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A “União Nacional” e as “Milícias Lusitanas”

1.3 Fascismo e Direita Radical nos Anos

1.3.5 A “União Nacional” e as “Milícias Lusitanas”

A “União Nacional” e as “Milícias Lusitanas” constituíram a primeira tentativa de dominar a Ditadura Militar por parte do núcleo mais fasci- zante do seu heterogéneo bloco de apoio. Foi esta tentativa de tomada do poder que provocou a queda de Gomes da Costa em julho de 1926, com o golpe dos generais Carmona e Sinel de Cordes. Para além do próprio Rolão Preto, outros sectores mais influenciados pelo fascismo,

como Martinho Nobre de Melo, principal dirigente da Cruzada Nuno Álvares, estiveram envolvidos.

Rolão Preto fundou o órgão deste movimento: A Revolução Nacio-

nal. Formalmente, o director era o tenente Pinto Correia, secretário

do General Gomes da Costa, mas este diário de vida breve foi de facto dirigido por Preto que, por razões de segurança e para impedir a denúncia dos republicanos conservadores (dada a sua associação com movimentos monárquicos), utilizou os pseudónimos de “Plures” e “Pluribus”.145 “Esta direcção encoberta” foi aliás denunciada pelo

porta-voz dos católicos, o Novidades, que, ao mesmo tempo, aproveitou imediatamente a oportunidade para criticar os propósitos fascistas das “milícias”.146

Preto aconselhou o novo poder a esmagar rapidamente os seus inimigos, ou seja, os partidos e o sistema de partidos, e a enveredar por drásticas medidas de depuração política do aparelho de Estado, clamando ao velho general para eu pegasse “na espada e varresse”. Mussolini – salientava em editorial – “ocupou os pontos estratégicos da defesa do Estado matando impiedosamente tudo o que poderia servir de apoio à reacção fatal dos políticos”, Gomes da Costa deveria seguir

o seu exemplo.147 A utilização de pseudónimo permitia-lhe também

multiplicar as declarações de fé republicanas e apelar à neutralização de políticos conservadores como Cunha Leal e o seu partido.148

Em junho de 1926, Martinho Nobre de Melo, um ex-ministro de Sidónio de formação integralista, apresentou na Sociedade de Geo-

145 Nome que utilizou para assinar os editoriais deste fugaz diário. Nascido a 21 de junho

de 1926, foi encerrado duas semanas mais tarde, após o derrube de Gomes da Costa, pelo grupo de Sinel de Cordes e Carmona, e a fuga do grupo promotor.

146 Rolão Preto negou na altura a direcção do jornal, só a reconhecendo mais tarde. Vide a sua

declaração de resposta ao órgão católico, onde nega a sua direcção, in A Revolução Nacional, nº 14, 6/7/1926, p. 1. Confessou a sua posição in José Machado Plácido Barbosa, Op. Cit., p. 60.

147 Cf. Pluribus, “Governar! Governar!”, A Revolução Nacional, nº 3, 23/6/1926, p. 1. 148 Cf. Pluribus, “Abaixo os Partidos!”, A Revolução Nacional, nº 8, 29/6/1926, p. 1.

grafia um verdadeiro programa político para a nova ditadura. O seu discurso foi marcado pela defesa do corporativismo, de um regime ditatorial de tipo presidencialista e de uma clara opção industrializante em termos económicos. A comissão organizadora da União Nacional formou-se incluindo dirigentes do IL como Pequito Rebelo, radicais

e fascistas como Trindade Coelho.149 As “milícias” nacionalistas

deveriam ser organizações paramilitares de tipo fascista. Em julho, Gomes da Costa demitiu uma série de ministros, acumulou algumas pastas ministeriais, e Martinho Nobre de Melo e o integralista João de Almeida chegaram ao governo, mas dois dias depois os generais exilaram-no nos Açores, demitiram os ministros e interditaram A

Revolução Nacional. O tenente Pinto Correia e alguns outros passaram

ainda pela prisão.

Esta primeira tentativa de criação de um partido de massas morreu à nascença, dado o golpe dos generais que exilou Gomes da Costa e neutralizou a remodelação ministerial por ele realizada sob a pressão deste grupo. Mas, nos anos seguintes, a sua organização estreitamente associada aos “tenentes do 28 de Maio” participou em várias tentativas golpistas até fundar uma organização mais estável, a Liga Nacional 28 de Maio, dois anos mais tarde.

Para Rolão Preto e para parte dos integralistas que o acompanha- ram, o derrube de Gomes da Costa representou um rude golpe. Nos anos seguintes, não só muitos deles seriam exilados e presos, como as próprias actividades de propaganda começaram a ser alvo da censura militar e de proibições de comícios e outras actividades.150 No entanto,

muito embora enfraquecida, a Junta Central do IL e algumas juntas escolares e provinciais continuaram organizadas.

149 Cf. António José Telo, Op. Cit., Vol. 2 (Lisboa: 1984), p. 220. Cf. também, Plures, “A União

Nacional”, A Revolução Nacional, 6/7/1926, p. 1.

150 Através da correspondência interna verifica-se este acréscimo repressivo. Alguns

governadores civis começaram a impedir conferências de Rolão Preto e de outros integralistas, e a censura sobre a imprensa reforçou-se.

Seria ainda em 1926 que Homem Cristo Filho, recém-regressado

a Portugal após o golpe, fundou com grande alarido A Informação.151

Homem Cristo simbolizou nos anos 20 um precoce e intelectual “in- ternacionlismo” fascista que, no entanto, representou um percurso singular e marginal em Portugal.

Filho de um conhecido e virulento jornalista republicano, Homem Cristo tinha fundado a Ideia Nacional em 1915. Mais tarde, durante a dita- dura de Sidónio Pais, foi nomeado “Director dos Serviços de Informação nos Países Amigos e Aliados”, uma espécie de Embaixador itinerante de Sidónio. Solidamente implantado nos meios culturais da extrema direita parisiense através da agência noticiosa e editora Fast, onde publicou o seu conhecido Mussolini Batisseur d’Avenir, este apologista do “fascismo latino” permaneceu um fenómeno isolado.152 Chegado a Portugal, ainda

teve tempo de apoiar Gomes da Costa, mas o seu rápido derrube neutra- lizou os projectos de Homem Cristo, que foi novamente expulso, desta vez pelos sucessores de Gomes da Costa em agosto de 1926. Regressado a França, dedicou-se a um novo projecto internacional, a organização de um “congresso das Nações do Ocidente” sob o patrocínio de Mussolini, morrendo precocemente alguns anos mais tarde.

Após o “duro revés para a Revolução Nacional” que constituiu o derrube de Gomes da Costa, vamos encontrar os mesmos nomes (e o mesmo tipo de organização) nas tentativas seguintes, basicamente com a oposição das restantes forças políticas.

Uma segunda foi logo lançada pouco depois da falhada revolução pró-democrática de fevereiro de 1927: a Milícia Lusitana.153 A ini-

ciativa partiu do mesmo grupo e mereceu imediatamente o repúdio

151 Nº 1, 17/7/1926. Cf. Cecília Barreira, op. cit., p. 17-25. Veja-se também Miguel Castelo-

Branco, op. cit. (Lisboa: 2001).

152 Cf. Homem Cristo Filho, Mussolini Batisseur d’Avenir. Harangue aux foules latines (Paris: 1923). 153 Cf. Arlindo Caldeira, “O partido de Salazar: antecedentes, organização e funções da União

dos republicanos conservadores e do Centro Católico. Alguns dos seus fundadores, como Angelo César, Sebastião de Vasconcelos e Valadares Botelho serão em 1928 fundadores da Liga 28 de Maio. Os integralistas apoiam de imediato a iniciativa, bem como alguns “te- nentes do 28 de Maio”.

O órgão afecto à União Liberal Republicana de Cunha Leal denun- ciou de imediato esta tentativa, em nome de um sector significativo do seu bloco de apoio.154 Quanto ao Centro Católico, este aproveitou para

salientar os perigos de um “nacionalismo paganizado” que andava a perverter e envenenar a “nova geração”, reafirmando que só a Igreja poderia evitar os “excessos” anteriormente apontados.155

Após atitudes contraditórias perante as milícias, o governo da Di- tadura deu-lhes a machadada final em nota oficiosa onde salientava ser “prematuro tudo quanto se tem dito quanto à interferência do governo na organização de qualquer corpo de milícias”.156 Pouco tempo depois,

outra iniciativa de formação de um partido de apoio à Ditadura, agora com a simpatia do Centro Católico, viria provar as enormes contradi- ções em que se moviam os governos da Ditadura Militar.

No campo conspirativo, o primeiro sinal de resposta do sector fascizante ao seu afastamento forçado do poder, em 1926, veio com a tentativa golpista de Filomeno da Câmara em finais desse ano, o

chamado golpe dos “Fifis”.157 Várias unidades se movimentaram com

o velho militar do 18 de Abril de 1925, que Rolão Preto acompanhou. Os integralistas apoiaram o golpe, que contou ainda com a participação de vários tenentes afectos a Gomes da Costa. Derrotado, Filomeno da Câmara não foi sequer preso, sendo em 1929 “desterrado” para Ango-

154 Cf. A Situação, 19/3/1927. 155 Cf. Novidades, 17/2/1927. 156 Cf. A Voz, 3/3/1927.

157 Este golpe ficou conhecido pelo golpe dos “Fifis”, devido ao nome de dois dos conspiradores,

la como Alto Comissário, sendo demitido mais tarde por Salazar, na sequência de graves conflitos com colonos locais.158

Em finais de 1927, quando o sector republicano conservador ensaiou o lançamento de um agrupamento “de apoio à Ditadura”, a resposta da direita radical foi a constituição da Liga 28 de Maio, organização que, uma vez neutralizada, constituiu a plataforma de arranque do Movi- mento Nacional-Sindicalista.159