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Capítulo 5. A constatação da qualificação resignada Um balanço sobre a má

2.3. O novo protagonismo do Setor de Serviços

2.3.2. O esquema trisetorial; um não-conceito

No entendimento de J. Teboul, as Ciências Econômicas pecam por não apresentar uma nova categorização que dê conta de delimitar com exatidão toda a complexidade que acomete, atualmente, a produção e a circulação das mercadorias (TEBOUL, 2006). Segundo o autor, classificou-se como Setor Primário as atividades agrícolas, extrativistas e de baixíssima transformação; denominou-se Setor Secundário as atividades processadoras de alta transformação, como a siderurgia, indústria automobilística e outras tantas; entretanto, equivocadamente, os economistas classificaram como pertencentes ao Terciário tudo que não se encaixava no Primário e nem no Secundário, resultando, daí, as inúmeras

interpretações inexatas que taxam o setor como improdutivo ou demandante tão-somente de trabalho mcdonaldizado. Diz Teboul:

A divisão das atividades em três ou mais setores é, portanto, fútil, e não levará a nenhuma definição clara e operacional de serviços. Devemos adotar a abordagem oposta, primeiramente, definindo o que queremos dizer por serviço e, em seguida, verificando se essa definição é útil e operacional (TEBOUL, 2006, p.13).

Alheio à incompreensão que se tem sobre a sua natureza, o Terciário continua em franco crescimento no capitalismo avançado e nos países de industrialização incompleta. Nos Estados Unidos, em 2002, o que se conhece tradicionalmente por Setor de Serviços empregava quase 76% da População Economicamente Ativa (PEA), contrastando com os pouco mais de 20% empregados pela indústria e com os 2,57% empregados pela agricultura e as atividades extrativistas.

Tabela 2.3.2. Evolução do emprego por setor nos Estados Unidos – 1970 a 2002

Setores 1970 78,36 Milhões % 1980 99,32 Milhões % 1990 116,3 Milhões % 2002 129,93 Milhões % Agricultura 4,42 3,80 2,78 2,57 Setor industrial 33,29 29,12 25,73 21,81 Setor de Serviços 62,29 67,08 71,49 75,62 Total 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: United States Statistical Abstracts apud Teboul (2006)

Segundo Teboul, a julgar pelo ritmo do seu decréscimo proporcionalmente ao emprego total, provavelmente, o emprego industrial retroagirá para apenas 10% da PEA nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao final dos próximos trinta anos. Nesse sentido, diz o autor, é de se estranhar que os estudos não se dêem conta da virtuosidade e da dinâmica que os serviços encerram, tendo em vista que:

Mesmo hoje em dia, continua prevalente a idéia de que os empregos industriais exigem maiores qualificações que os empregos do setor de

serviços, e que os trabalhadores do setor de serviços são caricaturados como „biscateiros‟ ou „artistas de teatro mambembe‟ (TEBOUL, 2006,

p.8).

A comparação entre o Setor de Serviços dos Estados Unidos e o do Brasil revela o incontestável dinamismo desempenhado pelo Terciário brasileiro no que diz respeito à geração do emprego e da riqueza. Em 2008, o Setor Industrial registrou um recuo de 11% no último trimestre, enquanto que o Terciário subiu 4,6% e o Primário também avançou 0,6% no mesmo período. Considerando essa sazonalidade, o gráfico seguinte demonstra que o Terciário foi o responsável pela consolidação de 64% do PIB e pela ocupação de 50,75% da PEA; também confirmando a inflexão da centralidade da indústria, o Setor Primário respondeu por 5,1% da riqueza total e por 18,35% da ocupação.

Gráfico 2.3.2. Brasil. Composição setorial do PIB e da ocupação - 2008. Brasil. Com posição setorial do PIB e da ocupação - 2008

30,9 64 50,7 22 18,3 5,1 0 10 20 30 40 50 60 70

Ocupação Produção Ocupação Produção Ocupação Produção Agropecuária Indústria Serviços

Setores P ro p o rc io n a lm e n te à P E A e a o P IB Fonte: Pochmann (2009).

Esses dados justificam a reflexão criteriosa por parte dos estudos sobre o setor. Afinal, como não pesquisar com mais acuidade um segmento que responde por metade de toda a ocupação? Como taxar como praticante de trabalho empobrecido uma atividade que produz tamanha riqueza e, como demonstro adiante, se envereda pelas fronteiras mais intangíveis da ciência e da tecnologia?

Para Teboul, o dinamismo do Terciário deve ser esmiuçado identificando-se as diversas categorias de serviços. Para o autor, existem seis categorias de serviços, cada uma com características muito distintas, funções específicas - tanto na produção, quanto na circulação das mercadorias - e, o que é fundamental, muitas delas demandantes de trabalho complexo; são elas: serviços comercializados, serviços dentro das empresas, serviços à empresa, serviços pessoais, serviços distributivos e serviços não-comercializados ou serviços públicos. Em quase todas as categorias, a distinção entre a produção e a circulação das mercadorias é pouco perceptível, uma vez que as atividades se interpenetram (TEBOUL, 2006).

O autor utiliza-se do exemplo da comparação entre uma indústria automobilística e um restaurante; a primeira empresa é pertencente a Secundário e a segunda, ao Terciário. Para funcionar a contento, a indústria automotiva depende de uma gama de serviços como a logística e as vendas; até mesmo algumas atividades executadas internamente à empresa e pela sua própria mão-de-obra - como a manutenção dos equipamentos, por exemplo - são serviços interiores à empresa. Mesmo depois da produção consumada, para satisfazer os consumidores, os automóveis produzidos necessitam de uma rede de serviços composta por revendedores, seguradoras e oficinas de manutenção. No caso do restaurante, embora a atividade seja considerada um serviço, ele não funcionaria sem a existência de uma unidade de produção, ou seja, a cozinha. Para Teboul:

A distinção entre o setor industrial e o de serviços é, em grande medida, irrelevante. Claramente, estes dois setores evoluem de modo simbiótico: os serviços não podem prosperar sem um setor industrial poderoso, e a indústria é dependente dos serviços (TEBOUL, 2006, p.13).

Assim considerando, longe de classificar categorias precisas, o esquema trisetorial é um não-conceito, uma vez que não consegue delimitar, categorizar ou tipificar com exatidão toda a gama de atividades que envolve a produção e a circulação da riqueza. Nesse sentido, não parece metodologicamente correto o fato de boa parte dos estudos sobre o trabalho se amparar nessa inexatidão das Ciências Econômicas, relegando o trabalho praticado no Terciário a uma subcategoria laboral.