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Fascistas e Conservadores sob a Ditadura Militar

1.3 Fascismo e Direita Radical nos Anos

1.3.4 Fascistas e Conservadores sob a Ditadura Militar

“Ditadura sem um ditador”, como um observador da época salientou, o regime implantado em 28 de Maio de 1926 não transportava consi- go um projecto alternativo ao liberalismo republicano. Resultado de um compromisso transitório mediatizado pelos militares, o regime ditatorial foi atravessado por diversos (e contraditórios) projectos até à consolidação do autoritarismo no início dos anos 30, já sob a direcção de Salazar.141

Não é fácil “ler” a sequência vertiginosa de acontecimentos polí- ticos nos primeiros anos da Ditadura Militar auxiliados por algumas das tipologias habitualmente utilizadas pelos estudiosos da direita no período entre as duas guerras.142 Algumas das razões remetem, como

atrás foi assinalado, para a natureza do sistema político republicano e para a consequente incipiência da própria representação partidária da direita sob o regime derrubado.

Outras clivagens suplementares determinam ainda a configuração partidária e a acção política da direita radical sob a Ditadura Militar, a mais importante das quais era o diferendo monarquia-república. Por

141 Cf. Luís Bigotte Chorão, A Crise da República e a Ditadura Militar (Lisboa: 2009). 142 Cf. Stanley G. Payne, Fascism, comparison and definition (Madison: 1980), p. 3-21; Martin

Blinkhorn (Edited by), op. cit. (London: 1990), p. 1-13, e Roger Griffin, The Nature of Fascism (London: 1991).

outro lado a natureza militar do regime transportou para a ribalta não só as tensões corporativas inerentes à instituição militar, que atraves- saram muitos dos conflitos, como determinou ainda a formação de verdadeiras facções políticas no interior das Forças Armadas.

Em trabalho anterior, apresentei uma proposta de tipologia tripar- tida do espectro político-ideológico da direita portuguesa que pode ter alguma utilidade analítica para o estudo das suas atitudes políticas nos primeiros anos da Ditadura Militar.143

A primeira que definimos como liberalismo conservador estava representada nos partidos republicanos conservadores. Apelaram aos militares e apoiaram o golpe na perspectiva de um “Estado de excepção” que lhes permitisse a reforma da Constituição de 1911 em um sentido presidencialista, limitador do parlamentarismo. Pensavam acima de tudo na remodelação do sistema partidário através da criação de um forte partido conservador com o apoio do aparelho de Estado, apto a enfrentar, reposta à legalidade constitucional, o Partido Democrático. A segunda, que definimos como conservadorismo autoritário, era acentuadamente antiliberal. A sua proposta era a da construção de um regime autoritário que eliminasse o velho sistema de partidos da República, introduzindo eventualmente um partido único de vocação “integradora”. Alguns propunham mecanismos de representação corpo- rativos, e outros, governos de “competência técnica”. Ideologicamente filiavam-se quer no corporativismo católico, quer em um difuso revi- sionismo autoritário que se reivindicava de Oliveira Martins e Basílio Teles. Nele se moviam católicos, monárquicos e republicanos autoritários. E, finalmente, a direita radical. A sua proposta era de ruptura total com o sistema liberal, apontando para a construção de um Estado na- cionalista baseado no corporativismo integral. Os traços de fascização

143 Cf. António Costa Pinto, “A Direita Radical e a Ditadura Militar: a Liga Nacional 28 de

Maio (1928-1933)”, Eduardo de Sousa Ferreira e Walter C. Opello Jr. (Coord. de), Conflict

deste sector eram crescentes desde o pós-guerra, visíveis nas tentativas de criação de um partido de massas aproveitando a nova conjuntura da Ditadura Militar e na opção de modelos mais carismáticos de legitimi- dade. O seu principal suporte ideológico tinha origem no IL, ao qual se juntaram outras componentes de origem republicana e sidonista.

A nova situação criada pelos militares provocou, no entanto, uma alteração sensível no espectro político, e muitas das atitudes dos actores políticos, particularmente os militares, dificilmente poderão ser percebidas à luz da tipologia atrás descrita. Os percursos erráti- cos multiplicaram-se e seria fastidioso referi-los em detalhe,144 No

entanto, as posições expressas por algumas formações partidárias nos primeiros anos da Ditadura podem ser mais bem analisadas se a tomarmos em consideração.

Dentre as diversas forças políticas que se situaram imediatamen- te no campo de apoio à Ditadura e que constituíram um contrapeso importante à direita radical, importa salientar o Centro Católico, em estreita dependência da própria hierarquia da Igreja, e alguns partidos republicanos conservadores. Alguns destes, caso da União Liberal Re- publicana de Cunha Leal e do Partido Nacionalista, se viram os seus projectos de manipulação do novo poder gorados, logo nos primeiros anos da Ditadura, constituíram, no entanto, uma escora junto da elite militar conservadora perante as ofensivas dos radicais de direita.

Quer a Igreja quer o partido do Centro Católico se situaram imedia- tamente no campo de apoio à Ditadura Militar. Até 1928, data da entrada de Salazar, então seu dirigente, no Governo, o Centro constituiu um po- deroso grupo de pressão, que só se desvaneceu quando o recém-nomeado ministro das Finanças, uma vez consolidado o seu poder, o neutralizou, já no início dos anos 30. Como veremos à frente, as suas posições foram decisivas no bloqueio à direita radical nos primeiros anos do novo regime.

144 Filomeno da Câmara, por exemplo, um dos chefes do 18 de Abril e de várias aventuras

Convém também não subestimar o peso dos republicanos conserva- dores. Apesar de diminuídos com a eliminação de Cabeçadas, algumas formações partidárias dispunham de uma influência importante no Exército, nomeadamente junto de alguns generais que, com a derrota de Gomes da Costa, chegaram ao governo e que mais tarde se oporiam mesmo a Salazar, como Domingos de Oliveira, Vicente de Freitas e outros. A sua importância ficaria inscrita no próprio compromisso que representou o texto constitucional que será a base do novo regime, em 1933, rapidamente ignorado por Salazar.

O polo unificador de uma corrente fascizante no interior da Ditadura Militar foi o brevíssimo consulado de Gomes da Costa logo em 1926. Como atrás se referiu, Rolão Preto, em conjunto com jovens militares e outros expoentes da direita radical, tentaram criar de imediato uma organização milicial de apoio ao novo regime, emergindo na ribalta política atrás da figura do velho general.

A partir da derrota de 1926, o sector mais radical da “família in- tegralista” apostou na criação de um partido fascista susceptível de dominar a Ditadura Militar. Rolão Preto regressou então à propaganda do “sindicalismo nacional”. No final da década, a Liga 28 de Maio reunia o fundamental deste sector, em estreita associação e sob a protecção dos “tenentes”. O que restava do IL aderiu a esta organização, que viria a dar origem ao Nacional-Sindicalismo.