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191 Idem – Op.Cit.p.55.

7. OUTRAS QUESTÕES POLÊMICAS

Além das questões que já foram levantadas e que poderiam trazer sérias consequências ao mundo jurídico devido a carência de regulamentação. Poderíamos levantar muitas outras que produziriam efeitos diretos e imediatos, a serem analisados sob o prisma legal e também social.

Os casais homossexuais poderiam se utilizar das técnicas de recriação medicamente assistida para terem filhos? Maria Helena Diniz (2006, p.573) assevera que “a legislação Sueca veda essa prática e que a legislação Iugoslava permite. Na Grã-Bretanha e nos EUA, com apoio de entidades como a Gay Family Values, grupos de amigos gays fornecem sêmen a amigas lésbicas que vivem uma união homossexual para que possam fazer uma inseminação artificial”.

Podemos ainda questionar se existiria a possibilidade de aborto permitido no caso em que a mulher se submete à fecundação homóloga in vitro, e descobre que foi enganada por seu marido por ter sido utilizado sêmen de doador, situação já nomeada de “estupro científico”. (FONSECA, 1947, p.132)

No plano emocional, uma gravidez se inicia muito antes de se quer ter começado. Devendo haver uma prévia preparação que sedimentará o terreno necessário a essa nova etapa da vida. Vejamos as palavras de Rui Nunes e Helena Melo (2000, p.142):

“A Gravidez tal como qualquer acontecimento importante, reflecte toda a vida da mulher anterior à concepção, pelo que, parece natural o desejo de viver um

processo que corresponda às suas experiências com a sua própria mãe e pai, bem como, as necessidades frustradas da infância e da adolescência. Então, a alteração induzida por um processo de PMA, em que o responsável, sobretudo no plano emocional, pela gravidez é um terceiro, vai, muito provavelmente, condicionar a preparação da mãe e, com certeza do pai, no trabalho de vinculação destes ao futuro filho”.

Tomando-se por base os possíveis efeitos psicológicos que podem decorrer quando se utiliza material genético de terceira pessoa, a fim de evitar a rejeição paterna, algumas técnicas já mencionadas procuraram evitá-la a todo o custo, como acontece com o CAI - Confused Artificial Insemination (NUNES e MELO, 2000, p.565), na qual o sêmen do marido é misturado ao sêmen de doador para que paire a dúvida se o óvulo foi fecundado com o material do próprio cônjuge ou terceiro, a fim de que se afastar qualquer recusa afetiva.

Seria essa nova prática médica, aceitável do ponto de vista ético? Poderíamos ter - a despeito de tudo aquilo que se pensou sobre proteção das relações familiares, em termos de origem genética e controle -, afastada a segurança socialmente almejada por decisão do casal no sentido de decidir que a dúvida eterna seria a melhor saída para evitar a rejeição?

Poderíamos, até onde nossa mente nos permitir refletir, numerar outros tantos fatos correlatos ao tema da reprodução assistida, pois no campo das suposições, as hipóteses são infinitas.

Assunto até agora inédito, mas que pode vir a fazer parte de nossa realidade, pois se outrora o filho ilegítimo, conhecido como “bastardo”, em razão de ter sido concebido fora do casamento, e o adotado, em razão de ter sido abandonado e não ser filho biológico, foram alvos de preconceito social, devemos ficar atentos para o alerta feito e, da mesma forma, repelir qualquer tipo de discriminação quanto aos embriões excedentários.

Porém, acreditamos que diante do inegável avanço de técnicas médico reprodutivas e das incontáveis situações que poderão surgir, a hipótese apresentada por esta pesquisa, qual seja, apesar das veementes vantagens do sistema de reprodução, as decisões tomadas para o combate a infertilidade podem ser tomadas unicamente na perspectiva dos pais? Existe definição clara do entendimento da forma de vida existente ou não nas células embrionárias? E todo esse processo de criação, pode nos garantir a segurança que esperamos nas relações sociais e familiares, resguardando as situações jurídicas que se formarão nas futuras gerações?

CONCLUSÃO

Marcos Segre (2002, p.133-134), professor emérito de Medicina Legal e Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em matéria de limites éticos da investigação cientifica, disserta:

“Considero interessante comparar a situação do cientista, pesquisador, à de um homem, no escuro, dentro de um quarto. Ele não sabe onde estão as paredes, desconhecendo, portanto, os limites de sua liberdade. Mas, se ele quiser

“avançar”, ele não poderá fundamentar-se em fantasias quanto à situação das paredes, temeroso de se chocar contra elas. Ele que “avance”, ainda que com cuidado, para atenuar o embate do encontro, com seus “limites”. Apenas esse embate lhe dará a noção de seus limites, ensejando-lhes a oportunidade até mesmo de superá-los”.

A reflexão sobre as pontuações do autor revela que ele procurou demonstrar que o medo de chegar ao limite não pode afastar o desejo de encontrá-lo. A principal dificuldade, contudo, sem dúvida, reside na compatibilização entre o avanço científico com o conceito social, ético, moral, religioso, filosófico, sociológico, antropológico e jurídico do “aceitável”, com toda a carga subjetiva e valorativa que este termo pode representar.

Não obstante as variações e as simetrias socioculturais que podem ser percebidas entre Brasil e Portugal não resta dúvida de que as normas constitucionais acabam por ser citadas como uma espécie de “carta da razoabilidade”, impondo a todos os dois povos o respeito aos direitos ali tutelados.

Evidentemente as previsões e discussões não encontram na Carta Magna dos dois países o seu fim. O conflito ocorre entre direitos e princípios igualmente assegurados, o que faz com que surjam novos debates éticos em torno do “aceitável”.

A doutora Stela Marcos de Almeida Neves Barbas (2011, p.71), pesquisadora e professora portuguesa, em seu estudo Direito do Genoma Humano, assim apresentou a questão:

“É imperioso diluir tensões existentes entre os avanços da Ciência e os inalienáveis direitos fundamentais do ser humano. Tem de se reconhecer que o legítimo direito de fazer progredir a ciência não pode, todavia, ultrapassar determinados limites que ponham em causa princípios e valores tão dificilmente conquistados pelo homem e para o homem ao longo da sua história.

Tem de se encontrar uma solução de compromisso razoável entre a lealdade, a necessidade absoluta de conservar e defender raízes da identidade humana – artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa – e o direito fundamental da liberdade de conhecer e investigar – artigo 42.º do mesmo Diploma”.

A opinião dos autores jurídicos, assim como a dos médicos especializados na área da reprodução humana, também não é coincidente devido a própria dimensão que envolve o tema. Essa contradição de entendimento diverge não só quanto às técnicas empregadas, mas especialmente quanto aos limites encontrados para sua aplicação e investigação.

O autor português, João Álvaro Dias (1996, p.133), ao dissertar sobre a licitude ou não das diversas técnicas de procriação medicamente assistida, esclarece que “a par da “terapia clínica”, tais métodos perfilam-se como um meio de reprodução alternativo e então as interrogações adensam-se e as respostas são cada vez mais desencontradas”

Alerta o autor que “de resto, motivações eugênicas e de pura experimentação são sempre uma realidade a ter em conta; realidade que pode pôr em causa o que há de mais essencial no género humano –

o problema da origem da vida e o respeito intrínseco que à própria vida humana é devido, mesmo antes de adquirida a personalidade jurídica” (DIAS, 1996, p.133)

Segundo Miguel Angel Monge Sánchez (2003, p.117), este é o principal problema, nas palavras do autor:

“O principal problema ético que se apresenta na Fertilização In Vitro é a relação com o que podemos considerar o estatuto do embrião humano: é um ser humano em fase embrionária ou se trata de uma “coisa”? A resposta é decisiva posto que na FIV há perdas de embriões em diferentes fases do processo; há também excedentes que são descartados ou que são usados para investigação”.

Neste ponto, o debate ético se torna mais acirrado. Como devemos entender o embrião humano? É pessoa em potencial? É res? Para Star Lopez, mestre em apologia cristã pela BIOLA University, na Califórnia, há, ainda, uma terceira possibilidade. Em artigo intitulado: The Children of Science: People, Property, or Something in Between? a autora questiona:

“Como devem os Estados classificar embriões? A guerra muitas vezes tem sido promovida entre duas classificações, pessoa ou coisa. Mas e se o Estado admitir alguma coisa entre os dois, julgando ser o embrião uma pessoa em potencial com direito a especial respeito? Se um Estado adotar esta posição, como poderia a lei afetar a pesquisa médica?”. 192

Esclarece a autora que, sopesando as interpretações de “pessoa em potencial” com direito a “adequado respeito”, a sociedade pode demonstrar-se mais aberta ao que concerne a um embrião como uma pessoa com direitos delineados.193

A discussão, primordial, restou acoplada quanto ao excedente embrionário. Foi possível registrar a vertente científica preocupada com o delineamento ético e moral sobre a dimensão de discussões que envolvem o tema, bem como com a dignidade da pessoa humana e com manejo dessa forma vida, defendendo a utilidade social das técnicas de reprodução assistida paralelamente a uma produção embrionária estritamente necessária apta a ser utilizada nos processos de fertilização a fim de resguardar a proteção dessa forma de vida, seus direitos e sua existência.

Certo que a discussão que está longe do fim, sendo uma das grandes preocupações atuais. Definir limites capazes de assegurar o respeito à vida humana, considerada em si mesma, bem como enquanto direito essencial para a preservação da própria espécie e, ao mesmo tempo, não coibir o avanço da pesquisa médica é tarefa árdua, em que o bom senso e o sopesar preciso de avanços e retrocessos são determinantes.

192 LOPEZ, Star Q. - The Children of Science: People, Property, or Something in Between ?(March 8, 2006). 193Idem, Ibidem.

REFERÊNCIAS

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