• Nenhum resultado encontrado

2 A EMERGÊNCIA DO NACIONAL SINDICALISMO

2.4 O N/S e o Fascismo Internacional

2.4.3 Uma Variante do Fascismo Europeu

O Nacional-Sindicalismo, em termos de ideologia, comungou de alguns traços identificadores do que vários estudiosos têm definido como o fascismo latino. A expressão pode não ser feliz e representou apenas um esforço de encontrar alguns traços culturais específicos que marcaram os movimentos fascistas da Península Ibérica, alguns franceses, belgas e da própria América Latina, no período entre as duas guerras. Mais do que entrar aqui na discussão das tipologias do fascismo, importa salientar alguns traços identificadores do N/S, no contexto dos movimentos fascistas seus contemporâneos.

Parece ponto assente para aqueles que sustentam ser operacional o conceito de um “fascismo genérico” que as duas variantes do fenó- meno se estruturaram em torno de duas grandes “ofertas”: o modelo Nacional-Socialista, cuja influência marcou a grande maioria dos movimentos do Norte e Centro da Europa, e o modelo italiano que, em conjunto com a presença cultural da Action Française, marcou de forma determinante as peculiaridades dos movimentos fascistas na Europa ocidental e do sul.

192 Idem, p. 219. Cf. também, Leandro Pereira Gonçalves e Renata Duarte Simões (Orgs.),

Esta primeira divisão não significa que movimentos como o N/S português, tal como a Falange espanhola, Le Faisceau francês, ou mesmo o rexismo belga, não tenham sido marcados pelo ascenso do nazismo e pela sua panóplia de recursos organizativos e ideológicos, particularmente na vertente “social”. No entanto, outras influências culturais, eventual- mente mais duradouras, marcaram a maioria dos movimentos fascistas da Europa ocidental, onde a existência de uma direita autoritária sólida condicionou a sua actividade política e a sua ideologia.

O primeiro condicionamento ideológico e político reflectiu-se desde logo em uma maior proximidade das ideologias e movimentos reaccionários. Neste campo quer o Partido Nacional Socialista quer o próprio Partido Fascista Italiano tiveram nos dois campos uma origem

bem mais equívoca e mesclada.193

Não é pacífica associação dos movimentos fascistas com as ideo- logias e movimentos de reacção à modernização na primeira metade do século XX. Quase todos eles se reivindicaram de uma “mística revolucionária”, se demarcaram do reaccionarismo tradicionalista e ensaiaram estratégias “sociais” antiburguesas e anticapitalistas, mas a sua origem cultural e prática política não ultrapassou, como alguns desejavam, o espectro esquerda-direita, recolhendo no magma cultural da última, o fundamental das suas hesitações programáticas. Os movimentos políticos e sociais reaccionários na época contem- porânea têm sido identificados pelas ciências sociais como movimentos predominantemente antimodernistas. Seymour Lipset foi mesmo ao ponto de considerar que os movimentos fascistas, mesmo que alguns, uma vez chegados ao poder, tenham uma práxis económica “moder- nizadora”, como movimentos de reacção à modernização em uma conjuntura de crise pós-Primeira Guerra Mundial. Reconhecendo

193 Sobre as origens do Partido nacional socialista, cf. a síntese antiga de Dietrich Orlow,

The History of the Nazi Party: 1919-1933 (Pittsburgh: 1969), p. 11-45, e Michael H. Kater, The Nazi Party. A Social profile of Member and Leaders, 1919-1945 (Cambridge, Ma.: 1983), p. 19-31.

que esta tese “é contrariada pelo facto de, uma vez no poder, ambos terem pretendido industrializar ainda mais as sociedades e aumentar o potencial militar”, para Lipset, “o comportamento real dos partidos, enquanto governo, não lança necessariamente luz sobre a natureza do seu apelo, não ajuda a explicar como desenvolveram um apoio de massas”.194 Em apoio desta tese, defendida por inúmeros estudiosos do

fascismo, salienta que, apesar das diversas tradições nacionais e níveis de desenvolvimento, características únicas das crises que geraram movimentos fascistas terem

dado aos movimentos autoritários de direita um conjunto de seguidores heterogéneos. No centro de todos eles está, contudo, uma tentativa de restauração dos valores ameaçados e de reconstrução da nação pelo restabelecimento das instituições e das estruturas identificadas com o glorioso passado pré-moderno.195

Mais do que discutir aqui a explícita referência às teorias da mo- dernização, importa sublinhar que os movimentos fascistas tipo N/S foram muito marcados por este magma cultural do reaccionarismo latino, cujo paradigma foi a Action Française. Repare-se que, quer em Portugal, quer em Espanha, quer na própria França, os movimentos ideológicos e políticos de direita foram marcados pelo restauracio- nismo monárquico, pelo corporativismo integral e pelo catolicismo tradicionalista. Em todos estes países foram movimentos inspirados nestes princípios que constituiriam a base dos fascismos nacionais e, em certos casos, se fascizaram em maior ou menor grau.

Em França e em Espanha, movimentos como a Action Française, a AE, Renovación Española, a Acción Popular, os próprios carlistas, tinham um aparato organizativo bem mais amplo que o pequeno IL ou o Centro Católico, o que não pode deixar de ser associado a uma massificação da

194 Cf. Seymor M. Lipset, Consenso e Conflito. Ensaios de Sociologia Política (Lisboa: 1992), p. 362. 195 Cf. idem, p. 364.

política que Portugal conheceu em escala bem mais modesta.196 Mas a

marca cultural destes grupos foi determinante na cultura política do Nacional-Sindicalismo português. Sob esta perspectiva, como foi atrás assinalado, o movimento cujo percurso mais se aproximou do N/S foi o primeiro partido fascista francês, o Faisceaux de Georges Valois. No caso português, como em França, a emergência do fascismo como movimento político representou mais claramente do que em outros países uma dissidência de movimentos de direita radical, provocada, sobretudo, pela desilusão das suas elites mais jovens perante a incapacidade de adap- tação à nova situação do pós-guerra por parte dos seus dirigentes, presos a um reaccionarismo elitista, incapaz de afrontar a nova política de massas e, particularmente, os trabalhadores do universo urbano e industrial.

Se o afrontamento entre fascistas e IL esteve longe das tensões que caracterizaram as tensas relações entre a AF e os movimentos fascistas franceses seus derivados, foi apenas, como se viu atrás, porque o IL nunca se transformou em partido político e estava já em desagregação no final dos anos 20.

O fascismo enquanto movimento nasceu assim, nas margens da direita radical, representando uma revolta geracional no quadro de uma incapacidade dos movimentos que lhes estão na origem de afrontarem os problemas políticos fundamentais nos polos urbanos e industriais da Europa ocidental, particularmente a ameaça galvani- zante do comunismo. As críticas de Valois à AF anteciparam muitos dos escritos dos jovens fascistas ibéricos do início dos anos 30, de

Ledesma Ramos e José António Primo de Rivera, a Rolão Preto.197

O seu nacionalismo e o seu corporativismo integral foram in- tegrados em um contexto “moderno”, laicizados, dir-se-ia mesmo

196 Sobre o Carlismo, vide Martin Blinkhorn, Carlism and Crisis in Spain, 1931-199 (Cambri-

dge: 1975).

197 Cf., para além das obras já citadas, Zeev Sternhell, Ni Droite ni Gauche. L’ídéologie fas-

ciste en France (Paris: 1983), pp. 106-135; Olivier Dard (dir.), Georges Valois, Iteneraires et Receptions (Berne: 2011).

“proletarizados”, divinizadores de um “Estado Totalitário” que se queria agente integrador de uma comunidade nacional polarizada e dividida pelo liberalismo e pelo comunismo. Uma estratégia populista, uma prioridade “operária”, uma organização e uma sim- bologia paramilitar e de agitação de massas demarcaram-nos dos seus inspiradores, e determinaram o nascimento dos novos centros fascistas. Em países como a França, Espanha e Portugal, mesmo tomando em consideração níveis de desenvolvimento económico e social bastante diferenciados, o fascismo foi, desde o seu início, um movimento urbano e jovem, virado para uma resposta “revolu- cionária” à ameaça comunista.

Perante a presença de uma direita radical forte e com referências ideológicas codificadas em programa político, movimentos como o N/S português e espanhol radicalizaram a sua dimensão “social” e “popular”, demarcando-se sobretudo pela acção política e não nos fundamentos ideológicos do paradigma reaccionário do tipo AE. Onde isso não aconteceu, como na Bélgica, os elementos tradicionalistas e o catolicismo integrista, mesclados com uma monarquia popular e descentralizada, imperaram. O Rexismo de Leon Degrelle foi um dos exemplos, também marcado pela mesma origem, só igualada pelo seu catolicismo. Tal como Preto, Degrelle participou no mesmo húmus cultural, duplamente marcado pela nova direita radical francesa e pelo fascismo italiano, e só após a ocupação é que se deu um proces- so de “nazificação”, à semelhança do que ocorreu com os restantes

movimentos que ficaram no interior da “Europa alemã”.198

198 Sobre a evolução do rexismo durante a Guerra, cf. Martin Conway, Collaboration in Belgium.

Figura 3 – Uma das raras caricaturas referindo o Nacional-Sindicalismo português, publicada no Reino Unido, pelo The Bulletin de Glasgow, em 1933. Seria reproduzida noutros jornais, acompanhando entrevistas com Rolão Preto.

Fonte: The Bulletin, Glasgow, 20-3-1933, p. 3.

O fascismo de Mussolini, mais que o Nacional-Socialismo alemão, apesar da sua origem diversa, constituiu a referência internacional mais importante para o Nacional-Sindicalismo. A maior parte das culturas políticas que geraram os movimentos fascistas em países como a Espanha ou Portugal não geraram teorias originais de governo na época contemporânea, e as instituições do regime de Mussolini, no início dos anos 30, ofereciam um modelo de regime ao universo

cultural latino: um regime capaz de eliminar a luta de classes; com apoio de massas e mobilizador; introdutor de um corporativismo “sindicalista” susceptível de “nacionalizar” a classe operária; sinteti- zando valores tradicionalistas de uma latinidade imperial com uma mística da modernidade.

3 A ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO