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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RESULTADO

6.5 O direito de propriedade é bem definido?

O principal argumento de Coase (1960) no artigo seminal “The problem of social cost” é que, se não houver custos de transação, então basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos, para que os agentes voluntariamente negociem, de modo a levar os recursos ao uso mais eficiente. Trata-se de premissa verdadeira, entretanto, se nas atividades de natureza econômica das sociedades cooperativas os direitos de propriedade fossem bem definidos;

consequentemente, se não houvesse custos de transação, o uso eficiente dos recursos pela atividade econômica dessas organizações deveria ser, automaticamente, atingido na plenitude.

Em regra, pode-se afirmar que há, sim, um direito comum de propriedade nas sociedades cooperativas, porém não bem definido. Cada cooperado tem poder de interferir no destino das organizações, não proporcionalmente à participação do capital social, mas de acordo com o princípio de, a cada cooperado, o direito a um voto. É evidente que, na ocorrência de um direito de propriedade entre muitos cooperados, este é confundido com recursos de livre acesso. Essa situação leva a outra, em que o direito de propriedade seja exercido por um grupo de cooperados com obrigações de gestão, de acordo com regras formais – estatuto social – e informais – costumes. Assim, os recursos disponíveis acabam por não ser totalmente explorados.

Por sua vez, não é o que se percebeu nos estudos empíricos em sociedades cooperativas, onde há pouca definição do direito de propriedade, originando custos de transação. Senão, vejamos: o direito de propriedade é, essencialmente, a capacidade de desfrutar de parte da propriedade, conforme Alchian (1987, p. 27) e Cheung (1969, p. 27). É o poder de obter renda, consumir ou alienar ativo de uma cooperativa, conforme preceitua Fulton(1995, apud BIALOSKORSKI NETO, 2012, p. 28). Nessas condições plenamente definidas, verifica-se que os cooperados não podem apropriar-se desse direito em forma de lucro residual, por expressas disposições na Lei nº 5.764 (BRASIL, 1971). A percepção apontada nas entrevistas versa sobre a pouca definição do direito de propriedade e, como mostra o quadro nº 9, as informações não são precisas sobre esse direito, com conteúdo econômico à disposição aos cooperados.

Quadro 9 – Direito de propriedade

Cooperativas Respostas

“A”

A sociedade cooperativa tem consciência de que há um direito comum de propriedade entre os cooperados? Sim. Quais são esses direitos? RESPOSTAS. Os direitos previstos no Estatuto e na Legislação.

“B”

A sociedade cooperativa tem consciência de que há um direito comum de propriedade entre os cooperados? Quais são esses direitos? Sim. O patrimônio Líquido da Cooperativa, representado pelo Capital Social, Sobras Líquidas e o Lucro decorrente das operações realizadas com os não cooperados.

“C”

A sociedade cooperativa tem consciência de que há um direito comum de propriedade entre os cooperados? Quais são esses direitos? Sim, respeito ao depósito espontâneo de sua produção, com consequente disponibilização de recursos, a tempo e na necessidade de cada Cooperado.

“D”

A sociedade cooperativa tem consciência de que há um direito comum de propriedade entre os cooperados? Quais são esses direitos?

A Cooperativa, que pertence aos seus cooperativados, procura propiciar tratamento igualitário para todos os associados em todos os assuntos, somente levando em consideração o valor da safra, quando for aplicável este critério.

Fonte: Informações das entrevistas realizadas pelo autor

Observa-se que, no estudo empírico das sociedades cooperativas, o aspecto de relevância econômica é a definição do direito de propriedade. Essa definição é essencial para o desenvolvimento das atividades negociais, uma vez que se relaciona aos efeitos da atribuição de direitos sobre o comportamento dos produtores rurais, cooperados e agentes econômicos, e com o funcionamento dos mecanismos de mercado. Ou seja, sem a definição dos direitos de propriedade há prejuízos nas transações econômicas, com dificuldades de implantação e desenvolvimento dessas organizações. Dessa maneira, é possível afirmar que somente existirá uma definição do direito de propriedade, quando se constituir o objeto potencial de transações no mercado e, assim, contribuir para a criação e a organização de mercados e redução de custos de transação.

O estudo pautado nas informações colhidas nas entrevistas com os especialistas permitiu identificar que as sociedades cooperativas têm o poder de obter renda (resultado das operações com os não cooperados – atos não cooperativos) e vender bens do ativo não circulante. Entretanto, o resultado apurado deverá compor o Fates, quadro nº 10, que tem destinação específica, como explicado no Capítulo 3 – A sociedade cooperativa de produção agropecuária e a capacidade de gerar rendas.

Quadro 10 – Criação do Fates

Cooperativas Respostas

“A”

O art. 28 da Lei nº 5.764, de 1971, prevê a criação do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES), cuja origem decorre dos princípios dos pioneiros de Rochdale: “dos ganhos, uma parcela seria destinada a um fundo para educação dos membros cooperados.” A sociedade cooperativa constitui anualmente o FATES? Além da parcela das sobras líquidas, qual(is) o(s) valor(es) que integra(m) o FATES? RESPOSTA. Sim, a princípio somente o que determina a Lei, mas também usamos recursos do Sescoop, e outros recursos de empresas parceiras e da própria cooperativa para esta finalidade como por exemplo toda a assistência técnica é gerada pela margem negocial em nosso caso valores superiores a dois milhões.

“B”

O art. 28 da Lei nº 5.764, de 1971, prevê a criação do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES), cuja origem decorre dos princípios dos pioneiros de Rochdale: “dos ganhos, uma parcela seria destinada a um fundo para educação dos membros cooperados.” A sociedade cooperativa constitui anualmente o FATES? Sim, exceto nos anos em que possui perdas no exercício. Além da parcela das sobras líquidas, qual(is) o(s) valor(es) que integra(m) o FATES? Constitui apenas o percentual legal de 5% sobre as sobras líquidas.

“C”

O art. 28 da Lei nº 5.764, de 1971, prevê a criação do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES), cuja origem decorre dos princípios dos pioneiros de Rochdale: “dos ganhos, uma parcela seria destinada a um fundo para educação dos membros cooperados.” A sociedade cooperativa constitui anualmente o FATES? Além da parcela das sobras líquidas, qual(is) o(s) valor(es) que integra(m) o FATES? Sim, 5% das sobras líquidas mais o resultado (lucro) com Não Associados.

“D”

O art. 28 da Lei nº 5.764, de 1971, prevê a criação do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES), cuja origem decorre dos princípios dos pioneiros de Rochdale: “dos ganhos, uma parcela seria destinada a um fundo para educação dos membros cooperados.” A sociedade cooperativa constitui anualmente o FATES? Além da parcela das sobras líquidas, qual(is) o(s) valor(es) que integra(m) o FATES? O FATES é constituído anualmente, pelas sobras líquidas e pelo resultado do Ato Não Cooperativo.

Fonte: Informações das entrevistas realizadas pelo autor

Partindo da definição de direitos de propriedade como a posse dos direitos sobre as receitas residuais e dos direitos residuais de controle, observa-se que a legislação cooperativista brasileira, no esforço de manter a propriedade e o controle da organização dispersos e de assegurar a soberania dos usuários sobre a cooperativa, acaba não alocando os direitos de propriedade da forma mais eficiente possível, criando diversos obstáculos para o melhor funcionamento. Em outras palavras, Cook (1994) afirma que, dadas as características particulares de uma cooperativa, a alocação dos direitos de propriedade leva a conflitos sobre os direitos residuais de controle e sobre as receitas residuais, elevando os custos de transação, principalmente quanto mais complexa for a estrutura organizacional da cooperativa.

Nesse contexto, as sociedades cooperativas, ao apurar resultado positivo das operações decorrentes do ato cooperativo denominado de sobras líquidas, e havendo decisão de Assembleia, podem destinar parte das sobras à constituição do Fates e o restante distribuir aos cooperados. É importante ficar consignado que o valor residual das sobras líquidas distribuídos pode constituir uma definição de direito de propriedade. Tal fato justifica o estudo das principais disposições legais e normativas sobre os registros de reconhecimento, a mensuração do lucro contábil e das sobras líquidas, classificadas no patrimônio líquido, fontes de recursos das sociedades cooperativas para o suporte dos encargos dos ganhos diretos e indiretos dos cooperados.

Observa-se, no tocante aos direitos de propriedade, que estão divididos homogeneamente entre todos os associados devido ao princípio de gestão democrática que, entre outros pontos, estabelece o preceito de um homem - um voto. Por sua vez, os direitos sobre as receitas residuais não estão alocados na proporção do capital integralizado, sob a forma de quotas- partes, mas ao volume de operações realizadas na cooperativa.

Portanto, a definição dos direitos de propriedade é tida como fundamental para determinar os custos e benefícios associados ao uso dos recursos e a alocação destes entre indivíduos, estruturando os incentivos que determinam o comportamento econômico. As instituições que definem e alocam os direitos de propriedade podem afetar as decisões e, por decorrência, o comportamento econômico e os resultados, sendo que essas instituições abrangem tanto as regras formais do ordenamento jurídico estatal – constituição, leis, decisões judiciais – como os arranjos privados, convenções e costumes, com vista à alocação e uso do instituto do direito de propriedade. Entretanto, é possível afirmar que há pouca definição do direito de propriedade, constatado no estudo empírico das sociedades cooperativas de produção agropecuária, inclusive, as agroindustriais.