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PARTE I – DA ARBITRAGEM

2. ESTRUTURA DO PACTO ARBITRAL E LIMITES DA ARBITRAGEM

2.1 A Convenção de Arbitragem

A convenção de arbitragem, juridicamente válida, é elemento indispensável para a instituição de um tribunal arbitral e sua competência no julgamento do litígio. A convenção de arbitragem é autônoma, juridicamente, perante o acordo principal estabelecido entre as partes (a validade jurídica da convenção de arbitragem obedece a requisitos legais específicos, distintos daqueles relacionados à validade do acordo principal entre as partes). Conseqüência dessa premissa é o fato de que a nulidade do contrato não gera a nulidade automática da convenção de arbitragem. Cabe registro de que o próprio tribunal arbitral é sempre quem decide sobre a validade jurídica da convenção de arbitragem, bem como sobre sua competência para julgar a lide, sujeita à sua apreciação jurídica53.

53

Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova lei 9307, de

A convenção de arbitragem corresponde, pois, ao acordo que determina a realização da arbitragem e seus regramentos. É, mesma, gênero, do qual despontam a cláusula compromissória e compromisso arbitral.

2.1.1. Cláusula compromissória.

A cláusula compromissória, conforme ensinamento de Irineu Strenger54, é a chave mestra da arbitragem. Entre as diversas funções da cláusula compromissória, ressalta a de constituir-se em prova de que as partes admitiram submeter-se ao regime arbitral para solver eventuais pendengas relativas ao contrato existente entre elas. Esse elemento consensual, sem o qual a arbitragem não pode existir validamente, tem base no fundamento da autonomia da vontade.

É condição imprescindível dessa cláusula que as partes, uma vez tendo estipulado a via arbitral como futuro mecanismo a ser utilizado para resolver eventuais controvérsias, não possam unilateralmente renunciar a esse propósito.

Eisemann55, citado por Strenger, preceitua quatro funções essenciais que uma efetiva cláusula arbitral deve possuir, sob pena de, na ausência de qualquer das referidas funções, ser considerada patológica:

1 – A cláusula arbitral precisa produzir efeitos compulsórios para as partes;

2 – manter fora do procedimento as cortes estatais até que a sentença arbitral tenha sido prolatada;

3 – os árbitros devem ter poder para decidir todas as disputas que possam ocorrer entre as partes;

54

Cf. STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 109-126.

55

EISEMANN, Fredéric. La clause d’arbitrge pathologique, in Arbitrage Comercial, ensaios em homenagem a Eugio Minoli. Torino: Ed. Torinese, 1974. p. 130 apud STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 71.

4 – a cláusula deve estabelecer eficiente procedimento que permita resultar em sentença de igual qualidade para seu reconhecimento e execução.

As conseqüências por que podem passar as cláusulas patológicas são de duas ordens: em certos casos, a arbitragem de qualquer modo se realiza, apesar dos defeitos da cláusula compromissória, tornado mais difícil/lento/custoso, todavia, a realização de todo o procedimento. Em outros, a arbitragem nem mesmo terá condições de realizar-se.

2.1.2. Compromisso arbitral.

O compromisso é a convenção pela qual as partes acordam submeter a procedimento arbitral a solução de um ou vários litígios determinados já existentes.

As partes podem estipular o acordo em relação a uma lide iam nata ou resguardar-se de lide nondum nata, mas, possível no futuro, como conseqüência de certas relações que as envolvem. No primeiro caso, ocorre a figura do compromisso; no segundo, [...], a figura da cláusula compromissória56.

O compromisso trata, quase sempre, de litígio já instaurado no momento da redação da cláusula. Essa condição não é, todavia, absoluta. É possível as partes, prevendo litígio bem determinado que possa surgir, e sem satisfazerem unicamente com a cláusula compromissória, ajustarem arbitragem indicando outro elementos constitutivos de um compromisso.

Sobre natureza jurídica do compromisso, não existe consenso doutrinário57. Alguns qualificam o compromisso como um contrato de direito privado material, por meio do qual as partes manifestam a vontade de árbitros resolverem seu litígio, segundo as regras previstas nesse mesmo instrumento. Como conseqüência, as partes que aderissem ao compromisso renunciariam implicitamente a tudo quanto pudessem pretender de uma decisão de um juiz togado. No compromisso, haveria, de forma implícita, acordo fixando os termos e critérios da demanda, confiando, a decisão, a um terceiro (não estatal).

56

Cf. STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 127.

Outros entenderiam que o conteúdo processual do compromisso assume posição de importância, qualificando-o como ato unilateral complexo (formado pela vontade concorde das partes envolvidas no litígio), que determina a retirada da controvérsia da competência do juiz togado, passando-a para um juiz da escolha das partes (seria, pois, uma cooperação para alcançar um resultado de interesse comum).

O compromisso, assim, embora tenha a mesma natureza da cláusula compromissória (contratual), com semelhança, pois, em seus fundamentos, tem como finalidade primeira a fixação, pormenorizadamente, do procedimento a ser seguido pelo tribunal arbitral, visando à obtenção de uma solução eficaz entre as partes, por isso, determinando a obediência pelos os árbitros das regras por elas previamente fixadas, evitando surpresas indesejadas e garantindo a imparcialidade almejada.

Strenger58 prescreve os principais elementos que devem constar em um compromisso arbitral:

- definição dos litígios submetidos à arbitragem. - constituição do tribunal;

- modalidades de substituição dos árbitros;

- possibilidade para o tribunal de prosseguir a arbitragem em caso de ausência de uma parte;

- indicação do direito aplicável em matéria de fundo e, se for o caso, do poder do árbitro de atuar com função de amiable compositeur;

- lugar da arbitragem, com possibilidade para o tribunal de designar audiências ou se reunir em outros locais;

- possibilidade de proceder à inspeção de visu; - língua da arbitragem;

- questões de procedimento sobre as quais as partes manifestam concordância: por exemplo, troca de escritos (memoriais sobre a demanda, memoriais sobre respostas e procedimento reconvencional, réplicas, tréplicas etc.) e calendário correspondente; - poderes concedidos ao tribunal de fixar o procedimento a seguir, na medida em que as partes não o tenham fixado, com reserva das disposições imperativas de direito local; - toda disposição convencionada, concernente à produção de documentos relacionados com o litígio;

57

Cf. STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1996. p. 127.

58

- disposição concernente à audiência dos advogados; - disposição concernente à audiência das testemunhas;

- disposição concernente à designação de peritos, seja pelas partes, seja pelo tribunal arbitral, seja pelos dois;

- disposição sobre a possibilidade para as partes de se fazer representar por advogados ou mandatários;

- disposição concernente a sentenças parciais;

- prazo no qual a sentença deverá ser proferida, se o direito aplicável o exige;

- disposição sobre custas de arbitragem, aí compreendidas, se for o caso, as despesas contingentes que possam ser ordenadas pelo tribunal arbitral;

- disposição sobre a possibilidade de prolatar sentença por maioria, ou, para o presidente de emitir decisão sozinho, se nenhuma maioria for possível;

- disposição concernente ao caráter definitivo e executório da sentença e a renúncia a todas as vias recursais das quais as partes estão autorizadas a desistir.

O compromisso deve, portanto, variar conforme a natureza do negócio ou contrato em questão, devendo ser o mais minucioso possível para o melhor resultado da solução. Cabe registro de que, enfraquece o compromisso, se o seu objeto invade situação que não pode ser regulada pela via arbitral, em razão de contrato ou da sede da arbitragem, circunstância capaz de privar a execução de eficácia.

Destarte, a convenção de arbitragem deve levar em conta alguns fatores para evitar o esvaziamento de sua eficácia, mediante a verificação do direito aplicável ao acordo arbitral; do direito vigente no lugar da arbitragem; do direito do país da execução.