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5 O CÉU DA RACIONALIDADE

5.9 O céu e a Terra sob as mesmas leis

Aos 23 anos, Isaac Newton (1642-1727) encontrava-se enclausurado na casa de campo da família, enquanto uma epidemia devastava a Inglaterra. Ali desenvolveu a teoria da gravitação universal, de acordo com a qual existe uma força de atração entre quaisquer duas massas. Uma das objeções apresentadas à teoria heliocêntrica era que a Terra se desagregaria em milhares de fragmentos devido a sua rotação. Newton respondeu a esta objeção, apontando que a força de gravidade mantém a Terra unida apesar de seu movimento de rotação (RONAN, 1987).

Inúmeras foram as contribuições de astrônomos anteriores que permitiram a Newton estabelecer sua teoria da gravitação universal. As leis que regulavam o movimento dos planetas haviam sido determinadas por Kepler, mas ninguém explicara ainda porque aquelas leis eram a maneira correta de predizer o movimento planetário. Além disso, a dinâmica, sob o impulso dos estudos de Galileu e graças ao próprio Newton, chegara a uma formulação

precisa e suas leis regulavam os movimentos dos objetos na Terra. A nova ideia consistia em aplicar as leis da dinâmica ao movimento dos planetas, de modo que não fosse necessário imaginar intervenções divinas para manter os planetas em suas órbitas celestes. Devia-se pensar num tipo de força que atuasse à distância: na Terra se conheciam e foram estudados os fenômenos da interação magnética e da queda dos objetos na superfície terrestre (RONAN, 1987).

Segundo Ferris (1990), associando a queda dos objetos atraídos para a Terra com a ideia de que a Lua deveria cair da mesma forma, Newton supôs que a força que mantém a Lua em órbita ao redor da Terra era da mesma natureza que a força exercida pela Terra sobre os objetos próximos à sua superfície. Imaginemos que uma pedra seja lançada paralelamente ao solo; ela descreve uma curva sob a ação da força de atração da Terra e, após certo tempo, atinge o solo. Se a velocidade de lançamento for maior, a pedra permanece mais tempo no ar e percorre uma distância maior. Então, deve existir uma velocidade de lançamento tal que a pedra caísse exatamente na mesma proporção em que a Terra se curva sob ela, de modo que a pedra nunca atingiria o solo. Como Lua descreve uma trajetória circular ao redor da Terra, Newton imaginou que ela está girando com a velocidade necessária para não atingir o chão, da mesma forma que a hipotética pedra.

Newton estendeu a suposição para o Sistema Solar e demonstrou que se o Sol, no centro, exercesse sobre o planeta uma força inversamente proporcional ao quadrado da distância entre o planeta e o próprio Sol, as órbitas dos planetas ou de outros objetos deveriam ser elipses ou figuras geométricas denominadas cônicas. A partir daí, as leis de Kepler, até então carentes de explicação, foram deduzidas de uma lei apenas, segundo a qual em cada planeta atua uma força dirigida para o centro, onde se encontra o Sol. A filosofia científica newtoniana tinha como base uma idéia bem simples sobre a natureza: a de que com poucos elementos se constroem múltiplas formas e que as explicações necessárias se embasam em leis simples – reedição do projeto pitagórico? Newton tendia ainda a atribuir aos corpos inalcançáveis as mesmas propriedades dos corpos conhecidos. Para ele, a gravitação explicava não só o movimento dos planetas como também o dos satélites de Júpiter, descobertos há pouco tempo por Galileu.

Pela primeira vez, pensa-se em um universo sem a distinção entre o céu e a Terra, própria da tradição medieval de herança platônica, e o fator de união era a atribuição de uma massa a todos os corpos: à maçã que cai, à Terra que atrai os corpos para seu centro, ao Sol que com sua atração gravitacional mantém os planetas em suas órbitas. A gravitação criou assim um mundo de forças gerado exclusivamente pela presença de massas. A distribuição

dessas massas no mundo circundante e no universo moldava a forma do quanto podemos observar e até mesmo do que, com os meios ao nosso alcance, não podemos ver (FERRIS, 1990). Mesmo hoje, todo o notável descortinar do mundo natural, com suas relações e evoluções, pode ser considerado maravilhoso, ou seja, milagroso. Para muitos, obra de um arquiteto transcendente.

Ronan (1987) e Ferris (1990) comentam que a origem imprecisa da atração gravitacional e a dúvida de como ela poderia atuar através do espaço mantendo a união entre o Sol e os planetas provocaram críticas que acusavam Newton de criar forças ocultas. O próprio Newton concordava em parte com elas, pois admitiu não conhecer a respostas para tais problemas e só o que podia afirmar era que a ação da gravidade diminuía com a razão inversa do quadrado da distância entre os corpos e que isso, por si só, explicava os movimentos celestes em perfeita concordância com os fatos observados e que não estava preparado para seguir adiante.

Embora Newton se preocupasse em estabelecer razões de ordem físicas para embasar sua teoria, ele não excluía a presença de Deus, o que seria incompatível com sua época e suas crenças. Ele considerava que a teoria da gravitação universal não diminuía o papel da divindade no universo. Acreditava que a existência do universo era o verdadeiro milagre e que a sua origem é que se devia creditar a Deus, descartando a necessidade da intervenção permanente d’Ele para manter a estrutura do mundo. Admitia que, uma vez iniciados os movimentos dos corpos celestes, estes se manteriam indefinidamente, mas afirmava que a estrutura coerente e organizada do mundo era uma obra inteligente originada de uma escolha coerente. Newton tinha fé no Deus bíblico, eterno e infinito, senhor do mundo que criara e que os efeitos desse domínio nos revelavam a essência de Deus e que, sem eles, nos seria impossível compreendê-lo (KOYRÉ, 1979).

Apesar das preocupações teológicas de Newton, teve maior envergadura e profundidade o fato de que com a teoria da gravitação universal se demonstrou que a queda de um objeto próximo à superfície da Terra pode ser explicada com a mesma lei que governa o movimento da Terra ao redor do Sol. Newton, ao propor que a natureza se comporta do mesmo modo em nosso planeta e no mundo supralunar, apresentou uma nova visão do universo, unificando as leis físicas que regiam as coisas terrestres e celestes, e contribuiu para fundamentar as bases para uma compreensão mais completa da estrutura do universo, pois as leis científicas descobertas em nosso meio imediato têm validade universal.