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Do princípio geral à resposta Metafísica

CAPÍTULO I: O DEBATE ONTOLÓGICO-METAFÍSICO NA PASSAGEM DO SÉCULO XVIII PARA O

3. A emergência do idealismo alemão em Fichte

3.1. Do princípio geral à resposta Metafísica

Todo esforço de Fichte na elucidação do princípio geral consiste em trazer para o plano da cognoscibilidade (papel do filósofo) aquilo que é em essência. Deve-se ter claro com isso que toda a proposição filosófica e todo percorrer de um caminho na direção de um princípio geral é uma forma de transpor cognitivamente aquilo que ele é, em verdade, pura e simplesmente enquanto fundamento. Assim, embora se valha Fichte da lógica para expor de maneira cognoscível e sistemática a fundamentação de um princípio geral, não se trata mesmo de uma primazia da lógica, posto que, ela mesma, é somente uma abstração dependente do princípio, ou seja, o princípio geral como fundamento primeiro é, igualmente, o fundamento da lógica e não o contrário.

Daqui se segue a relação determinada da lógica com a doutrina-da-ciência. A primeira não funda esta última, mas esta que funda a primeira: a doutrina-da- ciência não pode de nenhum modo ser provada a partir da lógica, e não pode pressupor como válida nenhuma proposição lógica, nem mesmo o princípio de contradição; em contrapartida, cada proposição lógica, e a lógica inteira, tem de ser provada a partir da doutrina-da-ciência; tem de ser mostrado que as formas estabelecidas nesta última são formas efetivas de um certo conteúdo na doutrina- da-ciência. Assim a lógica toma emprestada sua validade da doutrina-da-ciência, mas a doutrina da ciência não toma emprestada a sua da lógica. (FICHTE, 1988, p. 26)

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O procedimento lógico e todo caminho sistemático percorrido na Doutrina da Ciência de Fichte é já a afirmação da própria filosofia defendida, de modo que a validade da exposição é já a validade do princípio. Esse é, certamente, o único caminho possível no tratamento de tal princípio, posto que a apresentação cognoscível e sua sistematização abstrata não o antecede mas é resultado dele, ou melhor, uma de suas formas de manifestação (a própria lógica é uma das manifestações do princípio). Para Fichte, portanto, no que diz respeito à lógica: “Ela só tem verdade sob a condição e na medida em que for acertada.” (p. 31). Significa que a sua validade está muito antes em sua forma do que na validade do conteúdo proposto. O caminho abstrato que leva ao princípio e a manifestação do princípio em sua medida abstrata revelam já a forma de validar teoricamente a doutrina da ciência, o que ficará mais claro no decorrer da exposição. Tendo isso mente, podemos expor o sistema de Fichte e, nessa exposição, encontrar tanto em forma quanto em conteúdo a validação do princípio posto como fundamento primeiro ou geral, como resposta Metafísica.

A coisa mais certa na definição do princípio geral é que ele é incondicionado, pois se fosse ele mesmo submetido a condições ou determinado por algo não seria primeiro, mas faria sempre referência a algo outro como seu fundamento, negando a si como primazia. Nesse reconhecimento, deve buscar algo que, posto efetivamente, não seja condicionado, mas incondicionado. Reiteramos, mais uma vez, que o uso feito da lógica se insere na perspectiva de elucidar e demonstrar o que o princípio mesmo determina na proposição da lógica enquanto abstração de um sistema geral da realidade por uma medida cognoscível. Somente entendendo isso podemos considerar então o seu ponto de partida, a fórmula lógica mais elementar, a da identidade.

A = A, fórmula universalmente aceita no campo da lógica, exprime simplesmente que A é na medida em que A é. Isso posto, não está provado princípio geral algum, pois só está enunciado de maneira abstrata uma identidade quando já reconhecida, de antemão, a existência de A. Aqui, a lógica pode dizer exclusivamente que A é ou existe, mas somente na medida em que se pressuponha de antemão ou seja dada a existência de A. Dando um passo adiante, Fichte nos adverte que a ligação entre aquilo que é posto como existente com seu idêntico se dá pela ligação de um eu. Quer dizer simplesmente que nessa conexão A = A está pressuposto, como executor da ligação lógica, um eu, que, dessa forma, é a condição aqui de tal ligação. Ao mesmo tempo em que é a condição de tal ligação é quem coloca, a princípio, a existência de A como ponto de

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partida para a consecução da igualdade. Em outras palavras, qualquer objeto que apareça aqui sob a denominação A pressupõe já, na inserção da lógica, a existência de um eu, que, na mesma medida, é a única referência, nesse momento, para a consideração do objeto. Nisso consiste a exposição lógica daquilo que Kant já havia determinado na Crítica da Razão Pura, a saber, que só podemos considerar qualquer expressão do mundo pela medida do sujeito. “Pode, portanto, exprimir-se também assim: Se A está posto no eu, então A está posto, ou – então A é.” (FICHTE, 1988, p. 44-45). Por esse caminho é que a primeira consideração na colocação de toda a operação lógica, não se atentando para o que prova ela mesma mas para o que a sua existência exige, diz respeito à colocação do eu.

Por essa operação já chegamos despercebidamente à proposição: eu sou (não decerto como expressão de estado-de-ação mas como expressão de um estado- de-coisa. Pois, X está posto pura e simplesmente; isso é estado-de-coisa, é fato de consciência empírica. Ora, X é igual a proposição eu sou eu; por conseguinte, esta também está posta pura e simplesmente. (FICHTE, 1988, p. 45)

Como vimos, Fichte nos adverte, recuperando a proposição kantiana da Crítica da Razão

Pura, que a consideração da proposição lógica de equivalência entre A e A é sem medida ou

valor em si como coisa posta, isto é, a equivalência ou mútua determinação de A igual a A não indica a existência independente ou real do A posto. Esse A permanece, a todo o momento, como uma colocação do sujeito proponente, de modo que sua equivalência consigo mesmo só determina o caráter e a efetividade da ligação como proposição do eu. Assim, a proposição evoca uma conexão necessária entre os termos postos. Por sua vez, essa conexão, em sua necessidade, indica que há o eu que as liga e, nesse processo de equivalência lógica de A põe-se, necessariamente, um “estado-de-coisa” ao eu. Essa realidade do eu, como fórmula de uma determinação cartesiana do “penso logo existo”, ascende aqui pela via lógica e enuncia não uma substancialidade, mas o processo que caracteriza esse estado-de-coisa do eu (Aqui o eu pensante não é uma substância, mas um processo manifesto em seu estado-de-coisa pela conexão necessária no eu). O eu considerado a partir da ligação de toda proposição e de toda a relação entre sujeito e predicado revela sua existência pura e simples, uma vez que a consideração da realidade empírica tal como se nos apresenta pressupõe tal ligação e, portanto, o eu que é o responsável pela mesma. Aqui, ainda em comparação com a Crítica da Razão Pura, é como se

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aquela consideração da apercepção mediante a faculdade de entendimento em Kant encontrasse seu paralelo lógico na proposição de Fichte.

O eu como necessidade diante de toda colocação de um objeto como existente é o ponto de partida que se requeria, tendo em vista que falávamos no começo de um princípio pura e simplesmente incondicionado. Como o eu em sua atividade aparece aqui como a condição de qualquer proposição empírica e mesmo como fundamento de toda proposição lógica da identidade, aparece ele, enquanto atividade, como incondicionado. Ao mesmo tempo em que a colocação do ser do eu é dada pela sua expressão ativa em qualquer proposição ou consideração do mundo (na colocação de A), tem-se em contrapartida que sua expressão ativa é a colocação de seu ser; encerra-se nessa expressão de si o caminho então pretendido, o de expor pelo conteúdo também a forma (e o inverso), logo, o eu aparece como forma e conteúdo na medida em que é posto pela proposição de qualquer coisa (A) e, na mesma medida, a proposição de qualquer coisa é já a manifestação do eu enquanto ser.

O eu põe a si mesmo e é, em virtude desse mero pôr-se por si mesmo; e vice- versa: o eu é e, em virtude de seu mero ser, põe seu ser. Ele é ao mesmo tempo o agente e o produto da ação; o ativo e aquilo que é produzido pela atividade; ação e efeito são um e o mesmo; e por isso eu sou é expressão de um estado-de-ação; mas também do único possível, como resultará da doutrina-da-ciência inteira. (FICHTE, 1988, p. 46)

O sujeito absoluto que aparece como proposta fundamental de Fichte se baseia nessa simples condição: tudo o que é, é porque é posto pelo eu; todo que o eu é, é porque pôs algo. Quando essa fórmula geral exposta por Fichte procura o fundamento, só pode encontrá-lo no eu, haja vista que, na medida do eu, única conhecida, é somente o eu determinação de si mesmo; pôr e ser posto pelo pôr; o que produz e o produto de sua própria produção. O eu é assim condição de toda a condição e resultado não-determinado de toda determinação.

E isso torna, pois, plenamente claro, em que sentido usamos aqui a palavra eu e nos conduz a uma definição do eu como sujeito absoluto. Aquilo cujo ser (essência) consiste meramente nisto: que ele põe a si mesmo como sendo é o eu, como sujeito absoluto. Assim que se põe, ele é, e assim que é, ele se põe; e portanto, para o eu, o eu é pura e simplesmente, e necessariamente. O que para si mesmo não é, não é um eu. (FICHTE, 1988, p. 46)

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Nessa perspectiva, o eu é tudo o que pode ser e tudo o que pode ser tem de ser no eu. Dessa exposição lógica resulta igualmente que aquilo que não-é é um não-eu, consideração abstrata de algo que como tal não é posto pelo eu, todavia plenamente determinado pelo eu, tendo em vista que seu pôr, como todo outro, é um pôr do eu. É por isso que tratamos essa oposição somente como um não-eu, pois mesmo como negação abstrata do eu, só pode ser dado como negativo em referência a este, nunca como algo efetivo. Desse modo é que: “toda realidade está posta no eu, e o não-eu está oposto ao eu; por conseguinte não há nele nenhuma realidade posta, e sim pura negação. Todo não-eu é negação; e por conseguinte não tem em si realidade nenhuma.” (FICHTE, 1988, p. 68).

A grande questão aqui é que ao mesmo tempo em que se manifesta o eu como incondicionado, como coisa certa, tem-se, como negativo, a exclusão abstrata da realidade do eu, ou seja, a consideração de que para se admitir a existência de um eu como existente tem-se, na mesma medida, que admitir a existência de algo fora dele. Essa admissão manteria toda a dualidade entre sujeito e objeto (ao menos entre incondicionado e condicionado) e não resolveria o problema metafísico, pois a consideração negativa do eu, necessariamente admitida em sua própria afirmação, resultaria na existência de um não-eu, distinto e autônomo, logo, o princípio não seria único, mas estaria dividido em dois: eu e não-eu. A exposição lógica ratificaria ainda essa dualidade, no procedimento de estabelecer a contradição inerente à afirmação de algo, nesse caso do eu, representando então seu negativo: não-eu. Ainda em termos lógicos, é absolutamente indiferente se parto de um ou outro ponto, quer dizer, se parto a princípio do não-eu tenho o eu como sua negação, nesse sentido, determinado por sua existência e, ao contrário, se parto do eu, tenho o não-eu como determinado. Assim que se estabelece um termo como primeiro, ou partindo dele, o outro será mera determinação, mera negação do primeiro. Como, então, resolver esse problema, como não voltar à mesma dualidade de princípios contrapostos que se pretende de uma vez por todas superada? Para Fichte a solução do problema está justamente na admissão imediata do eu como ponto de partida, como primado de toda a existência. Assim, fica claro para ele que a determinação ou arbitrariedade na escolha do eu ou do não-eu não constitui uma opção válida, posto que há uma determinação primeira do eu, do qual, como vimos, o não-eu é mero negativo. Toda a realidade repousa no primeiro, de modo que o segundo termo é apenas a negação abstrata do eu real. A possibilidade de se estabelecer o não-eu como princípio geral, ou

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como pressuposto primeiro, é negada na medida em que qualquer proposição é exposta, antes de mais, pelo eu.

Entretanto, o problema não está resolvido, afinal, temos que considerar o papel do não-eu, uma vez que o centro de todo o reconhecimento do eu enquanto ser está no seu pôr, logo, numa atividade. Essa atividade de pôr-se é que constitui o ser do eu, na medida em que “é” pelo pôr de algo. A atividade é assim requerida e só pode ser dada, na consideração da mútua determinação, como relacionada ou fazendo referência a uma passividade. Algo só é ativo na medida em que há algo passivo, uma passividade que como tal revela e manifesta o “estado-de-ação” do eu ativo. Nesse momento Fichte estabelece a solução para todo embate metafísico; ele separa o Eu pura e simplesmente ativo, portanto incondicionado, do eu posto (passivo), uma vez que o eu posto pode ser o-posto pelo não-eu, enquanto que o eu que põe (incondicionado), põe também a o-posição do eu posto, ou seja, põe também o não-eu e não é oposto a ele. Assim, o Eu considerado como sujeito incondicionado, como ser posto pelo pôr de qualquer coisa não é o mesmo que o eu posto, divisível e passível de o-posição, condicionado e limitado pela sua negação.

Eu e não-eu, na medida em que são igualados e opostos pelo conceito da limitabilidade mútua, são ambos algo (acidentes) no eu, como substância divisível; posto pelo eu como sujeito absoluto, ilimitável, ao qual nada é igual e nada é oposto. (FICHTE, 1988, p. 60)

A concepção central de uma pura atividade é aqui o cerne da fundamentação do princípio geral, o Eu absoluto. Esse Eu absoluto é o pôr ativo de tudo, inclusive do eu individual, divisível e o-posto pelo não-eu (também posto pelo Eu absoluto, na medida em que este põe um eu posto (divisível), passível de negação). Essa atividade pura e simples do Eu absoluto se manifesta na relação antitética e sintética de eu e não-eu, de modo que tudo que conhecemos como existência reflete ou representa essa atividade pura em uma medida de ação e passividade relativas, introduzidas no pôr do eu (individual) e do não-eu. Quer dizer simplesmente que a atividade no eu expressa seu equilíbrio na passividade do não-eu, da mesma forma, a passividade no eu expressa a atividade no não-eu. Causa e efeito, ação e conseqüência são antíteses sintetizadas que, sob uma perspectiva de tempo e de finitude, se estendem indefinidamente como execução de uma atividade incondicionada. É um eterno buscar nunca atingido, é como procurar a consumação da atividade infinita (incondicionado, Eu absoluto) no finito posto (eu individual e não-eu – atividade e passividade).

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Agora pode-se compreender perfeitamente como o eu pode determinar, por e mediante sua atividade, sua passividade, e como pode ser ativo e passivo ao mesmo tempo. Ele é determinante na medida em que, por absoluta espontaneidade, se põe em uma esfera determinada, entre todas as que estão contidas na totalidade absoluta de suas realidades; e na medida em que reflete meramente sobre esse pôr absoluto e faz abstração do limite da esfera. É determinado na medida em que é considerado como posto nessa esfera determinada e é feita abstração da espontaneidade do pôr. (FICHTE, 1988, p. 73)

Fichte direciona essa proposição da atividade e passividade para adentrar naquilo que fora problemático e crucial na Crítica da Razão Pura de Kant, mais especificamente, para pretensamente resolver a relação estabelecida entre um incondicionado e o condicionado; cerne de toda a dualidade sujeito-objeto e mantenedora da insolúvel questão Metafísica acerca do estabelecimento da essência. Fichte (1988) expõe assim o problema:

O problema (Aufgabe) propriamente dito, supremo, que contém sob si todos os outros problemas, é: como pode o eu atuar imediatamente sobre o não-eu, ou o não-eu sobre o eu, se ambos devem ser totalmente opostos um ao outro. Intercala-se entre ambos um X qualquer, sobre o qual ambos atuam, através do qual, portanto, atuam ao mesmo tempo, também, um sobre o outro. Logo porém se descobre que também nesse X tem de haver outra vez um ponto qualquer em que eu e não-eu coincidem (zusammentreffen) imediatamente. Para evitá-lo, intercala-se entre eles e em lugar do limite rigoroso um termo médio = Y. Mas mostra-se logo que neste, do mesmo modo que em X, tem de haver um ponto em que os dois opostos se tocam imediatamente. E assim prosseguiria ao infinito, se, por um decreto absoluto da razão, que não é criado, mas apenas indicado pelo filósofo – pelo: não deve, já que o não-eu não pode de nenhuma maneira ser unificado como o eu, haver em geral um não-eu, o nó não fosse, não desatado, por certo, mas cortado. (p. 74-75)

Exposto de outro modo:

Pode-se considerar a coisa ainda por um outro lado. – Na medida em que é limitado pelo não-eu, o eu é finito; mas em si, assim como é posto por sua própria atividade absoluta, o eu é infinito. Ambas, a infinitude e a finitude, devem ser unificadas nele. Mas uma tal unificação é em si impossível. Por muito tempo, decerto, o conflito é apaziguado por mediação; o infinito delimita o finito. Afinal, porém, uma vez que se mostra a total impossibilidade da unificação buscada, a finitude tem de ser suprimida (aufgehoben werden) em geral; todos os limites têm de desaparecer e o eu infinito tem de restar sozinho, como Uno e como tudo. (p. 75)

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A solução de Fichte reside na “atividade independente” ou na atividade pura e simples, distinta daquela atividade posta em oposição com a passividade no finito. Vimos que o eu põe-se ao pôr algo, assim também o Eu como pura atividade põe “inconscientemente” o eu divisível e, consequentemente, o não-eu. Nesse pôr do eu e do não-eu põe-se, igualmente, a atividade e passividade, haja vista que o ativo dentro do divisível, do limitado, só pode ser pensado em oposição ao passivo, que lhe resiste ou que lhe delimita enquanto negativo. A dificuldade era justamente conectar estas duas esferas de maneira não contraditória, e o caminho oferecido por Fichte a essa dificuldade é dado pela imediatez do Eu, posto como incondicionado, essência e fundamento primeiro de todo pôr, onde, enfim, se estabelece todo o jogo entre atividade e passividade de um eu divisível (individual) e um não-eu como sua negação. É central compreender como a reflexão fundamenta a ligação entre os limites e as determinações opostas no Eu absoluto. A razão de referência e a reflexão que lhe diz respeito são próprias do Eu que se põe ao pôr, ou seja, é necessário em toda proposição e é mesmo o fundamento de todo pôr. Nisso, nesse caráter reflexivo, se coloca então a determinação recíproca entre atividade e passividade que, em termos simples, significa que na colocação de uma atividade pressupõe-se, imediatamente, algo sob o que se atue e, portanto, uma passividade; inversamente, quando tratamos de uma passividade qualquer é sempre em referência com a atividade, ou com a colocação dela em outra esfera. Não obstante, na ligação entre ambas, atividade e passividade, se dá um fundamento, aqui estabelecido pela razão de referência, que põe uma atividade anterior sem provocar um oposto passivo (A atividade reflexiva do Eu absoluto no seu ato de pôr espontâneo), logo, temos aqui uma atividade independente, que não gera ação recíproca, chamada Eu absoluto. Desse modo é que a colocação da reflexão possibilita e torna possível uma atividade sem oposto passivo, portanto, independente; da mesma forma, a atividade independente engendra, por sua vez, uma “alternância-fazer-e-passividade”. Em um sentido mais amplo, é na proposição da atividade independente que se põe, imediatamente, a condição de ser dessa atividade e, desse modo, sua alternância-fazer-e-passividade. Inversamente, se colocamos essa alternância-fazer-e-passividade, ou seja, o fundamento reflexivo, temos, de pronto, a atividade independente. É assim que ambas mutuamente se determinam e se sintetizam sem contradição. “A atividade independente (como unidade sintética) determina a alternância (como unidade sintética) e vice-versa, isto é, ambas determinam-se mutuamente e estão elas mesmas sinteticamente unificadas.” (FICHTE, 1988, p. 89)

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De uma maneira bem resumida, a resposta de Fichte a toda dualidade requerida pela determinação do eu é a seguinte: no eu coloca-se um eu (A) que é posto (passivo) e que, por ser posto, já põe a existência do eu (ativo); em contrapartida, quando se põe o eu (A) [passivo], põe- se, igualmente, um não-eu (-A), do qual se exclui o que A (eu) não é. Para fazer inferência a esse não ser do eu já se deve ter posto, necessariamente, o eu (A). Nisso, resta que esse não-eu suprime não o Eu absoluto, aquele para quem é dado pôr o próprio eu, mas o eu posto (passivo), do qual difere. Isso acontece porque para pôr o não-eu é preciso o Eu (no sentido absoluto) de maneira que este não pode ser suprimido. Ainda assim, o não-eu só é em referência a um eu (A), sem o qual o seu não-ser não poderia ser pensado. O problema todo consiste em acomodar esse eu e não-eu em uma unidade sistemática capaz de manter o Eu fundante que é originalmente