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1.2 Rolão Preto: o Valois português

1.2.1 A Formação Integralista

Rolão Preto foi o mais jovem dos fundadores do Integralismo Lusitano. Estudante monárquico emigrado, ele foi o primeiro secretário da Alma

quicos exilados, alguns dos quais tinham participado das incursões antirrepublicanas de 1911 e 1912.32 Com 17 anos apenas (nascera em

1896, na Beira Baixa), Preto foi o secretário de redacção deste primei- ro órgão do integralismo, uma das muitas publicações fundadas por estudantes emigrados na França e na Bélgica, sob influência directa da Action Française.33

O próprio Preto visitaria regularmente a sede parisiense do principal movimento da direita radical francesa. “Eu estava em Lovaina” – disse mais tarde – “e ia muitas vezes a Paris antes da Primeira Guerra. Visi- tava a Action Française, na rue de Rome, onde conheci Charles Maurras, Bainville, Pujo, Léon Daudet… Passava noites com eles”.34 Maurras, no

entanto, sendo, como para muitos outros integralistas portugueses, o ponto de partida da sua formação política e intelectual, seria ultrapas- sado nos anos 20 por outras influências mais duradouras.

Dois nomes de gerações e universos políticos diversos, cujos percursos se cruzaram nos anos 10, reconheceu sempre terem sido seus inspiradores: Sorel e Valois. Sobretudo o primeiro foi para ele o grande mestre. Como reafirmou muitos anos mais tarde, “foi ele que fez talvez tudo”35.

Não negando a profunda influência de Maurras na formação inicial do IL, esta tinha-se dissipado no pós-guerra e, nos anos 20, era o Valois dissidente pró-fascista que continuava como referência. “Os Integralistas, sim” – disse na sua última entrevista – “eram discípulos de Maurras. Os Nacionais Sindicalistas não: estávamos desligados da Action Française. […] Valois, sim, esse interessava-nos, mas Valois desligara-se de Maurras, era

32 Apenas se publicaram dois números em maio e setembro de 1913.

33 Sobre a influência da AF nos países latinos, vide Eugen Weber, op. cit. (Paris: 1964), par-

ticularmente o capítulo “Les amis étrangers”, p. 525-547.

34 Cf. Entrevista a João Medina, 27 de junho de 1975, in Salazar e os fascistas. Salazarismo e

Nacional-Sindicalismo. A história de um conflito (1932-1935) (Lisboa: 1977), p. 185-186.

35 Id., ibidem. A bibliografia sobre Sorel é vastíssima. Para uma introdução vide: J. R. Jennings,

um dissidente da Action Française”.36 O itinerário intelectual e político

de Rolão Preto do Integralismo ao fascismo não fez deste um dissidente do IL, por razões que à frente veremos, no entanto o seu percurso foi de algum modo comparável ao do fundador do Le Faisceau.

Por razões de estudo (acabaria por adquirir um bacharelato em Di- reito na Universidade de Toulouse nos anos da guerra), Rolão Preto não regressou com os seus colegas a Portugal, quando, em 1914, uma amnistia eliminou o mandado de captura por participação nas revoltas monárqui- cas de 1911 e 1912. Apesar de membro fundador do IL, não fez por isso parte da primeira Junta Central, criada em 1916, por se encontrar ainda em Toulouse, apenas integrando o órgão máximo três anos mais tarde.

Regressado a Portugal nas vésperas do golpe de Estado de Sidó- nio Pais e quando o IL debatia a sua passagem de grupo de pressão ideológico a movimento político, Preto rapidamente se afirmou como responsável pela área “social” do movimento. Ao contrário dos outros fundadores do IL, a começar pelo próprio António Sardinha, Preto demarcou-se destes desde logo pelo primado da acção política sobre a mera intervenção ideológica e cultural, que até aí tinha caracterizado a breve vida do movimento.

Interessados em legitimar historicamente o seu “nacionalismo in- tegral”, a maioria dos fundadores do IL, como vimos atrás, dedicaram à fundamentação nacional da sua monarquia tradicionalista, descentrali- zadora, corporativa e antiliberal, uma boa parte do seu labor intelectual. António Sardinha foi talvez o mais criativo neste processo de redescoberta

dos clássicos do pensamento contrarrevolucionário português do século XIX e de “reinvenção” histórica do passado nacional. A “questão social” e a ameaça do “socialismo” constituíram para ele, como para a maioria da primeira geração integralista, um derivado desse regime decadente e fonte de todos os males que constituía para o IL o “liberalismo”.

Muito embora compartilhando com os fundadores do IL esta formação intelectual, o exílio mais prolongado e a aventura da guerra levaram o seu elemento mais jovem a um contacto mais próximo com o pré-fascismo intelectual francês e, caso raro, se não único nos funda- dores do IL, com o italiano. A influência do neonacionalismo italiano, de Corradini, da Idea Nazionale, e das gestas de D’Annunzio, marcaram também decisivamente este dirigente integralista.37

Guerra, “Nação”, Socialismo e “Sindicalismo Orgânico” serão os te- mas de base do publicismo de Preto na imprensa integralista, após o seu regresso a Portugal. Artigos e livros essencialmente de crónica política e de agitação, cheios de frases feitas e fórmulas simples, com poucas preocupações, erudição e investigação, mais patentes nos escritores e “historiadores” integralistas. Com a fundação do diário integralista

A Monarquia, em 1917 (pelo qual chegou a ser responsável em 1920),

Preto assinou regularmente crónicas sobre a situação internacional e “a questão social”, tornando-se no início dos anos 20 o responsável pela “acção sindical” do integralismo.

Apesar de comungar da dogmática integralista sobre a “questão do regime”, colocando a restauração da monarquia como elemento central do derrube do liberalismo, Preto utilizava, nos artigos regulares no diário integralista, um vocabulário político e um modelo de argumentação menos historicista, ultramontano, ruralista e tipicamente contrarrevo- lucionário, comum nos fundadores do IL. A própria temática “social” e “operária” que progressivamente dominou a sua actividade política no seio do movimento levou-o, nos seus artigos de 1918 a 1919, ao estudo do socialismo e do marxismo, da III Internacional e da Revolução Russa, ou seja do fenómeno revolucionário e de mobilização de massas.

37 Como veremos adiante, um dos primeiros fascistas portugueses, Homem Cristo Filho,

tinha publicado uma revista com o mesmo nome em Portugal em 1915, com colaboração de integralistas. Cf. Cecília Barreira, Nacionalismo e Modernismo. De Homem Cristo Filho a

Almada Negreiros (Lisboa: 1981) e Miguel Castelo-Branco, Homem Cristo Filho. Do anarquismo ao fascismo (Lisboa: 2001).

Enquanto António Sardinha e boa parte dos fundadores reinven- tavam uma “monarquia corporativa medieval”, afirmavam a superio- ridade do princípio da aristocracia de sangue sobre o da burguesia e se preocupavam em travar a caótica industrialização, mãe da urbanização dissolvente, em nome de uma vocação rural portuguesa, Preto introdu- ziu a convergência de Sorel e Valois na resposta nacionalista à crise do liberalismo e à ameaça “revolucionária”, que poderia também atingir Portugal. Esta sua viragem “sindicalista” não faria dele, no entanto, um crente no progresso tecnológico e na modernização como alguns outros fascistas, mantendo-se sempre no campo de uma estratégia preventiva de reacção a ela.

Essa marca tradicionalista nunca desapareceu do seu discurso e acção políticas, mesmo sob a linguagem “revolucionária” do fascismo que assumiu nos anos 30. No seio do movimento integralista, no en- tanto, ele introduziu alguns elementos que, se fossem assumidos pela globalidade do movimento, o que nunca aconteceu, o conduziriam directamente ao fascismo, nos anos 20.