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Capítulo 5. A constatação da qualificação resignada Um balanço sobre a má

2.3. O novo protagonismo do Setor de Serviços

2.3.5. A desconstrução do conceito de pós-modernidade

O nível de confusão que, salvo raras exceções, impera no debate acadêmico em relação às transformações que assolam o capitalismo desde o final do Século XX, poderia – com alguma facilidade - induzir os mais desavisados a acreditar que a reflexão feita ao longo desse capítulo constitui uma utopia pós-moderna. Antes que isso ocorra, creio ser interessante demarcar o terreno entre a idéia que aqui defendo e as teses sobre a pós- modernidade, pós-fordismo e a sociedade da informação, sendo que, para tal, recorro ao trabalho de K. Kumar (KUMAR, 1997).

Em todo esse inquérito, abuso dos termos nova economia, novo estágio de acumulação e novo ciclo schumpeteriano. Como advertido no início desse capítulo, a idéia central nos usos isolado ou combinado desses termos é reconhecer que a evolução das forças produtivas projeta o modo de produção capitalista para uma nova fase da acumulação, demandando da força de trabalho uma nova dinâmica operativa que impacta a sua qualificação. Não há, da parte desse inquérito, nenhuma tentativa de emitir um vaticínio sobre as feições que a economia e a sociedade terão ao final das transformações que as assolam. Apesar de não empregar deliberadamente a terminologia Terceira Revolução Industrial e Tecnológica - como admitido - creio que o debate em torno desse tema deva ser retomado, sendo que a idéia da emergência de um cluster tecnológico e produtivo distoante do industrialismo do século passado é instigante e, acima de tudo, merecedora de uma reflexão mais demorada.

Os termos pós-modernidade e pós-fordismo são aqui evitados, enquanto a terminologia sociedade do conhecimento é empregada tão-somente a fim de expressar as posições de outrem, como é o caso da opinião oficial da União Européia (UE) sobre as demandas que impulsionam a educação profissional. As idéias mais polêmicas e

controversas defendidas ao longo desse capítulo são amparadas por uma respeitável e dignatária bibliografia, o que pressupõe que, no limite, o debate em torno delas deve ser aprofundado antes de se tentar desconstruí-las.

Em sua belíssima revisita às teorias sobre as transformações que acometem o capitalismo, K. Kumar apresenta um vasto painel sobre as opiniões dos inúmeros autores contemporâneos. Nele, é perceptível o nível de controvérsia que acomete o pensamento acadêmico, especialmente entre os estudiosos ligados as Ciências Sociais. A idéia central presente no trabalho de Kumar é questionar o conceito de pós-modernidade que, quase que invariavelmente, vem acompanhado ou subsidiado pela idéia do pós-fordismo e da sociedade do conhecimento44. Recorrente muito mais à argumentação de outros autores que da sua própria, Kumar faz transparecer as suas convicções, ao expor a opinião dos críticos à teoria da pós-modernidade.

Para Kumar, a despeito de todas as transformações que sofre, o velho capitalismo ainda continua capitalismo. Assim, a idéia de pós-modernidade não passa de uma construção vazia a serviço de um discurso conservador, que intenciona desconstruir três séculos de uma rica e profícua reflexão sobre a economia e a sociedade. Segundo o autor: o mundo ainda é, sem a menor dúvida, capitalista, e nele existe a pós-modernidade. Mas, até que ponto a pós-modernidade deve ser explicada pela dinâmica capitalista? (KUMAR, 1997, p.202).

De qualquer forma, diferentemente das abordagens contra a pós-modernidade feitas pelo pensamento marxista ortodoxo, um elemento é muito palpável na argumentação de Kumar, ou seja: a nova etapa do desenvolvimento capitalista deitou por terra todas as utopias da modernidade. Assim, os partidos políticos, sindicatos e as suas demandas de classe perdem o sentido mediante um mundo no qual a cultura e os novos tensionamentos voltam-se para outras demandas, tais como, as questões racial, das minorias, ambiental e etc. Para o cientista político: alguma coisa nova está acontecendo, mesmo que não confirme a interpretação de muitos dos adeptos mais otimistas da idéia pós-fordista (KUMAR, 1997, p.69).

44 Os documentos oficiais da União Européia (UE) admitem a consumação da sociedade do conhecimento,

Mesmo relutando em aceitá-la em virtude de ela derivar da idéia da sociedade pós- industrial, Kumar admite que a idéia de sociedade do conhecimento tem alguma relevância; segundo ele: seria insensato e tolo negar o que existe de real em muito do que afirmam os teóricos da sociedade da informação. As experiências comuns da vida diária são suficientes para confirmar esse fato (KUMAR, 1997, p.27).

Kumar é um tanto cético em relação ao fato de o novo estágio de acumulação e a nova ordem produtiva demandarem maior quantidade de empregos e níveis mais elevados de qualificação da força de trabalho.

No que tange ao volume global de emprego, se as previsões mais assustadoras - feitas no início dos anos 1980 - a respeito do impacto das novas tecnologias sobre a destruição dos empregos não se confirmaram, isso não garante que elas não venham a se confirmar no futuro. É previsível, argumenta o autor, que, num primeiro momento, as novas tecnologias – especialmente a disseminação do computador na produção e na circulação de mercadorias – poderiam provocar uma onda positiva que sacudiria a economia mundial. Assim, é possível argumentar que a nova tecnologia, pelo menos a longo prazo, gerará ou poderá gerar outras das „tempestades de destruição criativa‟ que, segundo Joseph Schumpeter, periodicamente renovam o capitalismo (KUMAR, 1997, p.36). Todavia, uma vez assimilado o choque inicial, a capacidade da tecnologia da informação de substituir trabalhadores será sentida com força redobrada (Ibidem, p.37).

Com relação à demanda por trabalho mais complexo e elaborado, Kumar é ainda mais cético, argumentando que, na verdade, as novas Tecnologias da Informação tendem a provocar o aprofundamento da taylorização do trabalho; para o autor:

Já temos motivos para duvidar, genericamente, se a força de trabalho está aumentando em perícia e em autonomia. Na medida em que o taylorismo continua a ser o princípio dominante, a tecnologia da informação possui maior potencial para proletarizar do que para profissionalizar o trabalhador. Este processo pode ser disfarçado com grande eficiência por estatísticas ocupacionais que sugerem uma força de trabalho mais culta e treinada. O crescimento do credencialismo – isto é, a exigência de credenciais (qualificações) mais altas para os mesmos empregos - e o conhecido processo de inflação de rótulos de emprego e autopromoção ocupacional, podem criar a impressão, inteiramente

errônea, de crescimento de uma sociedade mais „culta‟ (KUMAR, 1997,

p.37).

Kumar publicou originalmente essas reflexões em 1996, quando os impactos da evolução das forças produtivas sobre a superestrutura social ainda estava no início. De lá para cá, inúmeros outros tensionamentos se manifestaram – e ainda estão por se manifestar – com a explicitação do novo ciclo schumpeteriano, como insistentemente demonstrado ao longo do presente capítulo. Além do mais, o autor se vale das opiniões dos estudiosos contrários ou favoráveis às idéias de pós-modernidade, pós-fordismo e sociedade da informação, abstraindo deles uma síntese que se opõe à aceitação desses conceitos. Não há, no trabalho de Kumar, nenhuma iniciativa em se debruçar sobre a realidade concreta, a fim de construir uma definição consubstanciada por dados empíricos. O pouco que ele constrói de auto-interpretação sobre as mudanças que acometem a sociedade e a economia capitalistas ele o faz olhando tão-somente para o Reino Unido, um sistema econômico decadente, que, em hipótese alguma, serve como parâmetro para balizar as transformações da economia mundial.

No que respeita o seu ceticismo em relação à nova demanda por trabalho complexo, enriquecido e mais qualificado, o seu pouco embasamento se revela flagrante: além de não fazer menção às estatísticas governamentais e empresariais que apontam para uma nova demanda por trabalho qualificado, o autor ignora a vasta e profícua literatura produzida pela sociologia do trabalho francesa - especialmente os trabalhos de Georges Friedmann e de Pierre Naville - que, desde meados dos anos 1960, expusera que a automação do processo industrial e as novas tecnologias de base eletromecânica vinham dinamitando a ortodoxia taylorista e demandando uma qualificação mais refinada da força de trabalho. Como o demonstram as inúmeras pesquisas empreendidas pelo Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop), a nova demanda por qualificação é inquestionável nos sistemas econômicos dinâmicos45. Com relação às novas Tecnologias da Informação, o trabalho de Iribarne praticamente desconstrói o argumento de Kumar, ao demonstrar que elas – especialmente a indústria do software – conspiram contra a

45 O Capítulo 5 apresenta inúmeros trabalhos publicados pelo Cedefop, nos quais a nova demanda por

organização taylorista, conformando, assim, um neo-artesanato de serviços digitais ajustados às necessidades das empresas (IRIBARNE, 2005)46.

Apesar dos deslizes de interpretação cometidos por Kumar, a idéia primordial contida na apresentação do seu pensamento é a refutação – por parte do presente inquérito – da tese da pós-modernidade, intenção essa a qual o seu trabalho dá uma contribuição. Não obstante, o próprio Kumar abre uma brecha para a aceitação da tese subsidiária - defendida ao longo desse capítulo - sobre a consumação de um novo estágio da acumulação capitalista, ao dizer que: seria insensato e tolo negar o que existe de real em muito do que afirmam os teóricos da sociedade da informação (KUMAR, 1997, p.27).

Finalizando esse subtópico sobre a idéia de sociedade pós-moderna, creio ser importante repetir que não há, da parte desse inquérito, a menor tentativa em acatar ou defender esse conceito, devendo o leitor ater-se à essência da idéia que defendo nesse capítulo; ou seja, que organização do trabalho que vem sendo implementada pelo novo estágio da acumulação capitalista demanda níveis mais destacados de qualificação da força de trabalho.

Feita a incursão teórica que, creio, lança luzes mais potentes sobre o papel do Terciário na nova fase da acumulação capitalista, passo a exemplificar como o setor é demandante de mão-de-obra qualificada, sendo que, para tal, apresento quatro subsetores em que a qualificação dos operadores requer acuidade; são eles: os serviços de manutenção, escritórios, serviços públicos e o segmento de Tecnologias da Informação (TI).