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A qualificação demandada pelo segmento de Tecnologias da Informação (TI)

Capítulo 5. A constatação da qualificação resignada Um balanço sobre a má

2.3. O novo protagonismo do Setor de Serviços

2.3.9. A qualificação demandada pelo segmento de Tecnologias da Informação (TI)

Também é oportuno lembrar que não há robô, computador ou qualquer tipo de sistema de inteligência artificial que funcione independentemente do software. A flexibilidade da produção industrial avançada é possibilitada, em primeira instância, pela capacidade de reprogramação das instruções dadas ao processo pelos mais variados tipos de programas. Assim, toda a arquitetura da indústria reestruturada é umbilicalmente atada à tecnologia microeletrônica e, conseqüentemente, dependente dos programas. Com pouca margem de erro, é presumível que haja mais tecnologia, conhecimento e trabalho rico na produção de softwares que na produção dos sistemas mecânicos da maquinaria. E o que é o software, senão uma riqueza imaterial? A produção de programas avançados é um dos segmentos mais sólidos, dinâmicos e demandantes de trabalho virtuoso do Terciário e a área em que a inovação tecnológica se manifesta com maior velocidade em toda a economia capitalista. A intensa acumulação de capital que ocorre nesse ramo projeta as suas empresas para a conformação de grandes conglomerados como o da Microsoft Corporation, que em nada fica a dever aos seus pares industriais. Esse não é tão-somente mais um dentre os exemplos em que a indústria depende dos serviços, mas, comprovadamente, um aspecto em que o Terciário supera o Secundário em termos de tecnologia, qualificação e inovação.

Segundo Roselino, em 2003, a maior empresa de software, a Microsoft Corporation, faturou US$32,1 bilhões; em segundo lugar e no mesmo ano, a Oracle vendeu US$9,4 bilhões. No conjunto, no mesmo ano, as dez maiores empresas mundiais de software faturaram US$66,3 bilhões, lucraram US$9,2 bilhões e geraram 178.999 postos de trabalho de média, alta e altíssima complexidade (ROSELINO, 2006, p.59). Esse é um dos raros segmentos de tecnologia avançada em que o Brasil figura entre os principais países sendo que, em 2003, ele ocupava a sexta posição no ranking da indústria mundial do software; em 2001, a indústria brasileira do software faturou US$7,7 bilhões e consolidou 1,5% do PIB brasileiro (ROSELINO, 2006, p.61).

Gráfico 2.3.8. O mercado de software nos países selecionados - 2001

O mercado de software nos países selecionados - 2001

85 39,8 15 8,2 7,7 7,6 7,6 7,4 4,3 3,8 3,7 1,9 1,6 1,3 1 200 0 50 100 150 200 250 Est a d o s U n id o s Ja p ã o Al e ma n h a In g la te rra In d ia Bra si l C o ré ia d o Su l Irl a n d a C h in a Esp a n h a T a iw a n Isra e l F in la n d ia Si n g a p u ra Arg e n ti n a Me xi co Países E m b il h õ e s d e U S $ Fonte: Roselino (2006).

É importante alertar que, para as economias emergentes como a brasileira, o domínio sobre a tecnologia do software abre uma janela de oportunidade para o desenvolvimento econômico; isso porque, apesar de requerer relativos investimentos em P&D, a sua produção não demanda ativos fixos, requerendo tão-somente o capital humano, o que faz com que os países do Segundo Mundo tenham condições de concorrer em pé de mais igualdade com as economias centrais. Há muito, a Índia tem essa percepção e vem desenvolvendo uma indústria de software próspera e competitiva.

A adoção de estratégias para o desenvolvimento econômico e social brasileiro passa, entre outros condicionantes, pela observação criteriosa das tendências dinâmicas que se apresentam na evolução das forças produtivas da economia mundial. Preocupar-se com a produção de biocombustíveis é olhar para trás; atentar-se para o software e as demais Tecnologias da Informação significa olhar para o núcleo central da nova dinâmica da acumulação, sendo que o Brasil parece que ainda não se atentou para a magnitude das suas potencialidades.

Segundo a pesquisa empreendida pelo Observatório Softex, o segmento de Tecnologias da Informação, no Brasil, cresce num ritmo anual de 7,9% a/a, sendo que para

2009, era esperada uma receita líquida de R$44,5 bilhões (OBSERVATÓRIO SOFTEX, 2009, p.34). Todavia, confirmando a baixa percepção brasileira sobre a dinâmica assumida pelo desenvolvimento capitalista, esse dinamismo pode ser obstaculizado pela escassez de mão-de-obra qualificada que se abate sobre o segmento. Por requerer uma força de trabalho altamente qualificada, o segmento de TI é um dos mais vulneráveis ao apagão da mão-de- obra que ameaça a economia brasileira (OBSERVATÓRIO SOFTEX, págs. 186 a 197)50.

Àqueles que crêem que o Terciário emprega somente mão-de-obra com qualificação semelhante à dos balconistas da rede McDonald’s, é bom lembrar-lhes que os patrões nunca foram generosos ao ponto de pagar bons salários aos trabalhadores que não agregam um valor substancial às mercadorias por meio do trabalho complexo. Essa visão pouco expandida de se enxergar o Setor de Serviços exerce um peso nada desprezível nos estudos sobre o mercado de trabalho no Brasil, obscurecendo, sobremaneira, o debate acerca das tendências que se confirmam no novo estágio de acumulação.

Braverman (1975) expôs com clareza que a lógica do taylorismo é o empobrecimento do trabalho por meio da sua fragmentação, pois, o trabalho empobrecido é comprado por um menor valor. Por esse raciocínio, os salários mais elevados, em princípio, tendem a ser pagos aos trabalhadores que executam trabalho mais complexo e cujas ocupações demandam qualificações mais elevadas.

No Brasil, há uma quantidade imensurável de pesquisas sobre a precarização das relações de trabalho provocada pela nova dinâmica do capitalismo; todavia, o novo estágio de acumulação também encerra certa virtuosidade imprimindo uma revolução das ocupações e, presumivelmente, até mesmo a conformação de uma nova classe média. Para os estudos sobre o trabalho, a questão que deveria estar em pauta é: qual dessas duas características é preponderante na economia reconvertida do Século XXI? Confirmando a existência de muita divergência sobre os impactos provocados pela presente transformação, Iribarne (2005) vê o novo regime de acumulação - no que concerne aos aspectos produtivos – mais como alvissareiro, que desagregador, ao afirmar que a nova divisão do trabalho configura um neo-artesanato de serviços digitais ajustados às necessidades das empresas.

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A tabela, a seguir, apresenta as médias salariais das ocupações mais demandadas pelo subsetor das Tecnologias da Informação (TI) no Brasil, comprovando o quanto esse segmento requer qualificação elevada. Como se pode observar, os trabalhadores desse segmento recebem remuneração que os classificam com Alta Classe Média. Poucas ocupações industriais remuneram como a indústria do software e a área de TI.

Tabela 2.3.8. Remuneração de algumas das ocupações muito demandadas em TI - 2006

Remuneração de algumas das ocupações muito demandadas em TI - 2006 (Em R$)

Ocupação Mínimo Médio Máximo

Desenvolvedor de sistema 3.275,00 3.567,00 3.966,00

Analista de segurança 3.432,00 4.234,00 4.974,00

Programador 3.748,00 3.990,00 4.395,00

Analista de sistema 3.947,00 4.624,00 7.766,00

Administrador de banco de dados 4.179,00 4.274,00 4.370,00

Analista de suporte 4.200,00 4.505,00 5.056,00

Programador web 4.574,00 4.912,00 5.215,00

Supervisor de operações 7.328,00 7.604,00 9.690,00

Gerente sênior 12.606,00 14.713,00 18.324,00

Fonte: Barbieri (2006). Obs: (i) o Salário Mínimo vigente a partir de 01/04/2006 era R$350,00; (ii) segundo a metodologia proposta por W. Quadros para a classificação dos estratos sociais, os indivíduos com esse padrão de rendimento são considerados como pertencentes à Alta Classe Média (QUADROS, W., 2008).

Resumindo esse tópico sobre o novo protagonismo do Setor de Serviços, é importante ressaltar que há uma miríade de argumentos que sustentam que o Terciário ou até mesmo segmentos manufatureiros de commodities influenciam as indústrias sofisticadas. Para Chandler (1962), Ford inspirou-se nas linhas de abate e desmembramento de carcaças de bovinos dos frigoríficos norte-americanos a fim de idealizar a linha de montagem; é consenso entre os estudiosos que a Toyota mirou o sistema de reposição dos supermercados norte-americanos para implantar o Just in Time; e para Rattner (1988), os CCQs foram propostos aos japoneses por uma consultoria norte-americana. Portanto, três importantes configurações do trabalho que impactaram decisivamente a indústria teriam sido influenciadas por segmentos extra-industriais ou hipoteticamente desprezíveis em termos de complexidade do trabalho e de qualificação profissional.

Como o demonstra o Capítulo 1, no Brasil, foi o Setor de Serviços, por meio das empresas ferroviárias, quem deu o primeiro impulso para a montagem de uma estrutura de formação profissional da mão-de-obra, movimento esse observado por Roberto Mange, que tornou essa estrutura sistêmica, possibilitando que industrialização brasileira não se ressentisse da escassez de capital variável; de certo modo, se as empresas ferroviárias tomaram a iniciativa é porque sentiram a sua necessidade. Portanto, desde o final do Século XIX, o Terciário já sinalizava que os serviços também são executores de trabalho rico e, portanto, demandantes de qualificações nobres. Se, naquela época, o setor já demandava qualificações sofisticadas, o que dizer do seu desempenho no Século XXI, quando a revolução microeletrônica e a racionalização sistêmica imprimiram-lhe uma dinâmica protagônica, como afirmam Baethge e Oberbeck (1996) e outros?

Por fim, embora a indústria continue a ter importância, a sua centralidade se manifesta mais no plano estratégico dos países e das economias em se posicionarem soberanamente nas relações políticas e nas relações de troca internacionais, que no plano do emprego, renda, qualificação profissional e da mobilidade social. Por mais que a riqueza se desmaterialize, os países e os sistemas econômicos continuam a depender da produção de bens sofisticados como forma de autonomizar a reprodução do capital. Entretanto, a independência dos sistemas econômicos é dada pelos segmentos industriais sofisticados, como os de Tecnologias da Informação, espacial, militar e outros; ou seja, é dada pelas áreas situadas nas fronteiras recém-desbravadas da ciência e da tecnologia. Não há, da perspectiva do desenvolvimento, nenhuma virtuosidade na produção de bens de consumo duráveis ou de commodities, assim como esses segmentos industriais não são mais o santuário do emprego, renda, qualificação e da mobilidade social.

E, sendo a qualificação da força de trabalho com vistas ao desenvolvimento econômico e social brasileiro o foco dessa pesquisa e tendo a indústria sofisticada tamanha capacidade em tornar independentes os sistemas econômicos, certamente que a preocupação com educação da mão-de-obra industrial é aqui observada à exaustão. Todavia, considerando que o Terciário, não apenas avança pelas das fronteiras mais inóspitas do conhecimento, como também oferece um refúgio às massas trabalhadoras despejadas pela indústria, não seria, sequer, razoável, por parte desse inquérito, desprezar o

fato que, para os trabalhadores dos serviços, a auto-realização também passa, no limite, pelo reconhecimento da utilidade econômica e social do seu trabalho.