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Universidade de Lisboa (PORTUGAL)

Sumário: Introdução; I ─ A relevância da vinculação constitucional do regime da função pública para

sobrevivência do instituto no âmbito jurídico-administrativo; II ─ Matriz constitucional estruturante das relações de trabalho dos agentes públicos; III ─ Regime da função pública na Administração e regulamentação infraconstitucional; IV ─ Delimitação positiva da função pública e do seu regime pela atribuição de competências; V ─ Delimitação positiva e delimitação negativa da função pública e do seu regime pela atribuição de prerrogativas para prestação de serviços públicos obrigatórios; VI ─ Função Pública na Administração e EC nº 19/1998: suprema confusão: VII ─ Conclusões; VIII ─ Referências bibliográficas

Introdução

A passagem do Estado Liberal ao Social conduziu à criação de um aparato estatal inédito para atendimento das funções prestacionistas195 assumidas pela Administração Pública. À multiplicidade de atividades

acometidas como deveres ao Estado correspondeu a necessidade de novas formas de organização administrativa e incremento dos recursos humanos para provê-las. Um dos efeitos desta transformação do aparelho estatal foi certo esbatimento das fronteiras entre o Direito Público e o Direito Privado no tocante à estrutura organizacional da Administração Pública e ao regime jurídico das relações de trabalho de seus agentes, fenômeno verificado especialmente nos países do sistema de administração executiva (romano- germânico), como o Brasil, nos quais o conjunto das atividades administrativas tradicionalmente é exercido em regime jurídico-administrativo, consubstanciado em estatutos aprovados por leis específicas por meio das quais são conferidas prerrogativas e sujeições aos servidores públicos de forma a distingui-los radicalmente do “assalariados privado”.196

O desenvolvimento de novas formas de prossecução do interesse público por entidades privadas da Administração Pública e a progressiva aproximação entre o regime de trabalho dos servidores públicos ao regime dos trabalhadores do setor privado apresenta-se como fenômeno de escala mundial,197 intensificado

194Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FDUL, Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Professor do Curso de Graduação em Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU.

195JUAN ALFONSO SANTAMARÍA PASTOR, Principios de Derecho Administrativo, Cuarta edición, p. 69, Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S. A..

196 PROSPER WEIL, o Direito Administrativo, p. 70, Coimbra: Livraria Almedina, 1977.

no último quartel do século XX sob a influência do modelo econômico privatista nascido durante a crise mundial causada pela alta excessiva dos preços do petróleo nas décadas de 1970/1980 e implementado, notadamente, nos países do Reino Unido e Estados Unidos da América. A privatização198 chega com força

à América Latina no início dos anos 1990 como a adesão dos governos da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia às diretrizes do “Consenso de Washington”.199

Entre os anos 1995 e 1998, o governo brasileiro fez aprovar sucessivas emendas constitucionais para habilitar a adoção de medidas necessárias à “delimitação das funções do Estado” com vistas à redução de seu “tamanho e grau de interferência”.200 As emendas romperam paradigmas de “função administrativa”,

“organização administrativa” e “regime da função pública” tal como haviam sido consagrados no texto original de 1988, que modelou um Estado intervencionista, titular de monopólios de atividades econômicas e de serviços públicos, responsável pela universalização de uma plêiade de direitos sociais incumbidos, direta ou indiretamente, à Administração Pública.

O regime jurídico da função pública, em especial, foi objeto da Emenda Constitucional nº 19/1998, a qual, dentre outras medidas relacionadas à organização administrativa e ao regime jurídico dos servidores públicos, modificou a redação original201 do caput do Art. 39 da Constituição. A nova redação202 extinguiu a

exigência da instituição de um “regime jurídico único” para os trabalhadores da Administração Direta, autárquica e fundacional, motivando ampla e indiscriminada aprovação de leis pelos Poderes Legislativos dos entes políticos federados para mudança do regime jurídico dos servidores públicos, migrando-os do regime jurídico-administrativo (estatutário) para o regime laboral do setor privado. Tratou-se de um movimento generalizado ao longo das décadas de 1990 e 2000, guardadas as especificidades relacionadas às competências federativas e às características de cada uma das centenas de milhares de organizações administrativas autônomas que integram a República Federativa do Brasil.203

Embora esse movimento tenha arrefecido após a suspensão da modificação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que em 02/08/2007, em decisão cautelar, repristinou a redação original do caput do Art. 39 por inconstitucionalidade parcial da EC nº 19/1998, a discussão sobre a natureza do vínculo laboral volta à ordem do dia após a promulgação da EC nº 95, de 15 de dezembro 2016, conhecida como “Emenda dos

198 O termo “privatização” compreeende vários sentidos: privatização da regulação e do Direito regulador da Administração Pública; privatização das formas organizativas, da gestão ou atividades administrativas; privatização pela venda e/ou abertura do capital social de empresas públicas; privatização dos critérios de decisão administrativa e dos mecanismos de controle da Administração. Cf. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo – Vol. I, pp. 464 e ss. Coimbra: Almedina, 2014.

199 LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA, “As políticas neoliberais e a crise na América do Sul”, Revista Brasileira de Política

Internacional - On-line version, volume 45 nº 2, Brasília July/Dec. 2002

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003473292002000200007#nt03 Acesso em 08/02/2017.

200 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle - Cadernos MARE da Reforma do Estado, p. 18. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, 1997.

201 Constituição da República: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.”

202 Constituição da República: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.” (Nova redação dada pela EC nº 19, de 1998 - Vide ADIN nº 2.135-4)

203 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 2014 o Brasil possuia 5.570 Municípios nos 27 Estados da Federação. http://www.ibge.gov.br/home/default.php Acesso em 07/02/2017.

gastos públicos”. A EC nº 95/2016 estabelece um regime fiscal rígido, com limites severos de gastos para órgãos e entidades da Administração Federal durante 20 anos. O corte das despesas da União tem efeitos diretos sobre os Estados e municípios, dada a interdependência fiscal, econômica e financeira do arranjo federativo, induzindo a retomada da velha discussão em torno dos custos e eficiência dos regimes estatutários comparativamente ao regime laboral comum.

Não obstante, como se pretende demonstrar, há um plexo normativo constitucional à regular o exercício da função pública pelos agentes públicos com vínculos de trabalho em todas as funções de poder do Estado e até mesmo por pessoas que não mantém vínculo laboral algum.204 Dadas as limitações formais, do presente

artigo estão excluídos aspectos próprios do regime da função pública relacionados às funções política, legislativa e jurisdicional, dos militares da União e Estados federados e, ainda, dos serviços notariais e de registro, esta última exercida em caráter privado por delegação do Poder Público (Art. 236 da Constituição). O escopo é limitado, pois, à função pública compreendida enquanto relação jurídico-administrativa205 concretamente constituída

entre servidores públicos dos órgãos ou entidades da Administração Direta ou Indireta.

I – A relevância da vinculação constitucional do regime da função pública para sobrevivência do instituto no âmbito jurídico-administrativo

As intensificação e diversificação da privatização das formas de organização administrativa, combinadas aos múltiplos modos de transferência da titularidade da execução de atividades aos particulares que as exercem sob o regime jurídico de Direito Privado colocaram em xeque postulados fundadores do Direito Administrativo.206 Ante determinadas atividades como prestação de serviços públicos, gestão de bens,

fomento e intervenção no domínio econômico, não subsistem objeções peremptórias para negar sua execução satisfatória por pessoas jurídicas de Direito Privado, e neste caso, mediante trabalhadores contratados sob relações laborais do setor privado, ainda que tenham de atender exigências gerais impostas para garantia dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (caput do Art. 37 da Constituição). A execução de serviços públicos por particulares sob regime de Direito Privado, mediante concessão ou permissão, é expressamente prevista na Constituição (Art.s 21, XI e XII, 25, § 2º e 30, V). O Art. 197 prevê a execução das ações e serviços de saúde diretamente pelo Estado ou “através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Tais dispositivos bem ilustram a compatibilidade da interação privada na Administração Pública. Por outro lado, há atividades da função administrativa que são próprias da função pública e são constitucionalmente reservadas ao regime estatutário, como as “administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”,

204 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, FABRÍCIO MOTTA e LUCIANO DE ARAÚJO FERRAZ, Servidores Públicos na Constituição de 1988, 2ª edição, p. 10, São Paulo: Editora Atlas, 2014.

205 VITALINO CANAS, “Relação Jurídico-Pública”, Separata do VII Volume do Dicionário Jurídico da Administração Pública, passim, Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001.

206 Neste sentido, cf. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4ª edição, passim, São Paulo: Atlas, 2003; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares, p. 21 ss., Coimbra: Almedina, 2012; LUÍS FILIPE COLAÇO NUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, p.51 e ss, Coimbra: Almedina, 2013; PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo – Vol. I, pp. 22 e ss. Coimbra: Almedina, 2014.

consideradas “atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas” (Art. 37, XXII) ou os serviços dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, “organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.” (Art. 132, redação dada pela EC nº 19/1998). Os regimes jurídicos das relações de trabalho adotados pelas diversas formas de organização administrativa no desempenho da miríade de atividades encampadas pela Administração Direta e Indireta devem se harmonizar com as normas constitucionais que “impõem a conformação legislativa de qualquer relação de trabalho subordinado na Administração pública”.207 A Constituição identifica as relações de trabalho

suscetíveis ou insuscetíveis de serem exercidas em regime jurídico-administrativo, há critérios normativos para

incidência do regime, seja pelo mecanismo de delimitação positiva que determina expressamente o campo de incidência obrigatória do regime jurídico-administrativo, ou pela delimitação negativa, que exclui expressamente atividades deste campo de incidência. O caráter multifacetado da função administrativa e o polimorfismo da Administração Pública encorajam a busca do sentido constitucional do regime jurídico da função pública porque só a identificação dos sinais normativos constitucionais do campo de relações de trabalho que expressem exercício de função pública vinculada ao regime estatutário, insuscetível de apropriação pelo regime laboral comum, poderá impedir, como afirma PAULO OTERO, que venha a se consumar o completo desaparecimento do instituto no âmbito jurídico-administrativo.208

Há mais de meio século, RAFAEL BIELSA observou que a função pública e os problemas suscitados por ela não deveriam ser avaliados ou resolvidos considerando-se exclusivamente interesses da Administração Pública vis-à-vis aos interesses dos agentes públicos. Segundo o jurista argentino, seria preciso “demarcar os dois campos ou esferas de direito e examinar a questão com sentido constitucional”.209 De fato, diante da

importância de que se reveste este instituto no Estado Democrático de Direito, a análise do tema não pode ficar adstrita apenas às conveniências da Administração ou interesses dos agentes públicos. Propomos, pois, uma análise da questão sob tríplice perspectiva, somando aos viéses administrativo e corporativo interesses da sociedade, de modo a considerar não só elementos tradicionais como legalidade, segurança jurídica e autonomia política dos entes para modelarem regimes jurídicos de seus agentes, eis que impõem-se incluir outros pressupostos teóricos e imperativos éticos tais como a imparcialidade, moralidade e eficiência, a exigirem um regime de função pública adequado e suficiente à sua concretização.

II - Matriz constitucional estruturante das relações de trabalho dos agentes públicos

Matéria afeta à organização e funcionamento do Estado e aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, no Estado de Direito a função pública é regulada, em maior ou menor grau, pela Constituição. Duas técnicas

207 ANA FERNANDA NEVES, “A Privatização das Relações de Trabalho na Administração pública”, pp. 181-182. Os caminhos da Privatização da Administração Pública – Boletim da Faculdade de Direito - STVDIA IVRIDICA, Collloquia – 7, Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

208 Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, p. 314-315, Coimbra: Edições Almedina, 2011. 209 La Función Pública, p. 99 (itálicos no original). Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1960.

constitucionais se destacam: a) o texto constitucional estabelece parâmetros gerais e normas de competência legislativa regulamentar, a exemplo das Constituição Portuguesa de 1976 e Constituição Espanhola de 1978;

b) o texto constitucional estabelece regras e princípios detalhados, como a Constituição Brasileira de 1988,

caso em que o constituinte produz uma matriz constitucional do regime jurídico aplicável à função pública. Não se pretende apresentar nos limites deste artigo rol exaustivo de todas as normas constitucionais relacionadas à função pública, pois a matéria é tratada de forma ampla em seções exclusivas e dezenas de menções esparsas ao longo do texto constitucional, contudo, destacaremos três subconjuntos de normas reciprocamente implicadas e estruturantes dos regimes de trabalho dos agentes públicos, a saber: i) normas que determinam competências do Estado para conformação da organização administrativa e do regime jurídico dos agentes a serviço dos órgãos e entidades da Administração Pública; ii) normas que derterminam prerrogativas e sujeições, gerais ou específicas, aos agentes com vínculo de trabalho junto aos órgãos e entidades da Administração Pública; iii) normas que determinam a articulação das formas de organização e atividades administrativas aos respectivos regimes jurídicos.

A vertente “i”, das competências do Estado para a conformação da Administração Pública, é integrada pelas seguintes espécies de normas210: a) normas que asseguram aos Chefes dos Poderes Executivos da União,

Distrito Federal e Municípios a iniciativa privativa das leis que disponham sobre a organização administrativa da Administração Direta e autárquica, servidores públicos e seu regime jurídico (Art. 61, § 1º, II, alíneas a a

e); b) normas que estabelecem competência dos Chefes dos Poderes Executivos para dispor mediante decreto

sobre a organização e funcionamento da Administração Direta quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e também para extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (Art. 84, VI, alíneas a e b); c) normas que definem as espécies de entidades da Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) e o modo pelo qual são instituídas (Art. 37, XIX da Constituição).

Na vertente “ii”, das normas que determinam prerrogativas e sujeições dos agentes públicos encontram-se:

a) normas gerais do “Capítulo VII – Da Administração Pública” e suas subdivisões (“Seção I - Disposições

Gerais”, “Seção II – Dos Servidores Públicos” e “Seção III - Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”), que cuidam em larga medida da relação jurídica dos servidores da Administração Direta, Autárquica e Fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Art.s 37 a 41); b) normas específicas dirigidas aos servidores públicos das carreiras da Magistratura (Arts. 93 a 96), Ministério Público (Arts. 127 a 130-A), Advocacia Pública (Arts. 131 e 132), Defensoria Pública (Arts. 134 e 135), Tribunal de Contas (Art. 73) e Militares das Forças Armadas (Art. 142); c) normas específicas para a função pública dos serviços notariais e de registro, exercida em caráter privado por delegação do Poder Público (Art. 236); d) normas do “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” que tratam dos servidores civis (Arts. 17 a 22), das carreiras da Magistratura, Ministério

210 Por medida de economia de espaço, evitar-se-á a transcrição integral de todos os dispositivos constitucionais citados, cujos conteúdos serão mencionados sinteticamente e referenciados com exatidão.

Público, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Arts. 28 a 30), das serventias do foro judicial e dos serviços notariais e de registro (Arts. 31 e 32) e do militares (Art. 89).

Na vertente “iii”, das normas que articulam formas de organização administrativa e atividades aos respectivos regimes jurídicos apresentam-se: a) norma que determina à Administração Direta e Indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a submissão aos princípios constitucionais da Administração Pública, dentre eles, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ( Art. 37, caput); b) norma que determina o dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de instituírem o “regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas” (Art. 39, caput); c) norma que determina a sujeição “ao regime jurídico próprio das empresas privadas”, inclusive quanto à relações de trabalho, às empresas públicas, sociedade de econômica mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestação de serviços (Art. 173, § 1º, II).

A matriz constitucional contempla regramento minucioso do regime jurídico dos servidores públicos da Administração Direta e Indireta, a exemplo das regras de acesso e demissão; estágio probatório e avaliação de desempenho; remuneração e acúmulo de cargos, empregos ou funções de confiança; contribuição previdenciária e aposentadoria. Com base nessse conjunto de disposições os agentes públicos e respectivos regimes jurídicos recebem o seguinte enquadramento doutrinário: a) servidores estatutários, titulares de cargos regidos por leis específicas (estatutos); b) empregados públicos, titulares de empregos públicos (celetistas) e b′)

servidores temporários (celetistas), contratados para atender a “necessidade temporária de excepcional interesse

público” estabelecida em lei, nos termos do Art. 37, IX, da Constituição, não se vinculam a emprego ou cargo, apenas desempenham atribuições transitórias. Os celetistas são assim chamados porque contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Decreto-Lei nº 5.452/1943), legislação trabalhista do setor privado.

A Constituição resguarda o interesse público ao submeter todas as formas de organização administrativa (Direta e Indireta) aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, assim, mesmo as atividades desempenhadas sob regime trabalho comum ao setor privado devem observar, de maneira mitigada, algumas regras e princípios do regime jurídico-administrativo, a exemplo da necessidade de concurso público para acesso e fiscalização das contratações pelos Tribunais de Contas. O caráter federativo e simétrico da Constituição vincula os legisladores da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que devem buscar no “plano de maior intenção normativa que é o plano constitucional”as possibilidades de configuração das relações de trabalho na Administração Pública.211

III – Regime da função pública na Administração e regulamentação infraconstitucional

211ANA FERNANDA NEVES, “A Privatização das Relações de Trabalho na Administração pública”, Os caminhos da Privatização da Administração Pública – Boletim da Faculdade de Direito - STVDIA IVRIDICA, Collloquia –7, p. 180, Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

Não obstante os sinais normativos que compõem a matriz constitucional estruturante das relações de trabalho dos servidores públicos, o ordenamento infraconstitucional, integrado por leis federais, estaduais, distritais e municipais, disciplina as concretas relações de trabalho na Administração Pública desses entes de maneira absolutamente caótica. Na organização da Administração Direta e Indireta das quatro esferas de competência da Federação há servidores públicos sob regime estatutário (jurídico-administrativo) a compartilhar o exercício da função pública com servidores públicos contratados sob regime laboral do setor privado (trabalhista) ou, ainda, verifica-se a existência de variados regimes híbridos que mesclam normas de Direito Administrativo e Direito do Trabalho ao sabor da criatividade, conveniência e oportunidade dos legisladores infraconstitucionais. O problema agrava-se na meidade em que a Administração Direta e Indireta recorre cada vez mais à contratação de serviços que não raro dissimulam mera “terceirização” (outsourcing) a fim de suprir deficiências do quadro de pessoal. O expediente tem sido identificado e repelido pelos tribunais de contas porque dá ensejo ao surgimento de uma espécie inconstitucional e ilegal de servidor público sem vínculo jurídico algum com a Administração Pública, os chamados “servidores terceirizados”.212

Tornou-se rotineira a condenação da Fazenda Pública em demandas judiciais, individuais e coletivas, que exigem equiparação de direitos para servidores públicos que trabalham num mesmo órgão ou entidade sob regimes jurídicos distintos. Numerosas ações judiciais postulam a responsabilização solidária ou subsidiária da Administração por obrigações trabalhistas não cumpridas pelas empresas prestadoras de serviços.213