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2 A COOPERAÇÃO E SUAS PARTICULARIDADES

2.3 A dimensão do direito de propriedade

O direito de propriedade, em regra, é entendido como direito ou poder de consumir, obter rendimentos ou mesmo alienar um ativo da organização societária. Ou seja, o direito de propriedade sobre uma organização é aquele em que há possibilidade de usar os benefícios decorrentes da atividade operacional e obter, ao final do processo produtivo, a apropriação devida sobre o resíduo ou resultado positivo. Inclui-se aí, também, a transação desse direito no mercado, convertendo o ativo produtivo em unidades monetárias.

Esse direito, na concepção econômica desenvolvida por Alchian (1965; 1987) e Cheung (1969), é essencialmente a capacidade de desfrutar de um pedaço de propriedade. Ambos os autores enfatizam que o direito de propriedade não se limita à dimensão legal, pois, além dela, inclui-se a questão das normas sociais, ou seja, as forças dos costumes sociais e do desejo de integração, porque também condicionam o uso dos recursos e, portanto, circunscrevem os direitos de propriedade.

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O Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates) é um recurso de grande valia para os cooperados, familiares e empregados, tudo para manter os princípios cooperativistas da educação, do equilíbrio social e da possibilidade de oportunidades; entretanto, o emprego desse fundo deve estar previsto no estatuto social (LIMA, 1997).

Fulton (1995) ensina que os direitos de propriedade – definidos como o poder de obter renda, consumir ou alienar determinado ativo em uma cooperativa – não estão separados do controle da organização, em que os cooperados não podem apropriar-se do direito em forma de lucro residual. O autor afirma que a teoria do direito de propriedade pode ocupar o papel central na teoria institucional. Nas sociedades cooperativas, os cooperados são aqueles que detêm os direitos residuais ao fluxo de rendimentos gerados pela organização. Mas, como os direitos de propriedade sobre esse ativo são divididos e não há separação completa, os cooperados não podem apossar-se dos fluxos oriundos desses direitos de forma igualitária. Ao complementar aduz que, quando há um direito comum de propriedade entre muitas pessoas, este é confundido diretamente com recursos de livre acesso. Essa situação leva a outra, em que o direito de propriedade seja exercido por um grupo de pessoas com obrigações de gestão, de acordo com regras formais – estatutos – e informais – éticas –; e, assim, os recursos acabam por não ser totalmente explorados.

Comparativamente, pode-se afirmar o seguinte: nas sociedades cooperativas há uma noção de direito comum de propriedade, enquanto nas sociedades empresariais, esse direito é individual, com fronteira claramente definida, sendo o proprietário do capital aquele sócio ou acionista que tem direitos residuais aos rendimentos auferidos da organização na forma de pró-labore e de lucros distribuídos. Trata-se de um diferencial importante, tanto que os direitos de propriedade de uma sociedade empresária anônima podem ser negociados em mercados de capitais e são transferidos entre as partes, o que efetivamente não acontece em relação às sociedades cooperativas, implicando custos de transação diferentes para essas duas formas de organizações societárias.

A alocação inicial dos direitos de propriedade nas sociedades cooperativas de produção agropecuárias e agroindustriais é primariamente estabelecida pelo ambiente institucional formal externo – Lei nº 5.764 (BRASIL, 1971). Isto é, esse instituto regula, entre outros itens, desde o número mínimo de proprietários, as formas de execução do controle e o estabelecimento da quota-parte do capital social de cada cooperado.

Por outro lado, os serviços prestados pelas sociedades cooperativas agropecuárias aos cooperados são, em maioria, gratuitos, condição que valoriza as relações de usuário, mas não cria um julgamento de valor quanto ao recebimento de serviços pelos cooperados. Assim, a

dimensão do usuário pode ser caracterizada como um contrato relacional. O desenho dos contratos certamente responde às motivações econômicas, assim como às dificuldades de transformar o acordo sobre o padrão de comportamento em ações de interesse comum. No entanto, as possibilidades de configuração de um contrato dependem, também, da história do relacionamento entre as partes e do conjunto de atividades e transações que cada sociedade cooperativa mantém, por ocasião da celebração do contrato, com o cooperado.

A visão relacional dos contratos, segundo SPEIDEL, 1993 apud ZYLBERSZTAJN,

2005destaca três pontos com importantes implicações à contratação:

a) a transação se prolonga no tempo;

b) elementos de troca não podem ser mensurados ou especificados precisamente (por ocasião da celebração do contrato);

c) a interdependência das partes com relação à troca transcende, em alguns momentos, uma única transação, passando a um conjunto de inter-relações sociais.

Como consequência, em situações de dependência econômica, o contrato ultrapassa a mera transferência de direitos de propriedade e passa a representar um complexo de transações, em que os deveres não são todos explicitamente considerados, mas estão implícitos na relação econômica de interesse mútuo das partes.

Nesse contexto, quando participa de uma sociedade cooperativa agropecuária mediante uma relação estatutária, o cooperado cria, com o tempo, um compromisso confiável em torno da continuidade dessa relação, uma vez que, ao assim proceder, as partes interagem com objetivo comum, criando uma motivação de dependência econômica, nas várias operações de transferências de ganhos diretos e indiretos.

A dependência econômica pode ser considerada uma problemática, porque as partes (cooperados e sociedade cooperativa de produção agropecuária) não são capazes de prever todas as possíveis contingências e incorporar as respectivas salvaguardas, na ocasião da formalização do estatuto social. Os contratos são incompletos, apresentando lacunas que abrem possibilidade de ocorrência de custos derivados da dependência econômica, haja vista não ser possível formatar um contrato completo, devendo as partes criar mecanismos para solucionar as contingências inesperadas.

A orientação para o desempenho econômico não é oposta à doutrina cooperativista, mas, pelo contrário, é uma condição para que a sociedade cooperativa possa cumprir sua missão: prestar serviços aos associados e melhor remunerar a produção, uma vez que o sucesso da cooperação somente ocorre quando o benefício econômico auferido pelo cooperado é superior ao que obteria de forma individual e livre no mercado. Assim, os resultados econômicos das atividades organizadas pelas firmas dependem tanto das regras internas das firmas, quanto da estrutura externa dos direitos de propriedade. E essa forma é realizada por meio do estatuto social.

Identifica-se, na relação estatutária do cooperado e a sociedade cooperativa de produção agropecuária, a apropriação do direito econômico da propriedade, manifestado pela melhoria puramente econômica do cooperado, que se mescla às aspirações sociais. Esta é pontuada pela expansão de várias atividades desenvolvidas pela organização, como a assistência técnica e extensão rural, pelos serviços prestados por meio de incorporação de programas operacionais e inovações tecnológicas projetados em benefícios comuns dos cooperados e pela assistência profissional e assemelhadas, como a realização de cursos, palestras, treinamentos e eventos em geral, entre outros.

Nessa relação, os cooperados são capazes de absorver e processar, de forma razoável, as informações disponibilizadas, podendo-se deduzir que a busca pela maximização da utilidade está sujeita às restrições cognitivas, que podem transformar a capacidade de processamento mental no fato mais importante a ser economizado, (WILLIAMSON, 2012, p.18).

Não há como negar que o comportamento do cooperado deve ser baseado na busca do interesse próprio, com respeito à regra do jogo. Pela ótica da Teoria do Custo de Transação, o comportamento humano é marcado pelo oportunismo, definido como uma maneira mais forte de buscar o interesse próprio, que pode incluir práticas irregulares, levando as pessoas a esconder ou distorcer informações, respeitando as regras do jogo, se lhe convier. Entretanto, o cooperado deve praticar os atos negociais sempre sob a égide dos bons costumes, preservando o interesse coletivo à luz das regras institucionais.

Diante das características apontadas, na sociedade cooperativa de produção agropecuária, há possibilidade de usar os benefícios decorrentes da atividade operacional e obter, ao final do

processo produtivo, a apropriação devida sobre o resíduo ou resultado positivo. Quando esses benefícios forem em forma de melhoria de preços, condições de produção e assistência técnica, podem resultar em maior indefinição de direitos sobre a propriedade e sobre a própria decisão de utilização.

Ressalta-se que essas organizações são regidas pelo princípio da mutualidade, pois suas decisões não obedecem à força do capital investido dos cooperados, mas subjetivamente ao valor da pessoa física ou pessoa jurídica que as compõem, pouco importando o quantum de sua contribuição material (bens fungíveis ou infungíveis) nas atividades negociais. O princípio da mutualidade requer a conjugação partidária de esforços entre os cooperados para, por meio da organização e graças a ela, obter resultados comuns, eliminando intermediários na circulação de riqueza. Entre os cooperados haverá, portanto, uma comunidade unitária de capital e de interesses. Os cooperados devem participar das decisões sobre o funcionamento da sociedade cooperativa de produção agropecuária; e, havendo decisão da assembleia, parte das sobras líquidas podem ser destinadas para constituir o Fates, e o restante ser distribuído.