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PARTE I – DA ARBITRAGEM

1. ORIGENS E CARACTERIZAÇÃO

1.7 A diferenciação da arbitragem doméstica frente à arbitragem internacional

Um dos aspectos dignos de nota é a divisão que se faz entre a arbitragem internacional e doméstica. Strenger47 aceita duas concepções para o estabelecimento da arbitragem como internacional. A primeira, de noção ampla, define arbitragem como internacional identificando tal posicionamento com uma concepção puramente econômica, ou, mais exatamente, geográfica: assim, é suficiente que um aspecto, que um elemento do litígio ou da arbitragem, material ou jurídico, toque a país diferente daquele ao qual se vincula o resto do negócio, para que exista arbitragem internacional. A segunda, não muito diferente da primeira, consiste em ver, nos atores internacionais, meio coerente para equivaler a uma sociedade em formação.

Rechsteiner48 atenta, outrossim, para o fato de que diferentes critérios situam uma lide dentro do campo da arbitragem internacional. Em termos gerais, considerar-se-ia internacional a arbitragem quando existirem elementos de ligação com o estrangeiro. Isto baseado no objeto da lide entre as partes, na pessoa dos árbitros ou das próprias partes, na sede do tribunal arbitral ou no procedimento arbitral. Por exclusão, a arbitragem seria doméstica caso não houvesse qualquer elemento, no negócio/na arbitragem, ligado à país estranho ao negócio/realização da arbitragem/regras da arbitragem.

46

STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 48. 47

Cf. STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 40.

48

Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova lei 9307, de

A lei Modelo da UNCITRAL49 sobre Arbitragem Comercial Internacional de 21.06.85, já define com maior precisão o conceito. Conforme esta lei, a arbitragem é internacional se as partes, no momento em que celebram a convenção arbitral, tiverem seus estabelecimentos em diferentes Estados. Conforme o referido documento, a arbitragem é internacional quando um dos seguintes lugares estiver situado fora do país em que as partes têm seus estabelecimentos: a) o lugar do procedimento arbitral, desde que este já esteja definido na convenção de arbitragem ou que conforme o mesmo critério ainda deva ser determinado; b) o lugar onde uma parte essencial das obrigações decorrentes da relação comercial deva ser cumprida, ou por final, o lugar com o qual o objeto da lide possua sua vinculação mais íntima. Por fim, a Lei Modelo da UNCITRAL estabelece que a arbitragem será internacional quando as partes expressamente acordarem que o objeto da convenção de arbitragem tenha relações com mais de um país50.

Outro critério diferenciador é encontrado no direito francês. Lá, define-se arbitragem internacional como aquela que se refere a interesses do comércio internacional.

Dolinger51 aclara para a importância da determinação da nacionalidade da arbitragem, ao preceituar:

a nacionalidade da arbitragem é importante por três razões: 1) determina a lei que regula a arbitragem, que será, em princípio, a lei dessa nacionalidade; 2) determina o tribunal estatal que poderá vir a ter jurisdição sobre o processo arbitral, caso uma intervenção se faça necessária; e 3) identifica o procedimento a ser seguido para a execução do laudo arbitral, pois normalmente um laudo proferido internamente é mais facilmente executável do que um proferido alhures. Entretanto, determinação da nacionalidade da arbitragem não é questão simples: pode-se adotar o critério do lugar onde o tribunal arbitral tem a sua sede, o critério da proximidade, a nacionalidade ou domicílio das partes envolvidas, dentre outros. Muitos países recorrem ao critério que leva em conta a lei aplicável ao processo da arbitragem. [...]

49

UNCITRAL significa Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional. A UNCITRAL foi estabelecida pela Assembléia Geral da ONU em 1966. Ao criar este órgão, a ONU reconheceu que as disparidades nas leis nacionais sobre o comércio internacional criaram obstáculos para o fluxo de comércio e julgou que a UNCITRAL poderia ser o instrumento pelo qual a ONU teria um papel mais ativo na redução ou eliminação de tais obstáculos. A ONU delegou à UNCITRAL a função de promover a progressiva harmonização e unificação das leis de comércio internacional. A Comissão tem sido o órgão principal no sistema das Nações Unidas no campo das leis internacionais de comércio. A Comissão é composta de 60 países-membros eleitos pela Assembléia Geral da ONU. A composição do órgão é estruturada de forma que possa ser representativo das várias regiões geográficas do planeta e dos seus principais sistemas econômicos e legais. Os membros são eleitos por 6 anos, mas há a renovação de metade da Comissão a cada três anos. Informações do site www.uncitral.org (tradução livre).

50

Ver Lei Modelo da UNCITRAL, art. 3o, alíneas a, b, c.

51

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 91-92.

Observe-se, entretanto, que o Brasil, quanto à determinação da lei aplicável ao mérito [...], não distingue entre arbitragem interna e internacional, admitindo quer as partes decidam sobre a lei aplicável mesmo na hipótese de arbitragem doméstica,

Pelo exposto, pode se depreender inexistirem critérios universais para distinguir a arbitragem interna da arbitragem internacional. Existem diferentes variantes deste conceito, orientandos-e ora mais por critérios formais como a sede do tribunal arbitral e o domicílio ou a residência das partes, ora mais por critérios materiais, tendo em vista a natureza do negócio jurídico como elemento básico da distinção.

1.8. Acordos internacionais mais importantes acerca da arbitragem.

Rechsteiner52 destaca que a doutrina aponta a autonomia das partes em escolher o procedimento a ser aplicado na arbitragem. Os regulamentos dos tribunais arbitrais institucionais costumam focalizar diretamente as particularidades da arbitragem internacional e não se referem às normas processuais de um determinado país.

Tendências de modernizar a legislação sobre a arbitragem pode-se constatar no mundo inteiro. Os países, além da repercussão mundial da Lei Modelo da UNCITRAL de 1985, levam em consideração também os tratados multilaterais existentes quando reforma a sua legislação sobre a arbitragem privada.

Entre os tratados multilaterais mais importantes cumpre ressaltar, principalmente, os seguintes:

- Protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais de 24.09.1923. Este tratado internacional reconhece, expressamente, a cláusula compromissória como juridicamente válida quando a arbitragem for internacional. O Brasil ratificou-o, incorporando-o ao seu ordenamento jurídico em 22.03.1932 (Decreto 21.187/32).

52

Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova lei 9307, de

- Convenção de Genebra referente à Execução de Laudos Arbitrais Estrangeiros (de 26.09.1927). Este tratado cuidou da execução de laudos arbitrais estrangeiros, proferidos e baseados em cláusulas arbitrais, conforme o Protocolo de Genebra de 1923. O Brasil não o ratificou.

- De grande importância é a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 10.06.1958. Foi elaborada sob o patrocínio das Nações Unidas (ONU) e substitui, entre os Estados contratantes, o Protocolo e a Convenção de Genebra acima citados. Atualmente, é o tratado multilateral mais significativo dentro do âmbito da arbitragem internacional, ratificado por mais de cem países. O Brasil, inicialmente, não ratificara a referida Convenção. Todavia, posteriormente, promovera a ratificação.

- A Convenção Européia sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1961 (Convenção de Genebra de 1961), destinou-se, principalmente, a facilitar o comércio entre os países da Europa Ocidental e do Leste Europeu.

- A Convenção de Washington de 1965 para a Solução de Controvérsias concernente a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados levou à constituição do Centro Internacional para a Solução de Lides em Relação a Investimentos, sob a tutela do Banco Mundial.

Existem, ainda, várias convenções de arbitragem de interesse particular para a América Latina. Cumpre salientar a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do Panamá de 1975 e a Convenção Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de Montevidéu de 1979. Esta última alcança inclusive as sentenças judiciais ou trabalhistas. Ambas as Convenções vigoram no Brasil (Decreto no 1902/96 e Decreto no 93/95).

Várias outras convenções latino-americanas tratam da arbitragem internacional. Mas, atualmente, carecem de efeito prático, inclusive o Código de Bustamante, Tratado também ratificado pelo Brasil.

No âmbito do Mercosul (que será melhor desenvolvido em ponto posterior), cumpre mencionar o Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria

Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa de 1992, o qual vigora em todos os países do Mercosul. Refere-se quanto ao reconhecimento e à execução de sentenças estrangeiras expressamente aos laudos arbitrais pronunciados em matérias civil, comercial, trabalhista e administrativa.

Além dos tratados multilaterais, encontramos igualmente tratados bilaterais, versando sobre a arbitragem internacional, pelo menos em algumas de suas partes. No Brasil, cumpre destacar a Convenção de Cooperação Judiciária, em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa entre Brasil e a França de 1981 (internamente através do Decreto no 91.207/1985) e a Convenção de Cooperação Judiciária, em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa entre Brasil e Uruguai (internamente através do Decreto 1.850/1996).