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Capítulo 5. A constatação da qualificação resignada Um balanço sobre a má

2.4. A qualificação para além da indústria

Na introdução desse capítulo foram lançadas algumas interrogações que, embora à primeira vista possam parecer fora de propósito, têm a ver com os rumos que o mundo do trabalho tomará doravante e que, portanto, nortearam o debate até aqui travado. As conclusões apresentadas, a seguir, além de ser uma resposta às perguntas colocadas, também poderiam subsidiar as possíveis e retardatárias atitudes do governo brasileiro com duas finalidades: (i) replanejar os sistemas educacional e de formação profissional e; (ii) implantar uma agenda nacional em prol do desenvolvimento econômico e social, de modo a que o país possa aproveitar-se das oportunidades postas pela atual fase de transição do capitalismo.

Respondendo à primeira pergunta - referente à profundidade da divisão do trabalho implantada pelas técnicas japonesas de produção e os seus impactos sobre a qualificação da força de trabalho - a visita aos inúmeros estudiosos permite sustentar que: (i) tudo leva a crer que o sistema industrial japonês contém um nível muito mais pronunciado de reunificação de tarefas que o taylorismo-fordismo, o que lhe confere a virtude relativa de utilizar trabalho mais enriquecido e qualificado; (ii) a capacidade do sistema em empregar as tecnologias modernas ao processo produtivo tem um peso destacado no seu desempenho; (iii) o nível mais pronunciado de reunificação de tarefas, emprego de tecnologias mais sofisticadas e, primordialmente, a transferência da centralidade da produção do posto de trabalho para o processo permitem ao sistema operar com níveis mais elevados de qualificação da força de trabalho, confirmando a atualidade da tese da sociologia do trabalho francesa sobre o papel da tecnologia e da divisão do trabalho na qualificação dos operadores; (iv) as técnicas japonesas de produção, em hipótese alguma, sinalizam para o fim da divisão do trabalho, tendo em vista que o sistema ainda contém mais incógnitas que certezas; (v) em virtude da sua conflituosidade, é muito provável que o chamado modelo japonês seja apenas um elo transitorial entre o taylorismo-fordismo e uma nova forma de

produção ainda por consolidar-se, com o desenvolvimento do capitalismo e; (vi) se algum exemplo deve ser buscado pelo Brasil nas práticas japonesas, ele consiste na política industrial praticada pelo MITI. Todavia, a conclusão máxima dessa reflexão é que, não é nas técnicas japonesas de produção e nem na indústria, tão-somente, que o estudo sobre a qualificação da mão-de-obra deve debruçar-se a fim de identificar as novas tendências de prática de trabalho enriquecido e as demandas por habilidades mais elevadas.

Quanto à segunda interrogação - relativa ao tensionamento que a revolução científica e tecnológica exerce sobre a organização do trabalho e, especialmente, sobre a qualificação dos trabalhadores - creio que, independentemente do termo empregado para qualificá-las, não há como ignorar que as inovações afloradas ao final do século XX configuram o início de uma grande transformação. Se, por um lado, as mudanças levadas a efeito nos sistemas industriais aliadas à coexistência das antigas bases energética e de transportes ainda não são sintomáticas ao ponto de reivindicarem o status de revolucionárias, por outro, a evolução microeletrônica e o desenvolvimento dos sistemas de comunicação tendem a autorizar o emprego da terminologia um novo estágio de acumulação, ainda que sob o condicionante do seu caráter inaugural.

Tudo leva a crer que haverá uma ruptura da ordem econômica para com as velhas fontes energéticas do industrialismo, especialmente, para com os combustíveis fósseis, sendo que três fatores conjugam-se para transformar essa afirmação num axioma: (i) a crise ambiental que exige um modelo de desenvolvimento sustentável; (ii) os sinais emitidos pelas economias centrais sobre a renovação da matriz energética e; (iii) a análise sobre o processo do desenvolvimento capitalista, a qual revela que as grandes transformações nos planos da tecnologia e dos processos de trabalho foram acompanhadas por mudanças da matriz energética.

Em relação à terceira pergunta - sobre o fato de ser ou não metodologicamente correto continuar analisando a qualificação profissional a partir das demandas ensejadas pelo trabalho industrial - concluo que, além de ser o responsável por gerar 50,7% da ocupação e por 64% do PIB brasileiros, em 2008, - e muito mais que isso nas economias desenvolvidas - o Terciário requer, crescentemente, o uso de trabalho mais qualificado, consistindo num novo espaço de reprodução, tanto de antagonismos, como também da

riqueza; portanto, ele é merecedor de uma atenção especial por parte da sociologia do trabalho. Creio que os argumentos de Teboul (2006), Rifikin (2001), Baethge e Oberbeck (1996) Paiva, Potengy e Chinelli (1997) e de Iribarne (2005) não deixam pairar dúvidas sobre essa questão. Com efeito, o estudo desenvolvido nos Capítulos 3, 4 e 5 procura identificar em que grau o trabalho praticado no Setor de Serviços tem merecido a atenção que lhe é devida por parte do sistema de formação profissional, porém crassamente ignorada por boa parte dos estudos sobre o mercado de trabalho.

Finalizando, esse capítulo contribuiu para a compreensão de que: (i) a economia do Século XXI será mais limpa e sustentável uma vez que a produção da riqueza se apoiará, crescentemente, nas tecnologias sofisticadas, sendo que a qualificação da força de trabalho ocupará uma centralidade – juntamente à Pesquisa & Desenvolvimento – nos planos estratégicos dos países com aspirações a protagonizar a história; (ii) ainda que, no momento, não se tenha um modelo industrial muito bem definido para a substituição do taylorismo-fordismo, as tendências atuais sinalizam para um trabalho cada vez mais enriquecido pelo emprego da tecnologia e pelo reagrupamento das tarefas, demandando, conseqüentemente, mais qualificação da força de trabalho; (iii) o crescimento do Terciário continuará a desbancar a indústria como o grande protagonista na geração do emprego, sendo que o fato inusitado é que ele passa a demandar níveis cada vez mais elevados de qualificação profissional, requerendo uma atenção mais meticulosa por parte dos estudos sobre o trabalho e; (iv) como todo momento de grandes disrupções, a atual conjuntura econômica, política, científica e tecnológica constitui uma janela de oportunidades para as economias emergentes, ao mesmo tempo em que pode se consumar uma ameaça para as economias centrais, sendo que ao final dessa transição, alguns países terão sabido tirar proveito da situação, enquanto outros terão sucumbido pelo fato de não se aterem aos novos parâmetros em que o desenvolvimento e a competitividade se assentam.

Apresentadas as circunstâncias conjunturais dessa encruzilhada do desenvolvimento capitalista, em especial, os tensionamentos de ordem econômica, política, científica e tecnológica que incidem sobre a organização do trabalho, e retomando o curso do objetivo central desse inquérito, passo à investigação sobre como o Brasil se prepara a fim de enfrentar os desafios postos pela nova dinâmica de acumulação, em especial, qual é a sua

estratégia para a qualificação da força de trabalho, tendo em vista dar suporte à sua aspiração em projetar-se no cenário internacional como uma potência. Assim, perseguindo a esse intento, dedico os Capítulos 3, 4 e 5 à análise do sistema de formação profissional brasileiro.

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A opulência da sua arquitetura lembra mais Manhattann que o Brasil, mas por trás da aparente modernidade o conservadorismo grassa; é ali, na Avenida Paulista, em São Paulo, que o coração financeiro do Brasil pulsa e é no no1.313 que funciona a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Foi dali que, durante toda a década de 1980, uma linha telefônica conectada ao Palácio dos Bandeirantes funcionou ininterruptamente, exigindo do governo de São Paulo a repressão às greves dos metalúrgicos da Região do ABC; do mesmo local, nos anos 1980, também partiu a orientação para a dispensa em massa de trabalhadores; daquele endereço, em meados dos anos 1980, segundo os jornais da época, o presidente da instituição, Bueno Vidigal, teve a inspiração para produzir balanços patrimoniais maculados de uma das suas empresas - a Cobrasma, à beira da concordata - projetando vendas míticas e lucros fictícios, enquanto promovia a expansão do capital da companhia com a venda das suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo.

Mesmo se proclamando representante das indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp fala em nome da parcela mais retrógrada do empresariado; as companhias genuinamente dinâmicas - como a Embraer e as montadoras automotivas instaladas no Brasil após 1990, dentre tantas – ao que tudo indica, não se importam com o que ocorre por lá; comprovadamente, as pequenas e médias empresas pouco se vêem representadas pela instituição. Historicamente, a Fiesp sempre foi presidida por empresários de indústrias processadoras de baixa transformação; não obstante, ela exerce uma grande influência sobre a Confederação Nacional da Indústria (CNI), tentando projetar para o plano nacional o pensamento da parcela mais reacionária do empresariado paulista.

Para a pedagogia, é oportuno questionar se uma instituição com uma aura tão belicosa teria o desprendimento espiritual necessário a fim de ministrar a educação profissional para os novos tempos. Malgrado, é da Avenida Paulista, distante do mundo concreto do trabalho e da produção, que o destino do Senai tem sido traçado por alguns clãs de produtores de commodities.

Esse capítulo persegue a resposta para a seguinte pergunta: qual é a capacidade das instituições de formação profissional do Sistema S em responder aos desafios impostos pela nova dinâmica de acumulação, contribuindo - por meio da elevação substancialmente qualitativa e quantitativa da qualificação da força de trabalho - para que o Brasil tenha uma projeção mais soberana nas relações internacionais de troca, melhorando a sua chance de ascender ao mundo desenvolvido?

No primeiro tópico, analisando o período de 1990 a 2007, é investigado o comportamento dos Sistemas Nacionais de Aprendizagem durante a reconversão da economia brasileira, tentando compreender até que ponto as Confederações Patronais - especialmente a CNI – atentaram para o fato de que o Brasil se inseria numa nova fase da economia mundial e que, portanto, outra atitude deveria ser adotada no que concerne à elevação da qualidade da mão-de-obra. Inicialmente, são apresentadas as vãs tentativas por parte da CNI em legitimar-se socialmente, ao mesmo tempo em que não perder a contribuição compulsória lhe transferida pelas empresas para que ministre a formação profissional. Na seqüência, é apresentada a ofensiva governamental sobre o Senai e o Senac, quando, constatada a sua ineficiência face às demandas, o Ministério da Educação (MEC) tentou expropriar-lhes os recursos oriundos da contribuição compulsória e impor- lhes parâmetros de qualidade e de inclusividade.

No segundo tópico, o Senai, Senac, Senat e Senar são analisados individualmente, tentando identificar as suas percepções no que tange à: (i) tendências atuais de racionalização produtiva e tecnológica sobre as quais se assentam os novos parâmetros da produtividade e competitividade; (ii) contribuição em qualificar a força de trabalho para o desenvolvimento do sistema produtivo brasileiro e; (iii) instrumentalidade prestada à mobilidade social. A análise dos seus Relatórios Anuais de 2007 revela que, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do qualitativo, a qualificação ministrada pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem não se inscreve nos parâmetros sobre os quais se assentam a nova dinâmica produtiva, especialmente aqueles em consolidação na União Européia. Na forma como se encontram, as instituições pouco contribuem para dotar a força de trabalho de perícias superiores e uma avançada capacidade de agregação de valor às mercadorias,

muito menos preservam o caráter de instrumento de mobilidade social que possuíram no passado.

A conclusão mor desse capítulo é que, por serem demasiadamente influenciadas pelas Confederações Patronais e herdarem o seu conservadorismo e a sua incapacidade em decifrar os horizontes, as instituições de formação profissional do Sistema S51 têm pouquíssima percepção sobre a encruzilhada econômica, produtiva e tecnológica que se prosta no caminho do desenvolvimento brasileiro, não reunindo, portanto, condições de prestar um tributo para que o Brasil rompa com muitos dos obstáculos que o impedem de se alçar ao capitalismo central. Outra conclusão que o estudo aqui empreendido suscita é que, embora a experiência internacional demonstre haver racionalidade na gestão empresarial sobre a qualificação profissional, a reaproximação simbiótica entre a produção e a circulação de mercadorias faz com que a existência de Serviços Nacionais de Aprendizagem setorializados perca o sentido, sinalizando, ainda, que a fusão do Senai, Senac, Senat e Senar, assim como a submissão dessa nova estrutura a novos parâmetros de competitividade, produziriam efeitos muito mais positivos para uma elevação da qualidade da força de trabalho brasileira.

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O chamado Sistema S é constituído por onze entidades, a saber: entidades subordinadas à Confederação Nacional da Indústria (CNI): Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); entidades subordinadas à Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC): Serviço Social do Comércio (Sesc) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); entidades subordinadas à Confederação Nacional do Transporte (CNT): Serviço Social do Transporte (Sest) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat); entidade subordinada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA): Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Também há o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), este último, subordinado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao longo deste inquérito, freqüentemente, o termo instituições de formação profissional do

Sistema S é utilizado, referindo-se a todas as instituições denominadas como Serviço Nacional de