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PARTE I – DA ARBITRAGEM

3. ANÁLISE DA REGULAÇÃO/APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM EM

3.5 Arbitragem no Brasil

3.5.2 A Lei 9307/96

A Lei 9307/96, introduziu importantes modificações na sistemática da arbitragem. Dentre essas modificações, estão a possibilidade de execução específica da cláusula compromissória e a equiparação do laudo arbitral a uma sentença judicial, dispensando, portanto, a homologação pela autoridade judiciária.

Com a Lei de Arbitragem ficaram equiparados, tanto no plano interno como no plano internacional, os efeitos da cláusula compromissória e do compromisso arbitral. Desta feita, a existência da cláusula compromissória obriga, por si só, à instauração de juízo arbitral, passando a existir um gênero, a convenção de arbitragem, do qual emanariam as duas formas de pactuação da arbitragem. É o que está previsto no art. 3o da Lei em questão, ao prescrever que “as partes podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.

Apesar da lei 9307/96 ter contemplado os dois instrumentos, a doutrina e a jurisprudência apontam entendimento que passa a admitir a instauração da arbitragem, no plano interno, apenas com base na cláusula compromissória, sem necessidade de celebrar o compromisso. Essa posição defende que, em havendo cláusula compromissória cheia – aquela que prevê regras sobre a forma de instituição da arbitragem (através de regras de algum órgão

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arbitral institucional ou entidade especializada ou outra forma convencionada pelas partes), a instauração da arbitragem ocorrerá com a ida a tal órgão ou em conformidade com o procedimento expressamente acordado. Essa interpretação seria a que melhor potencializaria a Lei de Arbitragem, sendo esta a posição do STF.

Importante destacar o art. 7o da referida Lei, onde fica estabelecido a execução específica da obrigação de instauração do juízo arbitral, na hipótese de uma das partes signatárias do contrato mudar de idéia e se recusar a realizar a arbitragem, mediante a celebração de compromisso judicialmente, que irá substituir a declaração de vontade da parte faltante.

O art. 7o prescreve:

“Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.

§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.

§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.

§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito. § 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral”. Referido normativo substitui anterior visão de que seria possível entender a convenção de arbitragem como uma obrigação de fazer (e fazendo com que seu não cumprimento pudesse ser convertido em perdas e danos), passando a regular que a vontade recalcitrante de uma das partes possa ser substituída pela sentença judicial. Cabe o registro, todavia, que a sentença judicial não adentrará no exame do mérito da causa, mas apenas terá o condão de gerar o compromisso arbitral, a fim de possibilitar a instauração da arbitragem, antes concorde.

No plano internacional, prescinde-se da celebração dos dois instrumentos (a cláusula compromissória e o compromisso arbitral), já que a cláusula compromissória, por si só, seria apta a instaurar o juízo arbitral. Tal regra é adotada, também, pelo Protocolo de Genebra de 1923, pela

Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1975 (Panamá) – fruto da CIDIP I (Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado) e pela Convenção de Nova York de 1958.

Acerca da equiparação da sentença arbitral à sentença judicial, a Lei 9307/96 acabou com a exigência de homologação da sentença arbitral. É a previsão dos artigos 18 e 31 da referida lei: “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”; “Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

É a percepção da equiparação da sentença arbitral com a sentença judicial que permite compreender a existência da ação anulatória prevista no art. 32 e 33 da Lei de Arbitragem. Referida ação não tem o condão de revisar matéria de mérito, ou seja, a pretensão, já decidida pelo árbitro. Não tem, pois, natureza recursal. A finalidade maior da ação de impugnação é promover uma verificação formal do fiel cumprimento do ofício de julgar pelo árbitro, verificando as questões de ordem pública, a manutenção da imparcialidade e a completude do julgamento, bem como sua vinculação às regras estabelecidas na convenção de arbitragem.

A decisão arbitral pode ser cumprida voluntariamente pelas partes, ou, se a parte vencida se recusar ao seu cumprimento, instaura-se um processo de execução, com a interveniência do Poder Judiciário. Isso porque, dos três módulos processuais, o módulo de conhecimento, o módulo de execução e o módulo cautelar, apenas a atividade da busca pela certeza jurídica (presente, de maneira preponderante, no módulo de conhecimento) pode ser desempenhada pelo juízo arbitral. Qualquer medida de caráter coercitivo-expropriativa somente pode ser implementada na ceara do judiciário.

Cabe o registro, outrossim, da norma do art. 475-N, IV, do CPC, que, em consonância com a Lei 9307/96, considera a sentença arbitral como um título executivo judicial. Apesar de não ser uma atividade realizada pelo Poder Judiciário, a sentença arbitral fora intencionalmente colocada, pelo legislador, como título executivo judicial, pois, com isso, estar- se-ia restringindo as hipóteses de embargos de devedor quando do processo de execução. As hipóteses de interposição de embargos de devedor contra título judicial estão enumeradas em um rol taxativo, ao passo que, com relação aos embargos contra título extrajudicial, além das

matérias expressamente previstas na lei, o devedor poderia argüir qualquer outra que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento. A classificação de título judicial visa, pois, a restringir as defesas contra a execução da sentença arbitral111.

3.5.2.1 Características da arbitragem internacional com o advento da Lei 9307/96.

As leis que regulavam a arbitragem antes da Lei 9307/96 não incluíam a definição de arbitragem internacional. A Lei atual, todavia, deixa claro o conceito de sentença arbitral estrangeira, como sendo aquela proferida fora do território nacional, previsão esta que está o art. 34, parágrafo único: “Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei. Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional”. É, pois, a expressa previsão do critério geográfico pela Lei 9307/96.

Dolinger112 aponta que, no plano internacional, duas importantes alterações foram introduzidas pela Lei 9307/96, a saber, a extinção da dupla homologação dos laudos arbitrais proferidos no exterior e a admissibilidade da via postal para a citação da parte domiciliada no exterior.

O art. 35 da Lei de Arbitragem passa admitir a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras, independentemente de homologação judicial no país de origem. Para o reconhecimento das sentenças arbitrais, necessita-se, unicamente, de homologação pelo STJ113.

A nova Lei estabelece, outrossim, requisitos específicos para a homologação da sentença arbitral proferida no exterior, previstos nos arts. 38 e 39. São regras diversas das contidas no art. 15 da Lei de Introdução ao Código Civil.

O art. 38 prescreve: 111

Para uma análise mais detalhada da Lei 9307/96 e sua influência no panorama da arbitragem doméstica ver CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 1997.

112

Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 37-47.

113

Cabe o registro que a Lei 9307/96 aponta o STF como o órgão responsável pela homologação de sentenças estrangeiras, norma que fora tacitamente revogada pela EC 45, sendo a referida competência transferida para o STJ.

“Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada”.

O art. 39 complementa:

“Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”.

A Lei de Arbitragem estabeleceu oito requisitos específicos para a homologação de sentenças arbitrais proferidas no exterior, distintos daqueles vigentes para homologação das sentenças estrangeiras. Assim, a alínea “c” do art. 15 da LICC – que estabelece que a sentença estrangeira deve ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida – não pode ser invocada para exigir a homologação judicial no exterior. O art. 38, inc. VI, da Lei de Arbitragem, todavia, pode ser aplicado nos casos em que a sentença arbitral não homologada judicialmente num país onde tal procedimento é necessário, para impedir a homologação da referida sentença arbitral no Brasil.

Questão importante é saber se o legislador nacional, ao estabelecer o termo “unicamente” no art. 35 da Lei de Arbitragem, seguiu a tendência internacional de desvincular a arbitragem da lei do lugar de sua realização (vinculando-se apenas a lei brasileira, local da execução) ou se se mantêm fiel ao critério territorial de condicionar a validade da sentença

arbitral ao lugar de realização da arbitragem. Neste ponto, o STF114 vem aplicando o art. 35 sem maiores debates e, principalmente, sem se ater à qualificação dada à sentença arbitral pela lei local da sede da arbitragem. A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à sentença judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria para autorizar a homologação, no Brasil, da sentença arbitral estrangeira, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem.

A outra importante inovação da Lei 9307/96, no que pertine ao âmbito internacional, foi a desnecessidade que a citação da parte domiciliada no Brasil seja feita por carta rogatória, conforme parágrafo único, do art. 39 da Lei 9307/96, transcrito acima.

Referido dispositivo representa significativa mudança, pois se afasta da orientação do Supremo Tribunal Federal e do entendimento da doutrina nacional de que a citação da parte residente ou domiciliada no Brasil só poderá ser realizada no país por meio de carta rogatória, não sendo admitida a citação por via consular ou diplomática ou por via postal.