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O mundo como Vontade e a solução Metafísica de Schopenhauer

CAPÍTULO I: O DEBATE ONTOLÓGICO-METAFÍSICO NA PASSAGEM DO SÉCULO XVIII PARA O

7. Schopenhauer: uma resposta Metafísica singular no século XIX

7.2. O mundo como Vontade e a solução Metafísica de Schopenhauer

Na exposição da Vontade, é apropriado lembrarmos algo que aqui já foi dito, bem seja, que o corpo é objeto entre objetos, portanto representação entre representações, e, ao mesmo tempo, fonte de toda a representação, uma vez que delimita o universo de exposição da realidade via representação. Desse modo, a imediatez do corpo, como ponto de partida de toda a representação, é também a sua apresentação como representação, como objeto entre objetos. Aqui

a priori e posteriori estão ligados, visto que o corpo é tanto o limite geral de toda a representação

(logo um a priori com relação à representação mesma) quanto um objeto no conjunto de representações submetidas ao entendimento (dado como posteriori). Reconhecendo Schopenhauer que no próprio sujeito aquilo que se pode determinar como para além de sua limitação é somente sua Vontade, resta que o corpo, enquanto a priori, é essa Vontade,

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apresentada então como representação, como posteriori no conjunto de determinações do entendimento. Em uma palavra, é a “objetividade da Vontade”.

Se, com resistência interior, explanamos no primeiro livro o próprio corpo e os demais objetos deste mundo intuitivo como mera representação do sujeito que conhece, agora se tornou claro que na consciência de cada um há algo que diferencia a representação do próprio corpo de todas as demais, que de resto são totalmente iguais a ele. Noutros termos, o corpo se dá à consciência de um modo toto genere diferente, indicado pela palavra VONTADE. Precisamente esse conhecimento duplo que temos do nosso corpo fornece informação sobre ele mesmo, sobre seu fazer-efeito e movimento por motivos, bem como seu sofrimento por ação exterior, numa palavra, sobre o que ele é não como representação, porém fora disso, portanto EM SI. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 160-161)

Considerando que o corpo é objetivação da Vontade (Ideia), temos que essa Vontade é o fundamento de todo movimento e atividade do corpo; entretanto, como esta aparece no universo da representação, esse fundamento em si indeterminado mostra-se como inserido no conjunto das representações e, portanto, como determinado ou existindo em função de sua relação objetiva, fenomênica. Nessa perspectiva, o movimento involuntário do coração aparece na representação como relacionado à manutenção da ação vital, do fluxo sanguíneo no corpo; não de outro modo, as ações que impetramos pela consciência, mediante ligação das representações abstratas com representações intuitivas, guardam na execução um querer por motivos dados no fenômeno, como por exemplo o vestir-se e ir trabalhar para ganhar dinheiro. Toda a ação do corpo, em geral meramente sem fundamento na Vontade para além do fenômeno, aparece no fenômeno em relação com os fundamentos fenomênicos, em realidade como determinada por eles. Todo o querer posto na representação abstrata do homem é, nessa perspectiva, meramente manifestação da Vontade no fenômeno; significa isto que todo o propósito criado com as representações abstratas diz respeito sempre ao não fundamento na Vontade. A conformação das representações abstratas e das representações intuitivas na consagração da Vontade como ação no fenômeno se dá porque toda a representação abstrata se dá mediante o corpo, mediante o cérebro e as representações intuitivas com que lida no ato de perceber e conhecer. Como esse corpo é, ele mesmo, Vontade sem-fundamento objetivada (Ideia), inserida enquanto fundamento na ordem dos fenômenos, temos que o fundamento que apresenta só faz sentido aí, no universo das representações. Vemos, na sequência do raciocínio, que a representação abstrata, como cópia da

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intuitiva, é a manifestação abstrata do próprio corpo, nesse sentido, o que a pessoa é abstratamente, enquanto personalidade, está em associação com a objetivação da Vontade, enquanto corpo.

Desse ponto de vista, as partes do corpo têm de corresponder perfeitamente às principais solicitações pelas quais a Vontade se manifesta, têm de ser a sua expressão visível. Dentes, estômago, canal intestinal são a fome objetivada. Os genitais são o impulso sexual objetivado; as mãos que agarram e os pés velozes já correspondem ao empenho mais indireto da vontade que eles expõem. E, assim como a forma humana em geral corresponde à vontade humana em geral, assim também a compleição física do indivíduo corresponde à vontade individualmente modificada, ao caráter do indivíduo; compleição esta que, portanto, sem exceção, é em todas as partes característica e significativa. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 167)

A Vontade, assim reproduzida, faz conformar toda a atividade originalmente indeterminada, sem fundamento, com a esfera fenomênica do corpo; por esse caminho, chega também como determinação das representações abstratas, nas quais imaginamos agir livremente justamente pela dissociação feita enquanto cópia da representação intuitiva. No entanto, o homem não é o que é o para si enquanto mera representação abstrata de si mesmo, ou seja, ele é o que é, não o que pensa que é. Em termos de personalidade ou caráter o homem não é outra coisa que a expressão da Idéia como objetivação da Vontade (como veremos adiante) e, nesse sentido, embora possa ter como conjunto de sua ação uma esfera estrita e determinada, não é determinado por ela, visto que seu caráter é antes um grau de objetivação da Vontade, logo, contém em si todas as disposições de temperamento e volição que lhe são características. Dessa maneira, embora sua ação lhe pareça livre e indeterminada é, no essencial, meramente determinada pela Vontade objetivada nele. O fenômeno no qual ela se insere, assim, determina o inessencial da ação, ou seja, fornece o palco no qual atua a Vontade enquanto Idéia, mas, de modo algum, impera sobre a ação mesma. Não obstante, pensa ele possuir e ponderar motivos na ação e, desse modo, fundamentar suas ações pela representação intuitiva e abstrata, no entanto, temos que o que lhe parece atividade livre é, sob uma roupagem de fundamentos abstratos, apenas a atividade originária da Vontade sem fundamentos.

A natureza sem-fundamento da Vontade também foi efetivamente reconhecida ali onde ela se manifesta de maneira mais nítida como vontade do ser humano, tendo sido neste caso denominada livre, independente. Porém, para além da

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natureza sem-fundamento da Vontade, esqueceu-se da necessidade à qual o seu fenômeno está submetido e explicaram-se os atos humanos como livres, coisa que eles não são, já que cada ação isolada se segue com restrita necessidade a partir do efeito provocado pelo motivo sobre o caráter. Toda a necessidade, como já dito, é relação de conseqüência a fundamento, e nada mais. O princípio de razão é a forma universal de todo fenômeno. O ser humano em seu agir, como qualquer outro fenômeno, tem de estar submetido a ele. Entretanto, por ser a Vontade conhecida imediatamente, e em si, na autoconsciência, também se encontra nessa mesma consciência a consciência da liberdade. Contudo, esquece-se que o indivíduo, a pessoa, não é vontade como coisa-em-si, mas como fenômeno da Vontade, e enquanto tal já é determinada e aparece na forma do fenômeno, o princípio de razão. Daí advém o fato notável de cada um se considera a priori a si mesmo como inteiramente livre, até mesmo em suas ações isoladas, e pensa que poderia a todo instante começar um outro decurso de vida, o que equivaleria tornar-se outrem. No entanto, só a posteriori, por meio da experiência, percebe, para sua surpresa, que não é livre, mas está submetido à necessidade. Percebe que, apesar de todos os propósitos e reflexões, não muda sua conduta, e desde o início até o fim de sua vida tem de conduzir o mesmo caráter por ele próprio execrado e, por assim dizer, desempenhar até o fim o papel que lhe coube. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 172-173)

Temos de considerar, todavia, que a significação de Vontade proposta por Schopenhauer está para além da simples identificação de um querer abstrato do homem, mas se estende indefinidamente sobre toda a natureza como fundamento primeiro, como essência indeterminada de toda determinação, logo, como coisa-em-si. Essa Vontade não revela somente a maneira pela qual se torna objetiva em nós, mas, antes disso, como em geral toda a natureza é análoga ao que em nós reconhecemos.

Reconhecerá a mesma vontade como essência mais íntima não apenas dos fenômenos inteiramente semelhantes ao seu, ou seja, homens e animais, porém, a reflexão continuada o levará a reconhecer que também a força que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque de dois heterogêneos, que aparece nas afinidades eletivas dos materiais como atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em toda a matéria, atraindo a pedra para a terra e a terra para o sol, - tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si é para se reconhecer como aquilo conhecido imediatamente de maneira tão íntima e melhor que qualquer outra coisa e, ali onde aparece do modo mais nítido, chama-se VONTADE. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 168)

De acordo com Schopenhauer, vimos que no desafio filosófico devemos começar onde finda a ciência, no seu limite na adoção de pressupostos. A filosofia consiste, desse modo, em

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expor a realidade para além do princípio de razão e as representações de que se vale. Se levarmos em consideração a ciência da natureza, veremos que aquele limite do pressuposto é onde perfeitamente se aloja a Vontade como essência ou fundamento sem fundamento de toda a determinação no fenômeno. Schopenhauer identifica uma dupla via metodológica para a ciência da natureza: a primeira seria uma via morfológica, retida nas formas naturais, nas descrições das figuras, chamada, segundo ele inapropriadamente, de História Natural, matéria da qual se ocupa a zoologia e a botânica no reconhecimento de espécies, etc.; a segunda seria a via etiológica, retida na determinação de causa e efeito, ou seja, na articulação causal dos elementos naturais sob a forma de lei (trataremos de ambas no capítulo seguinte). Tanto uma como outra via não oferecem, na visão de Schopenhauer, uma exposição da essência dos fenômenos dos quais são ou mera apresentação descritiva da forma ou exposição de lei que mantém oculto o princípio ou pressuposto geral. Por exemplo, quando é exposta a lei de atração gravitacional, a gravidade mesma, enquanto força, mantém-se indeterminada, oculta como propriedade inexprimível, inalcançável pela lei mesma que, nesse sentido, é mera descrição do encadeamento de um pressuposto dado como existente. Como o limite do saber científico é justamente onde principia o saber filosófico, para Schopenhauer reside justamente nesse elemento indeterminado, nessa “força natural”, toda a essência então buscada pela filosofia. Esse elemento que se vê oculto como pressuposto geral de tudo o que se apresenta na representação receberá assim, em analogia com homem, a designação de Vontade.

Dessa forma, o duplo conhecimento, dado de dois modos por completo heterogêneos e elevado à nitidez, que temos da essência e fazer-efeito de nosso corpo, será em seguida usado como chave para a essência de todo fenômeno da natureza. Assim, todos os objetos que não são nosso corpo, portanto não são dados de modo duplo, mas apenas como representações na consciência, serão julgados exatamente conforme analogia com aquele corpo. Por conseguinte, serão tomados, precisamente como ele, de um lado como representação e, portanto, nesse aspecto, iguais a ele; mas de outro, caso se ponha de lado sua existência como representação do sujeito, o que resta, conforme sua essência íntima, tem de ser o mesmo que aquilo a denominarmos em nós VONTADE. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 162-163)

A essência geral do Mundo é a Vontade, indivisa, una consigo mesma; ela está para o homem como está para todo e qualquer objeto da representação reconhecido como natureza; é a coisa-em-si destituída de tempo, espaço e causalidade, visto que não se confunde ela mesma com

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a representação. Não obstante, o fenômeno é toda a forma de representação e, desse modo, apresenta no tempo, no espaço e dentro da ordem causal o que na verdade não se altera, a Vontade. É como se, no caso da natureza, a força se mantivesse constante, sempre presente, mas de tal modo que no fenômeno, numa determinação específica de tempo, espaço e causalidade, não houvesse ainda a circunstância fenomênica de seu aparecer na representação; quando, entretanto, essa condição fenomênica sucede, aquela força sempre presente pode então ser reconhecida no universo de representações, embora sempre estivesse ali, inacessível para a representação no tempo, espaço e causa.

Toda causa na natureza é causa ocasional, apenas dá a oportunidade, a ocasião, para o fenômeno da Vontade una, indivisa, em-si de todas as coisas, e cuja objetivação grau por grau é todo este mundo visível. Apenas a entrada em cena, o tornar-se visível neste lugar, neste tempo, é produzido pela causa, e nesse sentido depende desta, mas não o todo do fenômeno, não a sua essência íntima: esta é a Vontade, à qual não se aplica o princípio de razão, e, portanto, é sem- fundamento. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 200)

Vimos que o problema central do idealismo alemão de início do século XIX é justamente a atividade, expressa no mais das vezes mediante a oposição geral nos fenômenos, no reconhecimento da natureza de uma unidade conflituosa e em si oposta. Schopenhauer (2005) explícita essa dificuldade quando fala que todo conflito observado na natureza “é apenas a manifestação da discórdia essencial da Vontade consigo mesma.” (p. 211). Pretende com isso que a contradição em geral no mundo, se pretendemos mantida a Vontade como essência, tem de ser explicada não pela natureza, mas pela Vontade nela mesma. Isso é necessário, tendo em vista que se não admitir essa discórdia e manter o conjunto da sua filosofia, não pode Schopenhauer explicar como o mundo em geral e nós mesmos nos expressamos como atividade, como oposição e como luta. Citando Empédocles via Aristóteles ele diz: “Pois se o conflito não fosse inerente às coisas, tudo seria uno...” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 211). Problemática, essa consideração leva Schopenahauer a recorrer a um de seus autores de referência. Como em Platão, suas Idéias são os protótipos, os tipos regulares segundo o qual todo o particular aparece como mera manifestação imperfeita; a Vontade, quando adentrando a esfera da representação será, na manifestação particular, Idéias como as definiu Platão. Cada Idéia particular corresponde a graus de objetivação de uma Vontade una, logo, ela serve como mediadora em geral entre a Vontade e a mera representação. Assim, aquela “discórdia da Vontade consigo mesma” se reflete nos graus

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de objetivação da Idéia, que, por sua vez, manifesta-se desde os graus mais baixos, como mera oposição magnética, até os graus mais elevados de objetivação, cujo ápice é a destruição e oposição do homem pelo homem.

A apresentação da discórdia via objetivação da Vontade em Ideia adentra a esfera fenomênica e apresenta o mundo todo como oposição, como luta, saindo dos graus mais baixos até atingir os mais elevados. Como representação, essa discórdia aparece no tempo, no espaço, logo, como o consumir evolutivo das espécies menos evoluídas, de um grau menor, e, ainda, como destruição de um grau maior de objetivação sob outro menor, como o consumir predatório da planta pelo animal e do animal por outro mais complexo.

Por outro lado, cada grau de objetivação da Vontade, como Ideia, encontra um conjunto causal fenomênico ao qual conforma o seu conflito e sua atividade. Por isso pode-se fazer correspondência direta entre a espécie e o ambiente, visto que é só a maneira de dispor a concordância geral da Ideia com o fenômeno enquanto representação espacial.

Assim, em toda parte vemos um consensus naturae. Cada planta se adapta ao seu solo e atmosfera, cada animal ao seu elemento e presa que há de se tornar seu alimento e que também é de alguma maneira protegido contra seu predador natural; o olho se adapta à luz e à refrangibilidade, os pulmões e o sangue ao ar, a bexiga natatória à água, os olhos da foca à mudança de seu médium, as células do estômago do camelo, que contêm água, à seca do deserto africano, a vela no náutilo ao vento que o faz navegar, e assim por diante, até as formas mais especiais e admiráveis de finalidade externa. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 225- 226)

Essa conformação geral compõe um quadro natural, uma harmonia e ligação entre a Ideia e o fenômeno. A Ideia, por sua vez, está para além do tempo e, no entanto, se insere na ordem temporal das representações. Desse modo, a conformação geral desse quadro da natureza, originalmente destituído de finalidade, será apontado na representação como uma organização finalística, teleológica, posto que é uma unidade inserida na representação temporal. Vimos que cada ato individual é posto somente pela Vontade, ou seja, possui um fundamento na representação, mas é sem-fundamento enquanto Vontade. Assim, cada ato isolado aparecerá como motivado a fins, embora não tenha fim nenhum, quer dizer, aparecerá como fundamentado, embora não tenha fundamento em-si. Do mesmo jeito, a natureza tomada aqui como esse quadro, esse conjunto harmônico das espécies com o ambiente, como ligação do orgânico e do

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inorgânico, encontra sua atividade fora do tempo, mas aparecerá na representação como temporal, como ordenada a fins. A inserção da atividade no tempo é, assim, a apresentação da teleologia da natureza considerada enquanto todo harmônico, enquanto quadro natural em conformação a fins sem fim. È dado como fins sem fim justamente porque a atividade e conformação da Vontade consigo mesma, portanto sem fundamento, apareceu na representação como fundamentada em relações e motivos e, desse modo, temporalmente disposta como fim em si mesma.

De maneira geral o instinto dos animais nos fornece o melhor esclarecimento para a restante teleologia da natureza. Pois, se o instinto é como se fosse um agir conforme um conceito de fim, no entanto completamente destituído dele, assim também todos os quadros da natureza se assemelham aos efeitos conforme a um conceito de fim e no entanto completamente destituídos dele. Em realidade, tanto na teleologia externa quanto na interna da natureza, aquilo que temos de pensar como meio e fim é, em toda parte, apenas o FENÔMENO DA UNIDADE DA VONTADE UNA EM CONCORDÂNCIA CONSIGO MESMA, que apareceu no espaço e no tempo para o nosso modo de conhecimento. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 227)

De forma resumida, a Vontade é admitida como o elemento essencial, fundante de tudo aquilo que aparece como fenômeno, ou seja, é a fonte, a coisa-em-si de todo o variável da matéria oferecida ao sujeito pensante. A Vontade, como tal, deve ser Una, indivisa, pelo que é o fundamento essencial de tudo o que há, não havendo, antes ou como fundamento dela, outro qualquer, pois nesse caso não seria a Vontade mesma essencial, mas expressão ou manifestação de um algo essencial desconhecido.

Há, contudo, um problema, que deve ser o de explicar como esse essencial se manifesta objetivamente, no campo empírico, como atividade e, ela mesma, como contraposição, como luta entre opostos, enfim, deve explicar Schopenhauer como a Vontade funda a atividade do mundo. A resposta de Schopenhauer para essa dificuldade primordial, na verdade a dificuldade de todo idealismo alemão (a dificuldade de estabelecer uma atividade pura em Fichte e Schelling, por exemplo), é que a Vontade é portadora de uma contradição original, melhor, ela é um em si latente, que exterioriza no campo fenomênico a expressão mesma dessa contradição em germe, desse “conflito inerente à Vontade” (p. 228). Por isso o mundo ser apresentado em seu caráter de oposição e de luta, justamente por envolver essa instabilidade original da Vontade. Entretanto, como fundamento primordial, essa Vontade é também unidade, pelo que a consagração de toda

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diversidade expressa no campo dos fenômenos tende para a composição harmônica geral, tendo como expressão disso o caráter teleológico da matéria ou a correspondência e unidade entre os diversos elementos (plantas e animais) e as manifestações ambientais circundantes. O todo da natureza, bem como sua contradição inerente, sua volatilidade, refletem o curso de uma Vontade que se expressa fenomenicamente no jogo articulado da matéria em todos os tempos (uma vez que ela mesma é atemporal e, portanto, só pode ser explicada e compreendida no conjunto geral dos tempos, passado, presente e futuro – residindo aí, inclusive, o seu caráter teleológico e a ligação aparente e necessária entre tudo o que se encadeia para o sujeito na dimensão do tempo). Assim se exprime, de modo geral, a explicação de Schopenhauer do mundo como Vontade.

Vista dessa forma, a esfera da Vontade reúne sob si a concepção geral Metafísica de Schopenhauer, haja vista que é nada mais nada menos que a coisa em-si. Embora por essa perspectiva se assemelhe bastante de Kant e Fichte, na medida em que a essência, apesar de se manifestar no mundo como representação, é apenas sua consideração no limite. Entretanto, distancia-se deles, especialmente do último, por excluir de forma completa a seqüência oferecida pelo princípio de razão como o guia na condução da resposta sistemática e a chegada na coisa por