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Rui Miguel Zeferino Ferreira

3. A dimensão do Estado no mercado e na governação

3.1. Considerações introdutórias

Na atualidade o mundo vive sob a influência da ideia de Estado de bem-estar, de onde resulta a construção da economia de bem-estar de inspiração keynesiana. Essa teoria sustenta como seu paradigma de base que o Estado enquanto responsável pela governação coletiva possui um poder soberano sobre uma determinada área territorial, com o objetivo de intervir em benefício da eficiência e do bem-estar dos cidadãos. Essa intervenção ocorrerá quando os mercados não funcionam ou são imperfeitos, o que sucede segundo alguns autores com a produção ou fornecimento de certos bens públicos e com as externalidades.

Segundo FRANCESC TRILLAS (2014), o Estado não é a única alternativa aos mercados, uma vez que existem soluções baseadas na cooperação e na coordenação das comunidades humanas. A esse propósito BRUNO FREY (1999 e 2009) defendeu a existência de jurisdições funcionais de sobreposição e competitivas com o Estado e o mercado. Contudo, a doutrina sustenta ainda que mesmo que o mercado garanta a eficiência poderá não estar garantido o respeito pelo princípio da equidade e os requisitos mínimos da justiça distributiva. Este entendimento tem tido o efeito de alargar descontroladamente a dimensão da intervenção do Estado. Efetivamente, algumas teorias defendiam ser preferível um pouco mais de equidade do que mais eficiência, mas tais teorias entraram em falência no início do presente século.

Daqui resulta o dilema clássico entre equidade e eficiência. Ora, segundo a lógica rawlsiana o bem- estar social estará relacionado com aquele que se refere aos indivíduos mais vulneráveis da sociedade, pelo que seria independente do bem-estar dos demais elementos da sociedade. Porém, as funções de bem-estar social são criticáveis devido às dificuldades existentes na comparação interpessoal de utilidade ou bem-estar individual. Por seu lado, diferentemente AMARTYA SEN (2006) define o bem-estar a partir das capacidades básicas dos indivíduos para se desenvolverem em liberdade.

Estas assunções poderão ser insatisfatórias, por estarem associadas a um critério de paternalismo estatal. Na verdade, economistas como James Buchanan destacaram as imperfeições da intervenção pública, o que leva inclusivamente a que os resultados dos mercados imperfeitos sejam mais eficientes do que aquele que resulta da ação pública. Neste sentido, defende-se a existência do Estado mínimo, com uma intervenção

de mero guarda-noturno, na linha da revolução conservadora de Reagan e Thatcher, bem como da linha doutrinária preconizada pela Escola de Chicago de Stigler e Friedman e da Escola Austríaca de Von Mises e Friedrich Hayek. Embora com distintas abordagens e linhas de argumentação todos concordam com a limitação da importância das imperfeições do mercado, recomendando que o Estado tenha um menor nível de intervenção mas decisões da oferta e da procura. Por seu lado, a Escola Italiana de Milão, representada por nomes como Alberto Alesina, é também partidária de uma intervenção limitada do Estado, denotando uma enorme desconfiança pela intervenção pública e, pelo contrário, mais próxima das soluções tecnocratas e do pensamento de James Buchanan.

3.2. A dimensão dos Estados e o federalismo

Segundo o pensamento de Kuznets, os Estados de maiores dimensões territoriais têm no seu tamanho uma vantagem, decorrente de poderem aproveitar as economias de escala no fornecimento de bens públicos, enquanto os Estados de menores dimensões têm a vantagem de conseguirem adaptar os tipos de bens públicos de uma forma mais precisa, face às preferências dos indivíduos e da sociedade em que estão integrados.

Na realidade, nos Estados mais pequenos existe tendencialmente uma maior homogeneidade, o que torna mais fácil encontrar soluções capazes de resolver os problemas que surgem, porque estes serão comuns a um maior número de indivíduos, permitindo a adoção de soluções mais eficientes.

Isto não significa que os Estados de menores dimensões sejam melhores que os outros de maiores dimensões. Na esteira de LAURENT (2008) não se pode tirar a conclusão que existe uma correlação direta entre a dimensão dos Estados e o seu nível de desenvolvimento. Pois, tanto existem Estados pequenos e grandes com um elevado nível de crescimento e de desenvolvimento como são exemplos a Suíça e os Estados Unidos da América ou, o inverso, como a Bolívia e a Nigéria. No nível institucional, podemos considerar que existe como tendência uma melhor qualidade nos Estados mais pequenos, mas tal não pode ser simplesmente imputado à maior homogeneidade, uma vez que em muitos Estados pequenos também é possível encontrar elevados níveis de heterogeneidade.

Segundo o liberalismo internacional de ALESINA e SPOLAORE (2003), que se encontra ainda assim distante do protagonizado pelo fundador da Escola de Milão – Einaudi13 –, existem determinados

custos e benefícios associados à dimensão dos Estados. A principal vantagem para os Estados de maiores dimensões resulta das economias de escala na produção e na administração de bens públicos. Esta circunstância, caso os demais fatores se mantenham constantes, garante um nível tendencialmente mais reduzido de impostos. O seu maior óbice resulta da maior heterogeneidade da sociedade, que conduz a que a satisfação individual ao nível dos bens públicos recebidos ou fornecidos dê origem a um nível superior de insatisfação. Esta realidade irá gerar tendencialmente problemas mais profundos ao nível das falhas e da

13 Einaudi foi um liberal federalista, que nos anos 40 do século passado defendia abertamente uma federação económica

europeia, no âmbito do qual construiu a teoria do mercado global e desenvolveu a teoria do governo federal. Neste contexto, defendia ainda antes da instituição da CECA a existência de um Estado supranacional federal e democrático, como resposta às virtualidades do mercado global.

falta de eficiência na governação. Isto sucede porque as preferências individuais são diferentes e numa sociedade heterogénea esse fator é exponencialmente agravado, não existindo forma de evitar essa diversidade num mundo globalizado e de interconexões globais.

É dentro deste problema da governação que o federalismo dá uma adequada solução e resposta, sendo porventura aqui que estará uma das suas maiores vantagens, por conseguirem resolver o problema da diversidade.

Por seu lado, os Estados de pequenas dimensões têm a desvantagem de não gerar economias de escala, tendo sido a própria globalização que permitiu a sua sobrevivência, o que num mundo protecionista seria impossível. Tal facto leva a que a dimensão ideal dos Estados se reduza por efeito do desenvolvimento do comércio internacional. Ora, como referem os citados autores italianos, uma das vantagens e dos fatores que conduziram à existência de Estados ou blocos económicos de maiores dimensões desvanecesse quando deixa de ser necessário criar um mercado interno de maiores dimensões. Por este efeito, também a ideia de Estado “grande” ao nível da intervenção económica deixa de fazer sentido e de ser justificada. Neste sentido, o Estado e o mercado são substitutos. Por isso, a alteração do mercado e o seu aprofundamento têm o efeito de modificar a dimensão e o nível de intervenção ideal do Estado.

No que respeita à União Europeia, SPALAORE (2013) numa visão liberal sustenta que a sua evolução não foi constante e simétrica ao longo dos últimos sessenta anos. Isto é, por um lado, sofreu a influência de uma visão integrativa, que implica a perda de soberania dos Estados-nação e, por outro, em certos períodos históricos desenvolveu-se a visão intergovernamental, em que os Estados não desejam perder a sua soberania. Este autor defende que a visão integrativa levada muito adiante coloca o problema da falta de um mínimo de homogeneidade, ou por outras palavras, de falta de interesses comuns que sustentem a ideia de um Estado federalista. Deste modo, entende que no caso europeu os interesses são demasiadamente heterogéneos, o que na sua visão tornariam a federação europeia pouco sustentável. Mas será assim mesmo? Ora, quando observamos outras realidades federativas vislumbramos realidades bem mais complexas, que para além das diferentes línguas, problema comum no continente europeu, têm problemas bem mais complexos ao nível religioso, étnico e cultural do que a europa, em que se pode considerar existir uma ideia de cultura europeia, de princípios e valores comuns. Efetivamente supomos que o grande problema será a cultura jurídica enraizada do Estado-nação, mas nem por isso impossível de conciliar numa federação, em especial em épocas de crise e incerteza global.

Contrariamente, UDO PAGANO (2003) considera que o problema central da União Europeia está na dificuldade de fazer evoluir as instituições políticas, de modo que estas garantam o adequado desenvolvimento do mercado quando fortemente integrado, em particular “de aquellas que habían asegurado

una cultura común y una adecuada solidaridad económica en lo interno de los estados nacionales que son ahora miembros de la Unión Europea”. Por fim, por recurso ao trilema de RODRIK (2011) observa-se que do ponto de vista

institucional existem três realidades distintas, das quais apenas duas delas se podem verificar em simultâneo. Essas realidades são o Estado-nação, a integração económica internacional e a democracia política. A sua conjugação ao longo dos tempos foi-se alterando, sendo que na atualidade se colocam três opções, que ao mesmo tempo representam os dilemas da governação moderna. Na primeira será possível combinar a

globalização com o Estado-nação, mas em que se teria de prescindir da democracia política. Na segunda será possível reunir o Estado-nação e a democracia política, com o sacrifício da globalização, através de uma visão nacionalista. Por fim, assume-se como ainda possível uma terceira opção, que resultaria da conjugação da globalização e da democracia politica, com o sacrifício do Estado-nação, o que daria azo ao avanço de um modelo federalista internacional de organização e de governação. Contudo, diferentemente do que é defendido por RODRIK (2011), que opta pela segunda opção e em que sacrificaria a globalização entende- se como mais adequada a terceira opção, onde deveria ser sacrificada a ideia de Estado-nação, em prol do modelo federalista para o futuro da humanidade e em especial para o da União Europeia.

Esta diferença de entendimento decorre do facto do referido autor considerar que os modelos federalistas não permitem governar mercados internacionais e ao mesmo tempo manter níveis de flexibilidade nas diferentes unidades constituintes, isto é, que permita a existência de diversidade em cada uma das unidades da federação. Por isso, não se defende como equaciona RODRIK (2011) um federalismo à escala universal, mas vários e diferentes modelos de federalismo, pelo que a solução estará na definição do número e na dimensão dos Estados14. Nesta questão importa ter em atenção os custos de transição que

resultariam da agregação de diferentes unidades num único Estado federal. Efetivamente, dessa agregação resultaria a transferência de alguns elementos para um novo Estado federal, que podem representar questões problemáticas, como sejam as dívidas públicas e os défices orçamentais. Portanto, a questão de base está em modificar o número e a dimensão dos Estados na confluência de um ponto em que se apresentariam como ótimos ou ideais, ou seja, em que ocorreria a maximização das vantagens do mercado, da eficiência institucional, sem que tal implicasse a perda do bem-estar pré-existente para nenhum grupo de indivíduos. Além disso, o processo de agregação com vista ao federalismo exige um processo democrático, através de um processo eleitoral ou referendário.

Desse processo eleitoral ou referendário democrático resultaria um pacto político, o que não se mostra em muitas situações fácil de obter, como é demonstrado pela realidade europeia de avanços e recuos no projeto europeu ao longo dos últimos sessenta anos. Este pacto político para que seja viável depende de um conjunto de sentimentos de confiança ou receios por parte dos indivíduos-eleitores, uma vez que será necessário obter uma elevada confiança na agregação e o receio de consequências prejudiciais pela sua não efetivação. Embora sejam patentes as dificuldades não é impossível, nomeadamente num contexto de crises económicas e financeiras, e por existência de fenómenos políticos como o terrorismo internacional, que serão catalisadores e promotores desta agregação, uma vez que o receio da perda de bem-estar é propiciador dessa agregação, mesmo dentro da heterogeneidade.

14 BRUNO FREY vai mais longe e defende algo que ultrapassa a visão do Estado, quando apresenta a ideia e o papel

das organizações voluntárias para a gestão de bens coletivos ou para a resolução de problemas coletivos. Entre estas organizações defende a existência de competição, sobrepondo-se e rivalizando com o Estado ou até substituindo-o. Este tipo de organizações apresenta como vantagens a sua adaptação à geografia dos problemas e o facto de permitirem a inovação institucional. Porém, é utópico pensar que a humanidade se possa organizar unicamente com base nestas jurisdições, devido à necessidade de coordenação de políticas, embora não deixem de ser um elemento positivo para sustentar o avanço de um modelo federalista moderno e democrático, que parte do pressuposto que existem mais possibilidades institucionais entre o Estado e o mercado.