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2 A EMERGÊNCIA DO NACIONAL SINDICALISMO

2.3 Os Parâmetros da Acção Política do N/S

2.3.1 A Onda dos Comícios

As manifestações públicas do Nacional-Sindicalismo introduziram a coreografia fascista em Portugal. Os desfiles paramilitares, as canções de combate e a ritualização carismática de Rolão Preto marcaram a sua acção política. A presença na rua do N/S iniciou-se em setembro de 1932 e teria como pontos altos os comícios de Lisboa e Porto e a manifesta- ção comemorativa do golpe militar, em 28 de maio de 1933, em Braga. Foi na sequência deste crescendo de afirmação pública do Nacional- -Sindicalismo que a oposição antifascista iniciou várias acções contra o movimento, generalizando-se os confrontos em meados desse ano.

Os primeiros comícios tiveram um carácter local e contavam com o apoio dos simpatizantes do movimento instalados na administração, muitos dos quais eram militares. Rolão Preto deslocava-se regularmente à província em acções de propaganda organizadas pelos secretaria- dos locais, acompanhado pelos “jovens” fundadores. A coreografia paramilitar acompanhava sempre estas acções, cujo modelo pode ser exemplificado pela realizada em Alenquer em finais de 1932.

A delegação local anunciou o comício em comunicado dirigido ao “proletariado de Alenquer”: “neste momento em que elementos ven- didos ao estrangeiro apregoam a luta de classes geradora da confusão de que se querem aproveitar, para conseguirem os inconfessados fins, nós queremos a união de todos os portugueses”. As palavras de ordem

eram fundamentalmente anticomunistas, “pela família, pelo municí- pio, pelo sindicato”.73 Rolão Preto chegou a Alenquer acompanhado de

alguns dirigentes de Lisboa, esperando-o uma delegação local fardada, seguindo-se um cortejo até à Câmara Municipal, onde este era acom- panhado pela administração local. Após um “Porto de Honra” com as autoridades, desenrolou-se o comício.

O modelo foi testado com sucesso em vários comícios locais e seria utilizado em várias cidades e vilas da província onde se multiplicaram as visitas de propaganda.74 Em finais de 1932, ainda sem um aparelho de

propaganda organizado e com um partido governamental com pouca actividade visível, o N/S emergiu como única força mobilizadora no quadro dos apoiantes da Ditadura. Cada acto de posse das comissões concelhias e distritais era aproveitado para uma manifestação de pro-

paganda, e os “camisas-azuis” começaram a conquistar os sectores mais

fascizantes das elites locais.

Em fevereiro de 1933, aproveitando o primeiro aniversário do

Revolução, o N/S organizou o primeiro comício nacional em Lisboa.

O banquete do Parque Eduardo VII marcou a emergência pública de Rolão Preto. A imprensa N/S começou a manifestar uma progressiva reverência pelo seu nome, e a designação de “chefe” banalizou-se. A sua figura fardada começou a inundar os panfletos de propaganda, e este era definido como “uma personalidade forte” que “quase que se

confunde, de certo modo, com o movimento Nacional Sindicalista”.75

73 Cf. Comunicado do Núcleo Nacional Sindicalista de Alenquer, 5/11/1932.

74 Este modelo e outros rituais eram património comum dos partidos fascistas. Cf., por

exemplo, Rosa Maria Feiteiro Cavalieri, Integralismo. Ideologia e organização de um partido

de massa no Brasil (1932-1937) (Bauru: 1999).

Figura 1 – Francisco Rolão Preto discursando no jantar-comício do Palácio de Cristal, no Porto, em 1933.

Fonte: coleção particular de Fernando Gramaxo.

Os discursos de Preto obedeciam a fórmulas simples: o N/S era a vanguarda da “revolução nacional” e encarnava a juventude da Ditadura. Os seus temas obrigatórios eram a “questão social” e seus derivados anticomunistas e antidemocráticos; a apologia da juven- tude civil e militar, que deveria ser o núcleo de base da reforma do Estado e as críticas aos “conservadores” e “infiltrados”. No comício do Parque Eduardo VII, Rolão Preto proclamou-se dirigente de uma “revolução que não se detém” e que “há-de transformar esta Pátria gloriosa!”. Saudou em seguida “a mocidade ardorosa que não desarma” e os “tenentes que mantêm imaculadas e íntegras as heroicas virtudes militares”. Uma das suas máximas para iludir a identificação com o fascismo internacional era considerar-se “para além do fascismo e do hitlerismo” e concentrar-se em seguida na “questão social” cuja fórmula repetia sistematicamente: “desproletarizar as massas operárias

e evitar a proletarização das classes médias”.76 O grupo do Revolução

acompanhava sempre Rolão Preto e substituía-o por vezes nos co- mícios locais. Amaral Pyrrait, António Pedro e Dutra Faria eram os oradores mais frequentes.

Após a realização de um comício no Porto, no Palácio de Cristal, o Nacional-Sindicalismo preparou-se para uma concentração nacional em alternativa às celebrações governamentais do golpe de 1926. A 28 de maio, os N/S mobilizaram, segundo os relatos da época, cerca de 3.000 aderentes em Braga.

Alberto Monsaraz, secretário-geral, partiu para o Norte algum tempo antes para preparar o desfile, e Pires de Lima, dirigente da Zona Norte, escrevia a Rolão confirmando-lhe que “a jornada vai ser das coisas melhores e mais extraordinárias que o N/S tem feito”.77 Um

comboio especial partiu do Porto, e o activismo dos núcleos do Norte, onde se concentrava o maior número de militantes, assegurara uma boa mobilização. Rolão Preto discursou, simbolicamente perto do quartel de onde, em 1926, tinha partido o general Gomes da Costa e pretendeu daí ameaçar o poder, iniciando uma nova fase na vida do movimento, caracterizada pelo conflito aberto com a Ditadura.78

Nestes comícios nacionais, a mesa de honra cabia invariavelmente aos militares afectos ao movimento e ao eterno candidato à chefia da Ditadura, o general João de Almeida. Alguns tenentes, como Carvalho Nunes, David Neto, Romãozinho e outros, eram oradores regulares nos comícios e elogiados na imprensa.79 O Revolução apresentava as

76 Idem, p. 1.

77 Cf. carta de Augusto Pires de Lima a Rolão Preto, 25/5/1933, ARP.

78 O outro orador de Lisboa seria Amaral Pyrrait. Cf. Revolução, 29/5/1933, p. 4-5.

79 A hierarquia militar começaria mais tarde a tentar evitar a associação pública de oficiais

ao N/S. Quando se realizou o comício do Porto, a região militar norte impediu a participação de militares para demonstrar a “a oficialidade segue assim a orientação que lhe é imprimida pelo comando superior, mantendo-se afastada de qualquer actividade política”. Cf. a nota oficiosa in Ideia Livre, Anadia, 20/5/1933, p. 1.

suas biografias na secção “galeria nacionalista”, e alguns escreviam sob pseudónimo artigos inflamados sobre o seu papel de guardiões da “Revolução Nacional”. No comício de Coimbra, realizado em 21 de maio de 1933, o lugar de destaque foi obviamente para os “lentes” da universidade cujas relações com Salazar eram tensas. Eusébio Tamag- nini, secretário da Região Centro, foi homenageado. Cabral Moncada, dirigente N/S e vice-reitor, seria um dos oradores.80 Para além do

núcleo duro fascista, o N/S mobilizava assim para estes comícios um leque de personalidades oriundas do IL e de outras organizações de direita radical que emprestavam respeitabilidade política e intelectual à virulência discursiva do N/S e representavam a sua capacidade de penetração nas elites.

À medida que crescia a mobilização de rua, a violência política começou a desenvolver-se. Desde a sua fundação que a acção do N/S se caracterizou por alguns incidentes esporádicos com militantes anti- fascistas, particularmente nas universidades e em algumas assembleias sindicais. A partir de maio de 1933, no entanto, os conflitos violentos começaram a generalizar-se na rua, cada vez que os N/S se manifestavam. Em Coimbra, no dia de um comício-banquete dos N/S, com a pre- sença de Rolão Preto, forças de oposição convocaram um desfile ao túmulo de José Falcão com a neutralidade das autoridades administra- tivas locais. Logo de manhã, os N/S vindos de Lisboa foram atacados na estação. Durante a tarde, à chegada das camionetas com os N/S, estes foram recebidos pelo mesmo grupo de manifestantes do “reviralho”, e os conflitos generalizaram-se até à intervenção policial, tendo ficado feridos vários N/S.81 Encurralados no Hotel Avenida, Rolão Preto e os

seus partidários precisaram de apoio policial para sair em desfile. A

80 Sobre este comício de Coimbra, vide: Luís Cabral de Moncada, Memórias. Ao longo de uma

vida (Pessoas, factos, ideias) 1888-1974 (Lisboa: 1992), p. 185-186.

81 Cf. o relatório enviado a Salazar sobre os acontecimentos, Arquivo Oliveira Salazar (do-

imprensa oficial reafirmava a disciplina dos que “numa ordem admirável” marcharam até à Quinta da Várzea, onde se realizava o banquete.82 Os

relatórios internos, no entanto, davam uma descrição mais fiel de um grupo de fascistas a sair de Coimbra “debaixo de um coro de insultos que [lhes] dirigia a multidão mantida à distância pela polícia”.83

Os incidentes de Coimbra marcaram o início de uma série de confron- tos com forças da oposição. Em localidades como Anadia, Fermentelos e no Troviscal, onde o N/S desenvolvia acções de propaganda ligadas ao comício de Coimbra, deram-se novos confrontos.84 Alguns dias depois,

no quadro da mobilização para as já referidas celebrações do 28 de Maio em Braga, os conflitos de rua sofreram um acréscimo significativo.

Logo à chegada dos N/S do Sul ao Porto, iniciaram-se os confrontos, na Avenida dos Aliados. Em Ponte de Lima, Guimarães e Braga desen- cadearam-se conflitos a tiro. Em Ermesinde, um grupo de ferroviários tentou descarrilar o comboio N/S que se dirigia a Braga e, à chegada à estação, um pequeno comício esperava os N/S que responderam a tiro. Segundo o relatório policial, ficaram feridos cinco fascistas que Rolão Preto visitaria no hospital. Na sequência do aproveitamento político dos incidentes por parte do N/S, o Governo desencadeou um inquérito que levou à prisão de 11 “agitadores”, todos ferroviários.85 O

N/S começava a ter “heróis” e denunciava a “campanha do medo” que teria como objectivo legitimar a ilegalização do movimento.86

Em junho de 1933, como resposta a estes incidentes, o Nacional-Sin- dicalismo preparava-se para organizar uma manifestação comemora- tiva da batalha de Aljubarrota. Em informação ao governo, Monsaraz

82 Cf. União Nacional, Leiria, 28/5/1933, p. 8. 83 Cf. Relatório não assinado, SD, ARP. 84 Cf. Ordem Nova, Anadia, 27/5/1933, p. 1 e 4. 85 Cf. Processo 104/1933, Tribunal Militar Especial.

86 Os dirigentes fascistas pensaram que esta acção tinha sido uma provocação da polícia da

anunciava a concentração de 10.000 filiados uniformizados e apelava à mobilização, mas o Ministério do Interior não autorizou o desfile.87