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5 O CÉU DA RACIONALIDADE

5.2 A descoberta das trajetórias e regularidades

Muito tempo após a identificação da existência do Sol, da Lua e das estrelas, o ser humano percebeu que era o Sol quem determinava o ritmo de suas atividades, pois os ciclos da natureza são, em última instância, os ciclos diário e anual do Sol. Mais tarde, de acordo com Ronan (1987), passou a observar o céu noturno com mais atenção e percebeu que ele apresentava um lento movimento, conduzindo as estrelas de um lado do horizonte ao outro.

8 Atualmente uma constelação define uma região do céu, e não a figura imaginária formada pelas estrelas. Os

limites das constelações foram estabelecidos pela União Astronômica Internacional, sendo o céu dividido em 88 constelações, que cobrem toda a esfera celeste.

Nesse movimento, os desenhos que as estrelas formavam no céu podiam ser reconhecidos noite após noite, durante algum tempo.

Também notou que a Lua, além de movimentar-se em conjunto com as estrelas, mudava seu aspecto, desde uma estreita linha, até tornar-se um disco iluminado, para depois desaparecer e retornar como uma fina linha, repetindo o ciclo indefinidamente. Observou ainda que algumas estrelas não se comportavam como as demais. As que hoje chamamos de planetas, freqüentavam o céu de tempos em tempos com comportamento aparentemente irregular, intrigando aqueles observadores primitivos.

Para Bernal (1975), o surgimento da agricultura, há cerca de 15.000 anos, e seu posterior desenvolvimento impuseram a necessidade de determinar com alguma precisão a duração do ano e o período de início das estações, o que levou nossos antepassados não só a contemplar o céu, mas a observar cuidadosamente o movimento do Sol e das estrelas, registrando, de alguma forma, suas posições no céu no decorrer do tempo e a relacionar com as necessidades da agricultura. Era essencial prever a chegada da estação mais propícia para lavrar a terra e a época da semeadura, sistematizar essas práticas e assim contar com maior margem de segurança na colheita, de modo que o calendário surgiu a partir de necessidades práticas e não por mera curiosidade.

Esse conhecimento sobre a movimentação dos astros pelo céu, em especial do Sol e da Lua, está registrado em diversas construções da antiguidade, sendo comum encontrar-se em muitos sítios arqueológicos alinhamentos de blocos de rochas que indicam as posições de nascimento e ocaso do Sol, da Lua e das estrelas mais brilhantes do céu noturno em algumas datas especiais. O objetivo dessas instalações voltadas à antevisão das posições dos astros parece estar relacionado com fins agrícolas ou religiosos e, por certo, com ambos simultaneamente.

Talvez a construção mais conhecida que apresenta essas características seja Stonehenge, localizada no sul da Inglaterra. O início de sua construção se deu por volta de 2800 a.C., tendo sido concluído em torno de 1100 a.C. Não há consenso sobre a finalidade da sua construção, acreditando-se que tenha sido para fins cerimoniais, porém não há dúvidas sobre a relação entre a disposição dos elementos que formam o monumento e os movimentos dos astros no céu (RONAN, 1987).

Stonehenge é constituído por agrupamentos de grandes pedras, trabalhadas ou não, dispostos em forma de circunferências e ferraduras, além de intervenções no terreno. Há nesse monumento uma série de alinhamentos de pedras que apontam as posições do nascer e do pôr do Sol nos dias de solstícios e equinócios, mostrando claramente o conhecimento de

astronomia que seus construtores tinham e que provavelmente estava incorporado à sua cultura (KRUPP, 1989).

Um dos mais antigos sítios arqueológicos no qual existem alinhamentos de pedras em direções astronomicamente importantes situa-se na região de Nabta, a 1.000 km da cidade do Cairo, Egito. A edificação foi realizada há cerca de 7.000 anos e o alinhamento mais longo nela existente indica o ponto em que a estrela Sírius, a mais brilhante do céu noturno, tem seu nascer helíaco9. Há também alinhamentos relacionados com o nascer do Sol no dia do solstício de verão e outros que permitem prever a época de início das chuvas de verão, algo muito importante para os habitantes daquela árida região (MEGALITHIC [...] 2011).

No Brasil também há sítios arqueológicos nos quais existem evidências de alinhamentos de blocos de rochas que indicam as posições do nascer e o pôr do Sol em dias específicos. Um deles é o sítio arqueológico do Rego Grande, que se localiza em Calçoene, município a 380 quilômetros ao norte de Macapá. Ali há um arranjo de 127 blocos de rochas que formam um círculo de 30 metros de diâmetro, construído entre 800 e 1.000 anos atrás.

Um dos monólitos desse sítio está inclinado de modo a alinhar-se com a trajetória do Sol no dia do solstício de inverno. Desse modo, no momento da passagem meridiana10 do Sol nesse dia, não há projeção de sombra pelo monólito. Há ainda outros alinhamentos que estão relacionados com os dias de equinócio e um conjunto de monólitos que marcam a direção leste-oeste (PIVETTA, 2011).

Além do Sol, da Lua e de Sírius, o grupo das Plêiades foi outro dos objetos celestes que mais tiveram a atenção das sociedades primitivas, principalmente devido a uma combinação de visibilidade e localização no céu e da coincidência de seu nascer e ocaso próximos aos do Sol ocorrerem durante períodos importantes do calendário das estações. As Plêiades foram observadas e estudadas por muitos povos de todos os continentes, na maioria das vezes com o intuito de determinar o momento de iniciar certas operações incluídas no calendário agrícola, a partir das datas do surgimento e do desaparecimento deste grupo de estrelas no céu noturno (AVENI, 1991).

9 O nascer helíaco de um astro acontece quando ele nasce no mesmo instante que o Sol.

10 A passagem meridiana de um astro corresponde ao instante em que o astro, no seu movimento diurno, passa