar a gestão local do BPC, garantindo aos seus beneficiários e famílias o acesso aos serviços, programas e projetos da rede socioassistencial;

XV - gerir, no âmbito municipal, o Cadastro Único e o Programa Bolsa Família, nos termos do §1º do art. 8° da Lei nº 10.836 de 2004;

XVI - elaborar e cumprir o plano de providências, no caso de pendências e irregularidades do Município junto ao SUAS, aprovado pelo CMAS e pactuado na CIB;

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O sentido não contributivo significa, do ponto de vista econômico, algo fora das relações de mercado, isto é,

XVII - prestar informações que subsidiem o acompanhamento estadual e federal da gestão municipal;

XVIII – zelar pela execução direta ou indireta dos recursos transferidos pela União e pelos Estados aos Municípios, inclusive no que tange a prestação de contas;

XIX - proceder o preenchimento do sistema de cadastro de entidades e organizações de assistência social de que trata o inciso XI do art. 19 da LOAS;

XX - viabilizar estratégias e mecanismos de organização para aferir o pertencimento à rede socioassistencial, em âmbito local, de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais ofertados pelas entidades e organizações de acordo com as normativas federais.

XXI – normatizar, em âmbito local, o financiamento integral dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social ofertados pelas entidades vinculadas ao SUAS, conforme §3º do art. 6º B da LOAS e sua regulamentação em âmbito federal. (NOB/SUAS 2012, p. 10).

Quanto ao nível de gestão na esfera municipal, a NOB/SUAS/2005 definiu a capacidade de oferta dos serviços e benefícios no âmbito da assistência social em: gestão inicial, gestão básica e gestão plena. A gestão inicial corresponde à realidade daqueles municípios que ainda não dispõem dos instrumentos de gestão definidos a partir do art. 30 da LOAS19.

No tocante à gestão básica, a gestão básica corresponde a um nível de responsabilidade superior ao estágio da gestão inicial, cabendo aos municípios organizar a proteção social básica por meio da oferta de programas, serviços e benefícios socioassistenciais que fortaleçam os vínculos familiares e comunitários. É neste nível de gestão que o município garante seu passaporte na operacionalização da assistência social no contexto do SUAS.

Na gestão plena, o município tem a gestão total das ações de proteção básica e especial no âmbito da assistência social, assumindo a execução direta de programas, serviços e benefícios e, de forma complementar, acionando a rede20 socioasssitencial, de modo a prover as seguranças sociais às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. A aferição dos níveis de gestão é alterada a partir da aprovação da NOB/SUAS/2012, a

19 É condição para os repasses, aos Municípios, Estados e Distrito Federal, dos recursos de que trata esta lei, a

efetiva instituição e funcionamento de: I - Conselho de Assistência Social, de composição paritária entre governo e sociedade civil; II - Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos respectivos Conselhos de Assistência Social; III - Plano de Assistência Social. Parágrafo único. É, ainda, condição para transferência de recursos do FNAS aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à Assistência Social, alocados em seus respectivos Fundos de Assistência Social, a partir do exercício de 1999. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998. LOAS, art.30, 2012, p.45-6).

20 Financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social, mediante repasse fundo a fundo, ou que cheguem

diretamente aos usuários, ou ainda, as que sejam provenientes de isenção de tributos em razão do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS). Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS.

qual define que os entes federados serão agrupados a partir da apuração do Índice de Desenvolvimento do SUAS - ID SUAS21. (NOBSUAS 2012, p. 13). Ao definir as responsabilidades dos entes federados, o SUAS estabelece a constituição de ferramentas que possibilitem a pactuação dos recursos necessários à execução e aprimoramento da política de assistência social.

O Conselho, o Plano e o Fundo estão prescritos no art. 30 da LOAS, conforme definição na figura a seguir:

FIGURA 02 – Instrumentos de Gestão no SUAS.

FONTE: Elaborado pela autora, com referência na NOB/SUAS 2012.

A tríade estabelecida na política dar transparência a gestão dos recursos para organização, planejamento e controle social das ações e serviços, nas esferas municipal, estadual e união.

O conselho representa a instância de controle social no âmbito do SUAS, em que reafirma o compromisso constitucional da participação popular nos processos decisórios e de definição de um conjunto de garantias que formatam o sistema de proteção social no país, deve ser operado de forma pactuada entre sociedade e governo, cabendo àquela o papel de acompanhar a execução do gasto público. Esta prerrogativa legitima o conselho como espaço

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Parágrafo Único: O ID SUAS é composto por um conjunto de indicadores de gestão, serviços, programas,

projetos e benefícios socioassistenciais apurados a partir do Censo SUAS, sistemas de Rede SUAS e outros sistemas do MDS.; Art. 29. Os níveis de gestão correspondem à escala de aprimoramento, na qual a base representa os níveis iniciais de implantação do SUAS e o ápice corresponde aos seus níveis mais avançados, de acordo com as normativas em vigor; Art. 30. Os níveis de gestão são dinâmicos e as mudanças ocorrerão automaticamente na medida em que o ente federativo, quando da apuração anual do ID SUAS, demonstrar o alcance de estágio mais avançado ou o retrocesso a estágio anterior de organização do SUAS (NOB/SUAS 2012).

de negociação, entre governo e sociedade civil, na formulação, planejamento, implantação e avaliação das políticas públicas, assegurando, desse modo, o controle social sobre as ações governamentais. Para Raichelis, o controle social significa:

o acesso aos procedimentos que informam as decisões no âmbito da sociedade. Permite a participação organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem às negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além do acompanhamento da implementação daquelas decisões segundo critérios pactuados. (RAICHELIS, 1998, p. 41)

Destaca-se a criação dos conselhos gestores de políticas públicas, entendidos como “arenas de negociação de propostas e ações que podem beneficiar milhares, milhões de pessoas, e de aprofundamento da democracia” (BEHRING & BOSCHETTI, 2008, p.178).

O controle social no SUAS está respaldado no art. 5º da LOAS, que prescreve a participação popular como prerrogativa para gestão da assistência social, assegurada por meio da presença organizações representativas, na formulação e avaliação das políticas e do controle das ações em todos os níveis. Neste sentido, o Sistema privilegia os conselhos como espaços de deliberação, formulação e acompanhamento da política de assistência social, constituídos paritariamente por representantes da sociedade civil e representantes do governo nas esferas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

O Conselho Nacional de Assistência Social representa a maior instância de deliberação no âmbito da política, estabelecendo diretrizes e regulações necessárias à organização e execução da assistência em todo país. Segundo Valdete de Barros Martins22, o “Conselho Nacional de Assistência Social deve se constituir de fato como um efetivo espaço público de controle democrático e pautar os grandes temas que envolvem a proteção social de assistência social”.

A estrutura organizacional dos conselhos está vinculada ao Poder Executivo, cujo funcionamento é de responsabilidade do órgão gestor da política de assistência social, cabendo-lhe dar apoio administrativo, aporte financeiro, dispor de infraestrutura e equipamentos adequados, enfim criar as condições necessárias para o bom desempenho do colegiado na efetivação do controle social.

Outra instância de igual relevância para o controle social no SUAS são as conferências, sejam municipais, estaduais e nacionais, regulamentadas pelo art. 18 da LOAS,

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Presidente do Conselho Nacional de Assistência Social gestão 2008/2010. Cadernos de texto: subsídios para o

debate. Participação e controle social no SUAS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social, 2009.

tendo o “papel de avaliar a situação da assistência social, definir diretrizes para política, verificar os avanços ocorridos num espaço de tempo determinado” (PNAS/2004, p.47). Neste sentido, as conferências representam um elemento de extrema relevância no processo de construção da assistência social enquanto política pública.

O quadro a seguir apresenta o histórico dos temas abordados.

QUADRO 03 – Temas das Conferências Nacionais de Assistência Social.

ANO CONFERÊNCIA TEMA

1995 1ª “A Assistência como um direito do cidadão e dever do Estado” 1997 2ª “O Sistema Descentralizado e participativo da Assistência Social

– Construindo a Inclusão – Universalizando Direitos” 2001 3ª “Política de Assistência Social: uma trajetória de avanços e

desafios”.

2003 4ª “Assistência Social como Política de Inclusão: uma nova agenda para cidadania – LOAS 10 anos”.

2005 5ª “SUAS – Plano 10: estratégias e metas para implementação da Política Nacional de Assistência Social”.

2007 6ª “Compromissos e Responsabilidades para Assegurar Proteções Sociais no Sistema Único de Assistência Social”.

2009 7ª “Participação e Controle Social”

2011 8ª “Avançando na Consolidação do Sistema Único de Assistência Social com a Valorização dos Trabalhadores e a qualificação da Gestão dos Serviços, Programas e Projetos e Benefícios”. 2013 9ª “A gestão e o Financiamento na Efetivação do SUAS”. FONTE: Elaborado pela autora, com referência no Informe no 01, do CNAS/2013.

As conferências e os conselhos inscrevem mudanças necessárias ao fazer novo da assistência social: afirmar direitos e garantir proteção, desempenhando importante papel no processo de participação e da democratização do país.

Outros elementos que representam avanço nos canais de pactuação são as Comissões Intergestoras Tripartite (CIT)23 e Bipartite (CIB)24, em âmbito Municipal Estadual e Federal, que se constituem como espaços privilegiados de negociação, pactuação e deliberação entre os gestores, quanto aos aspectos políticos e operacionais do sistema.

Enfim, conselhos e conferências podem ser considerados como instâncias de excelência na materialização plena do controle social, afirmando a participação popular na gestão da política de Assistência Social. Sua função deliberativa traduz um avanço na história da democracia do país. Dando continuidade aos instrumentos de gestão, o plano configura-se

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A CIT é constituída por representantes da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), do Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Assistência Social (FONSEAS) e do Conselho Nacional de Gestores de Assistência Social (CONGEMAS). (BRASIL, 2008, p. 21).

elemento fundamental para o aprimoramento da gestão e qualificação dos serviços, à medida que se estabelecem metas e coberturas essenciais à garantia da proteção aos usuários.

Assim, a NOB/SUAS 2005 concebe o plano como:

um instrumento de planejamento estratégico que organiza, regula e norteia a execução da PNAS/2004 na perspectiva de SUAS. Sua elaboração é de responsabilidade do órgão gestor da política, que o submete à aprovação do Conselho de Assistência Social, reafirmando o princípio democrático e participativo (NOB/SUAS, 2005, p. 119).

Para Conserva,

O Plano é uma ferramenta estratégica de gestão de políticas públicas, visa, portanto, conhecer e intervir nas condições socioeconômicas da população da cidade [...], adequada ao processo municipal de gestão da assistência social. Significa planejar as ações, serviços e programas a partir dos territórios de gestão da assistência social (PMJP, 2011, p. 6).

A construção do plano de assistência social pressupõe uma interação direta com os instrumentos de planejamento e orçamento da administração pública, descritos acima, de modo a assegurar o financiamento das ações de proteção social no âmbito do SUAS. Este processo exige também a participação da sociedade por intermédio do Conselho de Assistência Social, a quem cabe aprovar, acompanhar e monitorar o processo de execução da política.