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A dialética hegeliana e a consolidação Ontológico-Metafísica no sistema

CAPÍTULO I: O DEBATE ONTOLÓGICO-METAFÍSICO NA PASSAGEM DO SÉCULO XVIII PARA O

6. A ligação ontológico-metafísica com Hegel

6.1. A dialética hegeliana e a consolidação Ontológico-Metafísica no sistema

A dialética parte da consideração de que o conhecimento é a expressão sistemática do Absoluto, apontando, nesse sentido, o espírito como o resultado dialético de toda oposição no interior do sistema. A consciência é assim a forma pela qual esse desdobramento da oposição no

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interior do sistema aparece, cabendo à Fenomenologia do Espírito percorrer o caminho da consciência como construção do sistema e revelando na análise da forma de sua manifestação fenomênica o verdadeiro processo dialético de sua constituição e formação como síntese. Em suma, a exposição da dinâmica do espírito no interior do sistema revela a forma geral de manifestação do Absoluto no finito, de maneira que percorrer em análise essa formação e dinâmica culmina verdadeiramente na consagração geral do sistema ou na ciência posta como “filosofia desenvolvida como sistema total do saber”. O caminho que parte da exposição geral do espírito para a consagração de uma visão geral do sistema enquanto saber deve ser o fim de toda a exposição filosófica, e, para Hegel, o conteúdo exposto mesmo como saber, como desdobramento do espírito, anuncia a forma geral, o sistema que é a manifestação no conhecimento do Absoluto. Aqui se ultrapassa o limite da Crítica kantiana e, assim como Schelling havia feito mediante a intuição, torna possível um conhecimento do Absoluto, na medida em que ele mesmo, como coisa em si, é idêntico ao conteúdo sistemático em seu desdobramento no espírito.

Hegel começa a exposição da sua Fenomenologia do Espírito pela consciência, determinando como, a princípio, no sistema se põe o objetivo, a certeza sensível, que é também a colocação da consciência como determinador do que é posto concretamente. A imediatez da certeza sensível, que emerge naturalmente da própria colocação da consciência, aparece como a coisa mais certa e se estende para tudo o que figura então no interior da consciência mesma. A verdade revelada pelo empírico é assim a mais imediata consideração da manifestação sistemática do mundo, entretanto, como o sistema mostrará, é igualmente a “mais abstrata e mais pobre” (HEGEL, 2008, p. 85) entre as certezas no sistema.

No pôr do concreto, este é posto como o simples existente, como a coisa nela mesma, de modo que a consciência é só o que a percebe, e nunca o que a produz, ou seja, o objeto assume nesse ponto o caráter essencial, enquanto a consciência aparece, ela mesma, como inessencial ou acidente da matéria em geral. Toma forma aqui uma consideração do mundo como concreto; mas nesse tomar forma e na consideração do mundo mesmo como matéria está implícito um universal que é próprio do saber, e que, em geral, não está em parte alguma da matéria. A universalidade requerida à materialidade do mundo reverte para a consciência a primazia ou essência, uma vez que o enunciado de um tal universal só o é pela existência da consciência, de um Eu que expande o particular da certeza sensível ao universal da razão. É a passagem para o conceito de matéria,

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visto que a universalidade do concreto foi aqui exprimida por uma designação geral, reagrupando os particulares e concebendo o mundo mesmo como material. Desse modo é que aquilo que aparece como a certeza mais imediata e plausível, a certeza sensível, é sempre condição de um conceituar em geral, logo, do saber expresso pela existência da consciência.

Comparando a relação, em que o saber e o objeto surgiram primeiro, com a relação que estabelecem, uma vez chegados a esse resultado, [vemos que] a relação se inverteu. O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial da certeza sensível: isso porque o universal, no qual o objeto se tornou, não é mais aquele que deveria ser essencialmente para a certeza sensível; pois ela agora se encontra no oposto, isto é, no saber que antes era o inessencial. Sua verdade está no objeto como meu objeto, ou seja no ‘visar’ [meinem/Meinen]: o objeto é porque Eu sei dele. Assim, a certeza sensível foi desalojada do objeto, sem dúvida, mas nem por isso foi ainda suprimida, se não apenas recambiada ao Eu. (HEGEL, 2008, p. 88-89)

Redirecionada ao Eu, a essência da certeza sensível deveria estar centrada nele, mas não está. A colocação da certeza sensível pelo Eu, a consideração universal, não dissolve a particularidade, a especificidade que caracteriza as distinções no interior do sistema, a certeza sensível não encontra a essência de sua manifestação sistemática no Eu. Isso ocorre porque qualquer definição imposta pelo Eu esbarra na impossibilidade de determinar a priori o conteúdo mesmo da certeza sensível, acarretando assim uma contradição com a afirmação de que reside nela sua essência, ou que o Eu mesmo se basta. De fato, uma proposição qualquer torna isso evidente, já que todo pôr em conceitos recorre impreterivelmente a um particular, a um objeto que é considerado e abstraído enquanto universal no conceito. Por isso todo o determinar é também consideração do objeto, que agora deveria aparecer como inessencial e, portanto, poder ser excluído da série sistemática sem prejuízo do sistema mesmo. Isso não ocorre e a resposta de Hegel é a consideração da certeza sensível como a manifestação de uma síntese em geral do sistema, de modo que a contradição que lhe é inerente pela exclusiva consideração do objeto ou do Eu é então suprimida.

A certeza sensível experimenta, assim, que sua essência nem está no objeto nem no Eu, e que a imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que ‘viso’ em ambos é, antes, um inessencial. Ora, o objeto e o Eu são universais: neles o agora, o aqui, e o Eu – que ‘viso’ – não se sustêm, ou não são. Com isso chegamos a [esse resultado de] pôr como essência da própria certeza sensível o seu todo, e não mais apenas um momento seu – como ocorria nos dois casos em que sua realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois o Eu.

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Assim, é só a certeza sensível toda que se mantém em si como imediatez, e por isso exclui de si toda a oposição que ocorria precedentemente. (HEGEL, 2008, p. 89-90)

A consideração de uma dialética como expressão do sistema começa a se edificar e aparecerá como fórmula geral de exposição da filosofia de Hegel, caminhando sempre da afirmação para sua negação ou antítese até chegar à síntese geral integradora. Essa dialética será a característica do sistema e a expressão nele da unidade da realidade.

Seguindo nessa apresentação do sistema dialético, Hegel trata da oposição entre o percebido e o que percebe, expondo assim a contradição entre o objeto e a consciência que o percebe. O objeto é o movimento mesmo, na verdade o objeto é, com relação ao movimento, “seu Ser-reunido-num-só”, isto é, o agrupamento de todos os momentos na coisa. Independente do percebente, o objeto é, primeiramente, considerado o essencial na relação com aquele que o percebe, sendo este último o inessencial. O objeto, considerado como essencial deve ser igual a si mesmo, posto que se basta enquanto essência; logo, deve agrupar toda a diversidade, constituindo-se como universal e, desse modo, ser negação de si mesmo como objeto em particular. A consciência nessa relação aparece como “pura apreensão” da verdade da coisa mesma. No entanto, nessa apreensão pura, a consciência considera desigualdades no objeto que só podem, pelo caráter inessencial de si mesma, ser atribuídas a ela consciência. Dessa forma, quando considera o objeto como movimento e, enquanto tal, dado sempre como relação com um outro, admite, na consideração de uma igualdade do objeto a si mesmo (já que é essencial), que este objeto mesmo é um Uno, no qual os objetos aparecem reunidos em relação mútua. Entretanto, a relação mútua compreende diversidade e, nesse sentido, falta de unidade ou afirmação do objeto como elemento singular. Segundo Hegel:

Agora essa determinidade – que constitui o caráter essencial da coisa, e a diferença de todas as demais – se determina assim: por ela a coisa está em oposição às outras, mas nessa oposição deve manter-se para si. Porém somente é coisa – ou Uno para si essente – enquanto não está nessa relação com as outras, pois nessa relação o que se põe é antes a conexão com o Outro; e a conexão com Outro é o cessar do ser-para-si. Mediante o caráter absoluto, justamente, e de sua oposição, ela se relaciona com outras, e, essencialmente, é só esse relacionar-se. A relação porém é a negação de sua independência, e a coisa antes desmorona através de sua propriedade essencial. (HEGEL, 2008, p. 104)

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Aqui a consciência é mais do que simplesmente perceber e retorna a ela a consideração do ser sensível como um “visar”, um “opinar”. Há uma reflexão do apreendido como objeto e sua verdade é agora a supressão da diferença pelo caráter integrador da consciência, que retorna como percebente e reinsere no objeto apreendido, percebido, a unidade requerida e a supressão da contradição geral que resulta da consideração independente do objeto. “A consciência entra de verdade no reino do entendimento” (HEGEL, 2008, p. 105), justamente porque parte da apreensão e reagrupa em unidade sem contradizer a necessidade do objeto de ser para outro em sua relação como ser sensível. O entendimento apazigua essa contradição e se mostra como o ir do objeto à consciência e o suprassumir de sua determinidade, exatamente o que dificultava a sua consideração como Uno, retornando ao objeto como se este fosse a verdade por ela mesma e independente da consciência.

O entendimento percebente não chega à consciência de que tais essencialidades simples são as que nele dominam; mas acredita estar lidando sempre com matérias e conteúdos perfeitamente sólidos – assim como a certeza sensível não sabe que a abstração vazia do puro ser é sua essência. Mas, de fato, é através dessas essencialidades que o entendimento percebente percorre e traça a matéria e todo conteúdo; são elas a conexão e a dominação desses. Só elas são para a consciência o que o sensível é como essência – o que determina as relações da consciência para com o sensível, e donde procede o movimento do perceber e do seu verdadeiro. (HEGEL, 2008, p. 106)

Nesse processo que vai do objeto à consciência e retorna ao objeto está a colocação do objeto como conceito, embora a consciência mesma não se ponha como conceito, visto que ainda ignora esse caráter de mediador na colocação geral do objeto como coisa existente. Ou seja, a consciência se introduz na dimensão objetiva e permite o reflexionar dessa objetividade, de tal maneira que o resultado suprassumido e sintetizado apareça para consciência desfeita de seu papel reflexivo. Temos que o ser sensível aqui é posto como “Universal incondicionado”, já que, nesse momento, não é considerado como posto ou produzido, nem mesmo refletido, pela consciência, mas sim existente como coisa autônoma ou “ser para si” mesmo. Entretanto, esse ser para si só o é, como vimos, na medida em que é dado em seu relacionar-se com outros, justamente o que caracteriza a matéria e seu movimento. A consideração dessa ambigüidade na independência do ser sensível só pode ser solucionada, como também vimos anteriormente, pela consciência, que aqui põe conceitualmente a unidade, mediante o entendimento, sem contradizer a diversidade, a multiplicidade e o movimento que caracterizam a forma e o conteúdo do ser

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sensível considerado como independente. O conceito de força exprimido pelo entendimento como coisa do mundo, como realidade material é na verdade o que permite, por um lado, a tomado como exteriorização pela “expansão das ‘matérias’ independentes em seu ser” e, por outro, o reagrupar dessa expansão em um único ponto, considerado como força “recalcada sobre si, ou força propriamente dita” (HEGEL, 2008, p. 110). Segundo Hegel (2008):

Quando nós mantemos os dois momentos em sua unidade imediata, então o entendimento – ao qual o conceito de força pertence – é o conceito propriamente dito, que sustém os momentos distintos como distintos, pois na força mesma não devem ser distintos; a diferença, portanto, está só no pensamento. Em outras palavras; o que acima foi estabelecido foi apenas o conceito de força, não sua realidade. (HEGEL, 2008, p. 110-111)

Aqui se esclarece porque em geral o Universal incondicionado, necessário à consideração da matéria como coisa independente, recai agora em “algo não-objetivo” ou jaz no interior da matéria; isso se dá precisamente porque a unificação geral dela consigo mesma se dá pela consideração da força “recalcada” ou “força propriamente dita”, exprimindo-se assim por essa interioridade que não é propriamente a matéria em expansão. Hegel mostra, no entanto, que essa consideração da força como o Universal incondicionado deve ser abandonada, na medida em que a força é ela mesma a integração geral, conceitual, da contradição que envolve a consideração da matéria como coisa independente. Nisso se exclui por completo a sua colocação como fonte de toda a expansão ou ponto central de unificação, visto que é só a mediação por conceito, por pensamento (pela consciência), dessa dualidade no considerar da matéria mesma como ser-para- si. Doravante, a consciência mesma é ainda desconhecedora do conceito de si, de modo que a concepção de força é atribuída como coisa do mundo mesmo. Esse mundo é assim um desfazer, um “evanescente”, cuja consideração como fenômeno é extremamente apropriada, visto que designa esse conjunto objetivo tomado pelo entendimento. Nessa perspectiva, o fenômeno é o que transita, o movimento reconhecido como objetivo, logo, não é e não pode ser ele mesmo como um ser-para-si. A essência que se pretendia atribuir aqui ao mundo objetivo já não se sustenta e, desse modo, se coloca no além mundo a essência da realidade.

(...) agora, pela primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo aparente, um mundo supra-sensível como o verdadeiro. Patenteia-se sobre o aquém evanescente o além permanente: um Em-si que é a primeira, e portanto

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inacabada, manifestação da razão; ou seja, apenas o puro elemento, em que a verdade tem sua essência. (HEGEL, 2008, p. 116)

O supra-sensível é tomado então como para além do fenômeno. O “vazio” do supra- sensível é o estar para além da consciência, e por isso parece para ela inatingível. Inacessível, esse para além da consciência é agora o primeiro, a essência mesma, o fundamento geral da realidade, visto que o fenômeno, por si, já não se sustenta como ser para si. A questão é que o supra-sensível é a negação da efetividade do fenômeno como coisa em si, visto que a contradição geral só aparece na tomada do objetivo, do fenômeno enquanto ser-para-si. Logo, a admissão desse vazio como essência só faz sentido porque se desconhece de imediato que o entendimento, o interior, é o meio pelo qual a própria objetividade do mundo se tornou possível sem contradição. Vimos que o apaziguamento da contradição só acontece pela consideração da consciência; consciência esta que ainda não é consciente de si e, por isso, toma o fenômeno como se coisa em si fosse. Quando se elucida sua contradição pelo nunca ser, pelo movimento que contradiz a necessidade de ser-para-si, então se evoca o supra-sensível, o além mundo que deve então portar a essência que já não pode estar na esfera sensível. O supra-sensível é assim o reino das leis, a reunião das diferenças no universal, a solução das contradições do fenômeno no além mundo. No entanto, como sabemos da mediação pela consciência e do seu apaziguamento da contradição, sabemos da mesma forma que o supra-sensível é somente o fenômeno mesmo exposto em sua contradição consigo. O supra-sensível é assim a negação geral do sensível, logo, encontra sua essência justamente nele, contradizendo em geral a proposição de que deve ser a essência da realidade, posto que sua essência mesmo, enquanto ser, não está em si, mas no outro, no ser do fenômeno do qual é negação e que, por sua vez, também não é e não pode ser um ser- para-si.

Esse segundo mundo supra-sensível é dessa maneira um mundo invertido; e, na verdade, enquanto um lado já estava presente no primeiro mundo supra-sensível, é o inverso desse primeiro. Com isso, o interior está completo como fenômeno. Pois o primeiro mundo supra-sensível era apenas a elevação imediata do mundo percebido ao elemento universal; tinha seu modelo nesse mundo percebido, que ainda retinha para-si o princípio da mudança e da alteração. O primeiro reino das leis carecia desse princípio, mas [agora] o adquire como mundo invertido. (HEGEL, 2008, p.125-126)

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Cambia assim a afirmação da essência na oposição de seu contrário, de modo que para se afirmar como essencial põe o inessencial como seu oposto. Insolúveis isoladamente, fenômeno e supra-sensível confluem em síntese as contradições que não permitem chegar ao conhecimento ou estabelecimento da essência. A consciência media dessa maneira a relação ambígua entre o que se dá no interior do fenômeno, como conteúdo, como ser para um outro, e a Universalidade, como forma, requerida no ser-para-si. A infinitude é posta pelo suprassumir do particular no universal, como resolução geral do ser para um outro num ser-para-si. Nesse movimento dialético a consciência não é só o mero diferenciar de si com relação a um outro, considerado como coisa nele mesmo, mas o suprassumir desse outro no ser-para-si, logo, é a saída de si para um outro e seu retorno para si mesmo, aparecendo toda a desigualdade como igual para mim. Aqui, nesse movimento, a consciência avança para a consciência-de-si.

Enquanto esse conceito de infinitude é seu objeto, ela é pois consciência da diferença como de algo também imediatamente suprassumido: a consciência é, para-si-mesma, o diferenciar do não-diferenciado ou consciência-de-si. Eu me distingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este diferente não é diferente. Eu, homônimo, me expulso de mim mesmo; mas este diferente, este posto-como-desigual, é imediatamente, enquanto diferente, nenhuma diferença para mim. (HEGEL, 2008, p. 131)

Como é a consciência que apazigua a relação entre os opostos, a compreensão do apaziguamento é a compreensão da consciência; como a compreensão da consciência, ou de qualquer coisa, só pode ser dada pela consciência, a compreensão em geral de toda a oposição é consciência-de-si. Dito de outro modo, se ficou provado que toda a contradição só pode ser resolvida na consciência, e se chega aqui à compreensão dessa contradição, então, por suposto, compreende-se a consciência. Mas, devemos considerar ainda, aquilo que pode compreender em geral é só a consciência, portanto, compreender a consciência é tornar manifesta a compreensão da consciência por ela mesma, chamada então consciência-de-si, que é, assim, também a compreensão de toda a oposição.

A consciência como apaziguadora da contradição e de toda oposição é ao mesmo tempo o ser-para-um-Outro e o ser-para-si. A compreensão da consciência por ela mesma é então o caminho histórico, sistemático do apaziguamento de toda a contradição, da formação histórica da síntese. Isso ocorre porque a consciência-de-si é o tomar consciente da unidade e diversidade posta pela consciência, logo, é a expressão mesma de toda a contradição sintetizada. Nas palavras

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de Hegel: “A consciência-de-si se apresenta aqui como o movimento no qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem-a-ser para ela.” (HEGEL, 2008, p. 136- 137). Da mesma maneira que em Schelling a autoconsciência é expressa sistematicamente como a manifestação histórica do Absoluto, a consciência-de-si será para Hegel a realização histórica do sistema. A correspondência ontológico-metafísica entre a consciência-de-si e sua exposição sistemática (ou a síntese de toda contradição) é a exposição da essência como sistema, como história. Nesse sentido, afirma Hegel (2008), “Com a consciência-de-si entramos, pois, na terra pátria da verdade.” (p. 135)

Nesse seu manifestar sistemático histórico a consciência-de-si se põe fenomenicamente e aparece então como processo; o em-si e o ser-para-um-Outro se dividem na manifestação sistemática da consciência-de-si e, desse modo, “A fluidez universal simples é o em-si; a diferença das figuras é o Outro.” (HEGEL, 2008, p. 139). Mas como unidade ou síntese em geral a consciência-de-si é a passagem da fluidez universal ao ser-Outro e do ser-Outro ao ser para-si mesmo, expresso como movimento e consumação infinita, como desdobramento histórico infinito. Todo pôr da figura individual, particular, será assim, também, o pôr do todo, expresso como suprassumir de toda a individualidade; do mesmo modo, o pôr do todo será igualmente o pôr dos particulares suprassumidos. A consciência-de-si individual será assim um particular suprasumido no todo da consciência-de-si em geral, apresentando-se esse particular como se ele mesmo fosse todo e, desse modo, se diferenciando em Eu e objeto e, ao mesmo tempo, necessitando suprassumir, consumir a oposição em unidade consigo mesma. Expresso como desejo, essa será a busca pela incorporação do objeto ao Eu, a consagração geral da síntese, da unidade na consciência-de-si fenomênica. Tanto o Eu como o objeto (tomado como natureza) serão, em relação ao outro, um Outro-ser e, da mesma forma, aparecerão como ser-para-si, logo, serão ambos consciência-de-si individualizadas, que devem então se conformar sinteticamente no percurso histórico sistemático, reintegrando a consciência-de-si em geral, que nada mais é do que essa oposição em unidade, em síntese.