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2 A EMERGÊNCIA DO NACIONAL SINDICALISMO

2.1.1 O Grupo Revolução

A maioria dos fundadores do Revolução eram estudantes da Universidade de Lisboa, das Faculdades de Letras e de Direito.7 A adesão ao fascismo

foi o seu ponto de convergência. Nos seus artigos na imprensa da Liga 28 de Maio e em várias publicações que animaram antes do Revolução, era visível a preocupação em dar à “Revolução Nacional” uma dinâmica de massas, uma chefia carismática, um revolucionarismo totalitário. O exemplo alemão, se em termos ideológicos lhes era estranho, marcou-os bastante no campo da acção política.

António Pedro foi talvez o elemento mais activo do grupo, até a formação do Nacional-Sindicalismo. Em 1928, com 19 anos, aderiu ao tradicionalismo monárquico e fundou um efémero semanário de es- tudantes legitimistas.8 Mas, em 1931, quando lançou o Acção Nacional

com Dutra Faria, os seus editoriais continham já todos os ingredientes do típico discurso fascista. Foi ele o elemento decisivo na fundação do “diário académico nacionalista da tarde” e o autor dos primeiros projectos de organização do movimento N/S.

Pereira de Matos, outro dos fundadores, que tinha regressado re- centemente de França, onde tinha dado a sua “fé nacionalista” e o seu

5 Cf. Política, 20/1/1931, p. 12.

6 Para além dos já citados, eram membros das juntas escolares de Lisboa, Porto e Coimbra

muitos outros fundadores do N/S, como Abílio Pinto de Lemos, José Domingos, Garcia Domingues, António de Sousa Rego. No Porto destacavam-se os irmãos Cláudio e António de Oliveira Guimarães, que tinham lançado poucos meses antes o efémero semanário Re-

novação (nº 1, 5/10/1930).

7 Cf. o interessante relato memorialístico sobre alguns fundadores do N/S, dado por um dos

seus dirigentes locais, Jacinto Ferreira, op. cit., p. 23-29.

“entusiasmo” à Action Française, era um crítico da apatia integralista e da sua “incapacidade de acção”. Na sua resposta, Dutra Faria apelava à organização dessa acção, mas manifestava ainda, como aliás todos os outros, uma clara filiação monárquica.9 Era este carácter monárquico

que La Conquista del Estado, órgão do fascismo espanhol, ao saudar o aparecimento do grupo português, considerava um factor de “ana- cronismo”.10 Apesar destas marcas tradicionalistas que desagradavam

a Ramiro Ledesma Ramos e de algumas polémicas sobre a questão galega, o Acção Nacional encontrava-se muito próximo dos fundadores

das JONS11: “Somos” – proclamava Dutra Faria – “anticonservadores,

anticapitalistas, antiburgueses, em resumo, nacionalistas, o que de

modo algum quer dizer retrógrados”.12

Os restantes companheiros de António Pedro provinham quase todos das Juntas Escolares do IL e muitos deles encontravam-se em ruptura com aquilo que consideravam o imobilismo da velha geração

integralista.13 Garcia Domingues, fundador do Nacional-Sindica-

lismo no Algarve, escrevia a António Pedro em 1931 sublinhando a “necessidade de uma total revisão de valores” e, ao mesmo tempo em que anunciava a sua intenção de abandonar o IL, criticava a permanência monárquica da velha geração, apontando como única solução a defesa de uma ditadura nacionalista. Por outro lado, este definia-se já como parte integrante da “geração fascista”. “O sonho

9 Cf. Acção Nacional, nº 4, 25/4/1931, p. 2. 10 Idem, nº 5, 6/5/1931, p. 2.

11 António Pedro desenvolveu algumas polémicas com Ledesma Ramos na própria La Con-

quista Del Estado, e este desconfiará sempre dos fascistas lusos, como à frente veremos. Cf.

o artigo de polémica com Pedro da autoria de Ledesma Ramos, “Conquistamos a Portugal o Portugal nos conquista?”, La Conquista del Estado, nº 19, Madrid, 25/7/1931.

12 Cf. Acção Nacional, nº 1, 14/4/1931, p. 1. Sobre o grupo fundador das J.O.N.S. Cf. Stanley

G. Payne, Fascism in Spain (Madison, WI: 2000).

13 Este grupo constituía a chamada “tertúlia do Martinho”, que incluía, para além dos citados,

Campos e Sousa, Dutra Faria, Sousa Rego e outros, considerados “a fina flor dos quadros académicos do Integralismo Lusitano”. Cf. Jacinto Ferreira, op. cit., p. 23.

russo-comunista é universalizante e o nosso sê-lo-á também”, fina-

lizava Garcia Domingues.14

Interrompida a breve experiência do Acção Nacional, o grupo con- tinuou a animar a imprensa regional da Liga 28 de Maio até fundar o

Revolução. O seu primeiro número foi publicado em fevereiro de 1932,

Dutra Faria não escondia internamente que o objectivo do jornal era o de provocar à volta dos “rapazes” uma reorganização do que resta- va do Integralismo e de parte da Liga 28 de Maio em bases fascistas. Rolão Preto tinha prometido vir instalar-se em Lisboa para dirigir a iniciativa, e Dutra lamentava-se da sua falta de comparência: “com a sua presença em Lisboa” – escrevia – “tenho a impressão de que em três meses tínhamos a nossa organização integralista em pé de guerra, pronta para tudo”.15

António Pedro, chefe de redacção, apresentava em editorial os princí- pios do novo diário: “Politicamente, [queremos] a integração de Portugal no seu destino de Império, liberto da algazarra sacrílega e grotesca da democracia parlamentar, numa ordem nova hierárquica e autoritária”; “Economicamente, a supressão da liberdade de concorrência […] e a sua substituição por uma economia dirigida centralmente pelo Estado no sentido do interesse nacional”; “Socialmente, a defesa da família e a or- ganização corporativa das profissões numa sindicalização obrigatória”.16

Pedro foi o mais importante ideólogo do grupo do Revolução. Até à chegada de Rolão Preto à direcção, foi ele o principal animador do jornal, da sua montagem organizativa e da editora a ele associada. Os seus editoriais reflectiam um radicalismo anticomunista e antidemo- crático extremo, só desculpável pela elite da Ditadura como obra de juventude dos “estudantes”.

14 Cf. carta de José Domingos Garcia Domingues a António Pedro, 28/9/1931, Esp. António

Pedro, BNL.

15 Cf. carta de Dutra Faria a Rolão Preto de 10/2/1932, ARP. 16 Cf. António Pedro, “Editorial”, Revolução nº 1, 15/2/1932, p. 1.

Durante os primeiros meses de 1932, o Revolução foi unificando o sector juvenil do IL, e o seu radicalismo inspirava alguma desconfiança à notabilidade integralista. O jornal reivindicava-se dos “mestres”, mas intitulava-se porta-voz de uma nova geração virada para a acção.17 A

desconfiança cristalizava-se sobretudo na sua apologia da violência, no seu anticapitalismo e na sua identificação com o fascismo internacional. “A violência é o princípio essencial e inteligente de toda a boa política,

porque, sem ela, na adversidade, toda a conquista é impossível”.18

Apesar da defesa da propriedade, estes condenavam o “capital anónimo e livre das especulações financeiras. Queremo-lo regulado, condicionado e fiscalizado pelo Estado. Para que não seja esse capital, em uma afronta à dignidade da Nação, quem a regule, sujeite e condi- cione”. “Já uma vez” – escrevia António Pedro – “num dos primeiros números deste jornal eu tentei explicar que ao nosso antiliberalismo político correspondia, por coerência, ao nosso antiliberalismo econó- mico, embora o egoísmo burguês que nos aplaudia o primeiro se irasse

[…] quando lhe impúnhamos o segundo”.19

Rolão Preto e Alberto Monsarraz foram os únicos elementos da velha Junta Central que responderam ao apelo do Revolução. Hipólito Raposo, Almeida Braga e Pequito Rebello mantiveram uma distância prudente, ainda que não se tivessem oposto à aceitação da direcção do jornal por parte de Preto. Hipólito Raposo tinha dúvidas sobre a viabilidade da iniciativa e achava que se devia “discutir a orientação” do mesmo.20 Desde a experiência de Política, alguns anos antes, que o

conflito entre a “geração fascista” e alguns elementos da Junta Central se tinha acentuado. Vários dirigentes referiam-se em tom crítico “à

17 Cf. Dutra Faria, “Os nossos mestres”, Revolução, 9/3/1932, p. 3.

18 Cf. Cláudio e António de Oliveira Guimarães, “Violência”, Revolução, 18/2/1932, p. 2. 19 Cf. António Pedro, “Anticapitalistas”, Revolução, 27/4/1932, ARP.

petulância dos estudantes, que aos 20 anos, e sem a terem estudado, já querem limar e actualizar a doutrina”.21 A chegada de Rolão Preto à

chefia do jornal permitiu, no entanto, a ultrapassagem de muitas das reticências ao universo juvenil e à adesão de muitos núcleos integralistas. Os fundadores do Revolução tiveram a consciência de que lhes seria quase impossível criar um movimento fascista a partir do IL sem Rolão Preto, que encaravam como seu chefe natural. António Tinoco, falando, em 1931, em nome do sector juvenil, escrevia a Preto a propósito da vida interna do IL:

Nós hoje, em Lisboa, Coimbra e Porto, etc., só temos confiança

em si para que a nossa actuação seja uma coisa séria […] O Sr. Dr.

se quiser – e isso é um dever para si – pode ser tudo entre nós, em que falta o chefe. A mocidade nacionalista só marcha consigo

e consigo irá para tudo.22

Perante algumas hesitações de Preto em assumir a direcção, António Pedro reafirmava que após o “inconcebível esforço de quase três meses de inércia e de más vontades só a consideramos bem entregue nas suas mãos. […] Rolão Preto é por direito de qualidade o natural director e orientador da nossa mocidade”.23

Em meados de 1932, Rolão Preto assumiu finalmente a direcção do

Revolução, e alguns meses depois foram lançadas as bases programáticas

e organizativas do Nacional-Sindicalismo.