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1.2 Rolão Preto: o Valois português

1.2.4 A Descoberta do Fascismo Italiano:

Rolão Preto, como de resto a generalidade da direita radical portuguesa (com a provável prudência do Centro Católico), acolheu entusiasti- camente a marcha sobre Roma, mas já antes da conquista do poder observava a nova síntese que o fascismo representava, ao unir os princípios ideológicos dos seus camaradas do nacionalismo italiano com o primado da acção política “revolucionária”.

Os companheiros de jornada que Rolão Preto reconhecia como seus em Itália eram, desde 1914, os nacionalistas de Corradini, os “integralistas” italianos. Só a partir de 1921 é que Preto começou a referir-se às aventuras dos “fasci di combattimento”, fundados dois anos antes. Até aí as suas referências situavam-se nos nacionalistas

e nas campanhas de D’Annunzio.62

Rolão Preto começou a apoiar o fascismo quando este ultrapassou a sua confusão ideológica inicial, tornando-se uma força política e eleitoral, em 1921.63 A grande admiração que desde logo expressou ia

para o método de acção política, para o primado da acção. Quanto à ideologia, em sua opinião, o fascismo apenas teria reafirmado os prin- cípios que já eram os dele e dos nacionalistas. “O nosso sindicalismo orgânico – escrevia em julho de 1922 – é, na sua essência, a base do actual pensamento sindical dos amigos de Mussolini.”64

62 Cf. os artigos de Rolão Preto, “Alma Nova” e “Fiume – Cosa fatta capo ha”, A Monarquia,

26/9/1919 e 12/11/1919. Sobre esta fase da vida política de D’Annunzio, vide Michael A. Ledeen,

The First Duce, D’Annunzio at Fiume (Baltimore and London: 1977).

63 Sobre esta primeira fase, cf. Emilio Gentile, Storia del partito fascista, 1919-1922. Movimento

e milizia (Bari: 1989).

Preto seguiu atentamente os relatos da violência política das dele- gações do partido fascista e apoiou o “seu método de combate temero- so” e a sua “propaganda activa”. Não deixava, no entanto, de referir a sintonia entre os fascistas e os nacionalistas, ou mais concretamente a adopção dos princípios dos últimos pelos primeiros.

Acompanhando o avanço do fascismo no verão de 1922, Preto assumiu-se imediatamente como seu defensor em polémica com um jornalista e padre nas páginas do jornal A Época.65 Este debate foi,

cremos, o primeiro debate sobre a natureza do fascismo italiano em órgãos da opinião pública autoritária portuguesa.

Ao longo de uma série de artigos publicados no verão de 1922, Preto defendia a legitimidade subversiva do fascismo, a sua actuação “fora da lei”. “É contra a ordem constitucional, contra a Lei estabelecida, contra os princípios que orientam o próprio Estado que o fascismo batalha e impõe a sua razão.”66 Respondendo às primeiras críticas que lhe foram

feitas por defender estes “bolchevistas de extrema direita”, sublinhava que

o método de combate do fascismo, por mais exagerado e violento, por mais ilegal e temeroso que ele tenha sido, é o único método que, nesta hora de tremenda batalha entre a Nação e a Anti- Nação [sic], entre o Bolchevismo e o Nacionalismo, pode trazer a vitória às elites activas que formam quadrado em torno da bandeira da Pátria.67

Referindo-se ao “excesso” dos fascistas, o padre “Santa Cruz” expri- mia as dúvidas dos católicos conservadores ante a natureza inicial do fascismo e, confessando-se também ele “sindicalista neomediévico de formação corporativista”, reafirmava os seus receios de que este “grupo de ataque” contra o bolchevismo possuísse um nocivo “nacionalismo

65 Sobre o movimento católico nos anos 20, cf. Manuel Braga da Cruz, As Origens da Demo-

cracia Cristã e o Salazarismo (Lisboa: 1980).

66 Cf. Época, 24/8/1922. 67 Idem, 16/9/1922.

exagerado, moderno e pagão”.68 Reafirmava também o “grande erro

do fascismo”, ao querer “converter processos de ocasião em meios constantes de acção e propaganda, mantendo assim a Nação sob uma pressão de violência que a prejudica enormemente”.69

Rolão Preto condenou algumas “absurdas tropelias” da acção fascista, nomeadamente contra os católicos, mas observava que elas representa- vam a via para a imposição do programa nacionalista e citava Rocco para sublinhar que estes tinham um conteúdo “altamente moral”: “ricondure

nelle masse assecate dalla demagogia socialista il sentimento nazionale”.70

Em um ponto, no entanto, quer Rolão Preto quer “Santa Cruz” esta- vam de acordo, por razões diferentes: a impossibilidade de “organizar, no nosso país, neste momento, um movimento com as características

do partido de Mussolini”.71 Apesar de proclamar que “um dia virá

em que nós, o nacionalismo português, marcharemos também sobre Roma”, Rolão Preto manteve-se reservado sobre as possibilidades de êxito desse tipo de acção política em Portugal.72

Refira-se ainda o relativo desconhecimento de Rolão Preto sobre o tipo de organização do fascismo italiano, para além dos aspectos mais salientes da sua acção política violenta. A própria estruturação de um modelo organizativo fascista, adoptada por todos os partidos dos anos 30, só se codificou como modelo no final da década, quando o Partido Nacional Fascista se reorganizou após a tomada do poder, e o Partido Nacional Socialista Alemão retomou algumas das suas características.73

68 Idem, 31/8/1922. 69 Idem, 25/10/1922. 70 Idem, 16/9/1922. 71 Idem, 13/11/1922.

72 Cf. Rolão Preto, “Crónica Social”, Nação Portuguesa, 2ª série, nº 6, dezembro de 1922. 73 Sobre a organização política do fascismo até à tomada do poder, cf. Paolo Pombeni, De-

magogia e Tirannide. Uno studio sulla forma-partito del fascismo (Bologna: 1984), pp. 19-122

Muito embora fazendo do fascismo italiano o exemplo mais citado de derrube da ordem liberal, a partir de 1922, Preto não cedeu ao mime- tismo de importação. A seu ver, o integralismo dispunha da ideologia e de uma base organizativa para um fascismo português, e algumas especificidades da conjuntura política portuguesa não favoreciam a sua implantação. No entanto, como lhe lembrava em lamento Alberto Monsaraz, que em 1922, de novo no exílio em Paris, descobria o fascismo italiano e Mussolini: “parece-me que em Portugal os meios reaccionários ainda não compreenderam” o génio do fundador do fascismo italiano.74

Quanto à acção política, Rolão Preto chegou um pouco mais tar- de à conclusão que, em plena polémica, lhe seria lembrada pelo seu desconhecido opositor do Centro Católico: “A acção do Fascismo na ocasião dos tumultos e excessos bolchevistas foi uma acção militar. Fizeram os fascistas o que faria um Exército regular que soubesse cumprir o seu dever”.75

1.2.5 Uma Chefia Adiada: Preto e os Primeiros Movimentos