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Capítulo 5. A constatação da qualificação resignada Um balanço sobre a má

3.1. Os Serviços Nacionais de Aprendizagem e a reestruturação produtiva

3.1.2. A investida governamental contra o Senai e o Senac

adicional na qualificação dos seus recursos humanos uma prática corrente, 12% investiam acima de 1% do seu faturamento bruto, enquanto que 88% investiam abaixo desse percentual.

Resumindo os tensionamentos sofridos pela CNI durante a reestruturação da indústria brasileira, é possível concluir o que segue; a CNI: (i) não possuía e, ao que tudo indica, ainda não possui uma clara percepção sobre as transformações que se abatem sobre o capitalismo internacional e repercutem na economia brasileira; (ii) como atestam os seus inúmeros planejamentos estratégicos sem aplicação prática, as suas ações são imediatistas e desconexas da observação rigorosa das novas demandas que emergem da indústria; (iii) o seu comportamento mais se assemelha ao reflexo condicionado pavloviano, sendo que as suas ações só ocorrem quando a instituição sofre algum tipo de pressão e; (iv) a intenção dos líderes patronais em preservar o status e o poder prepondera nas suas ações, sendo que a reais necessidades das empresas parecem escapar-lhes à compreensão.

3.1.2. A investida governamental contra o Senai e o Senac

Roberto Mange não testemunhou a instrumentalidade que o Senai prestaria à industrialização brasileira; caso a tivesse presenciado, talvez, se desse por realizado, ao constatar que a eficácia das suas formulações projetou a indústria para além da visão torpe da burguesia paulista, possibilitando ao Brasil, inclusive, figurar economicamente entre os dez principais países do mundo, nos anos 198058. Entretanto, se no presente momento ele ainda permanecesse em vida, provavelmente desaprovasse a disputa de interesses à qual as duas principais instituições de formação profissional do Sistema S foram submetidas, à revelia dos reais anseios de modernização da estrutura produtiva nacional frente aos desafios do Século XXI.

A preocupação da CNI em relação a um possível confisco governamental da contribuição compulsória não era infundada. Aproveitando-se da fragilidade das

58 O trabalho de Bryan (1983) demonstra o quanto o Senai foi útil à industrialização, analisando dois

proposições patronais para a reestruturação do Senai e do Senac e, acima de tudo, do fraco desempenho do conjunto das instituições de formação profissional no tocante à oferta de vagas gratuitas, em Março de 2008, o Ministério da Educação (MEC) – com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - elaborou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que foi apresentada à Câmara dos Deputados sob o no295/08 pelo deputado André Vargas (PT-PR), cujo objetivo era a criação do Fundo Nacional do Ensino Técnico e Profissionalizante (Funtep).

Na proposição da PEC, dos 2,5% incidentes sobre a folha de pagamento de arrecadação compulsória que as empresas transferem atualmente às Confederações Patronais para o financiamento dos sistemas de formação profissional e dos serviços sociais, 1,5% seria desviado para o Funtep, ficando as confederações com apenas 1%, destinado ao financiamento das instituições de serviço social como o Sesi, o Sesc e o Sest59. Em termos práticos, isso significaria confiscar cerca de R$3,2 bilhões das Confederações Patronais, transferindo-os para o novo Fundo. Sob o gerenciamento do MEC, além dos recursos oriundos da contribuição compulsória, o Funtep também receberia aportes de mais fontes de arrecadação, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), PIS-Pasep e outras. Desse modo, o Senai, Senac, Senat e o Senar passariam a depender das transferências realizadas pelo Funtep, devendo, para tal, se adequar aos parâmetros de qualidade e de inclusividade social impostos pelo MEC.

Em resposta, a CNI elaborou, às pressas, outro documento sobre a função social e as virtudes da instituição educacional (CNI, 2008a), no qual, além de reapresentar as metas formuladas em 2007, também tornou de domínio coletivo o desempenho do Senai naquele ano, tentando convencer a opinião pública sobre o dinamismo da instituição de formação profissional. Conforme tenta demonstrar a CNI, em 2007, o Senai teria qualificado cerca de 2,1 milhões de pessoas, sendo que, desse total, 51% cursaram gratuitamente, fazendo jus às

59 Até então, dos 2,5% de recolhimento compulsório sobre a folha de pagamento das empresas, 1,5% era

destinado aos sistemas de serviços sociais (Sesi, Sesc e o Sest), enquanto que 1% ia para os sistemas de formação profissional (Senai, Senac, Senat e o Senar). A despeito de a menor parte do recolhimento ser destinada à qualificação profissional, a CNI admitiu que uma parcela do 1% destinado ao Senai era por ela retida para outras finalidades (CNI, 2006a, p.30).

funções sociais da contribuição compulsória e ao espírito de inclusão social que o MEC lhe cobrava60.

Paralelamente à divulgação do quadro de matrículas, a CNI também publicou o quadro de receitas do Senai; nele é possível observar que, em 2007, a contribuição compulsória aportou na instituição R$ 1,41 bilhão, consolidando 63% da sua receita total. O cruzamento da tabela Distribuição das matrículas no SENAI, em 2007, por modalidade de ensino e gratuidade - apresentada no início do segundo tópico desse capítulo - com as receitas do Senai em 2007 (IPEA, 2008a) comprova a existência de desvio de finalidade na oferta de vagas pela instituição; pois, enquanto os recursos oriundos de arrecadação pública totalizavam 63% da receitas, as vagas gratuitas ocupavam apenas 51% do montante das matrículas. Como exposto adiante, o acordo firmado entre o MEC, CNI e a CNC para a ampliação das vagas gratuitas do Senai e do Senac para 66,6% do total das vagas, de certo modo, ancora-se na participação da contribuição compulsória no total das receitas.

Como se pode observar, o argumento da CNI sobre a competência do Senai é de fácil desconstrução, porque os números apresentados não possibilitam a conformação de uma base argumentativa de alguma solidez, sendo que a instituição patronal foi, deveras, inábil, não conseguindo montar uma estratégia eficaz para neutralizar o argumento do MEC. No ápice do debate, houve uma profusão de opiniões favoráveis e contrárias à intervenção do MEC no Sistema S, enquanto a propaganda paga pela CNI invadia os principais veículos de comunicação, tentando cooptar a opinião pública à sua causa.

Dentre os muitos apelos contrários à intervenção, aquele feito pelo empresário A. Ermírio de Morais, talvez, seja o mais sintomático no sentido de chamar a atenção para o simbolismo existente na relação entre Lula e o Senai. O empresário cobrou do Presidente da República mais consideração para com o Senai porque, sendo a formação de torneiro mecânico - ministrada pela instituição - a sua maior titulação e passaporte para o seu emprego na indústria, o Senai seria um instrumento importante para a sua mobilidade social, sendo que, se Lula é o que é hoje, em grande parte, ele deve isso àquela instituição (MORAIS, 2008).

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Mas, enquanto a CNI e a Fiesp não possuíam argumentos palpáveis para manutenção dos aportes compulsórios sob o seu domínio, a contra-ofensiva mais potente foi impetrada, de modo individual, por J. Pastore, quando, em vez de apenas defender o Senai, também atacou o MEC na sua fragilidade mais aguda. Em artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo, em 01 de Abril de 2008, intitulado Profissionalizar não é para amadores (PASTORE, 2008), o sociólogo pergunta: como é possível o MEC interferir na educação profissional para imprimir-lhe a primazia, quando ele não consegue, sequer, impor qualidade nas modalidades educacionais que, constitucionalmente, são da sua responsabilidade? Prosseguindo, sugere Pastore, que os amadores do MEC não têm a menor condição moral e profissional para opinar sobre a profissionalização. Os dados sobre o sistema educacional brasileiro corroboram o argumento de Pastore, não autorizando o Ministério a cobrar muita coisa do Senai e do Senac; a pretensa competência do MEC foi apurada por meio do Project for International Student Assessment (Pisa), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), confirmando a educação brasileira nas últimas posições dentre os países avaliados. Mas, apesar de Pastore ter razão nesse aspecto, ele se equivoca quando diz que o Senai é um centro de excelência a ser preservado na sua forma atual.

Por outro lado, considerando-se que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foi um aliado incondicional do MEC na tentativa de confisco, também é oportuno questionar sobre a sua autoridade para cobrar resultados das Confederações Patronais, uma vez que ele: (i) não propôs uma reforma do sistema de relações de trabalho, a fim de eliminar as brutais disparidades que segregam os trabalhadores brasileiros; (ii) atua sistematicamente para a manutenção da contribuição compulsória aos sindicatos únicos de trabalhadores, contrariando o espírito das recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT e; (iii) mantém sob a sua tutela o Plano Nacional de Qualificação - PNQ, que pouco tem contribuído para a melhoria da capacidade operativa da força de trabalho brasileira.

Ao final desse capítulo, é apresentada uma síntese sobre as instituições de formação profissional do Sistema S, demonstrando o quanto elas estão longe de atender às demandas requeridas pelo sistema produtivo e, principalmente, como não conseguem mais ser o instrumento do desenvolvimento e da mobilidade social, tal como foram no passado. Nesse