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Luciana Pacífico de Araújo Sponquiado

3. Os paraísos fiscais, o Projeto BEPS e FATCA

O tema relativo a paraísos fiscais sempre foi alvo de dificuldades de enfrentamento por vários fundamentos mas um deles certamente se mostra óbivio pelo facto de apesar dos esforços da OCDE em reduzir essas zonas de baixa ou nenhuma tributação ou, ainda, diminiur a opacidade (fiscal, financeira, bancária etc.) dessas jurisdições, o facto de integrantes da própria OCDE se encontrarem nessa situação e, ainda, de muitas delas terem sido apadrianhadas historicamente pelo Reino Unido, dificultou essa empreitada.

Ainda na criação do Foro Global sobre concorrência fiscal prejudicial, em 1998, a OCDE editou recomendações para incentivar a transparência e que o não atendimento a essas diretrizes levariam, por conseguinte, a uma medida “sancionátória” que se caracterizou na inclusão dessas jurisdições não cooperantes em lista negra a ser elaborada. Essa característica de pressão por cumprimento teve efeito positivo, conduziu alguns países, de logo, a se comprometerem em cumprir algumas orientações para esquivar-se da inclusão. É um caso histórico de eficácia de sof law na área da fiscalidade internacional. Nos anos que se sucederam, a questão dos paraísos fiscais não foi solucionada pela OCDE, tendo a crise financeira de 2008 reacendido a necessidade de enfrentar a opacidade, dentre outros problemas fiscais, tanto que com apoio do G8 e do G20 a OCDE realizou um novo encontro do Foro Global sobre transparência e intercâmbio de informações com fins fiscais, no México, em 2009, cujo diferencial se dá porque englobou

tanto Estados membros como não membros da OCDE. A evolução quanto à busca pela formação de tratados de intercâmbio de informações fiscais tomou corpo mesmo a partir de 2009, conforme vemos que entre 2002 e 2009 somente haviam sido celebrados 39 (trinta e nove) acordos enquanto entre 2009 e 2011 já haviam sido firmados 464 (quatrocentos e sessenta e quatro) acordos. Noutros casos, após 2009, vários países firmaram protocolos aos tratados já firmados per si contra dupla tributação para incluir a cláusula de intercâmbio de informações fiscais, o que evidencia a intensa evolução no tocante ao intercâmbio de informações fiscais em momentos mais recentes. Embora o método de intercâmbio mínimo que se tenha exigido tenha sido o “a pedido” e não o intercâmbio automático – projeto mais ambicioso – essa aceitação em nível global denota um sucesso no campo da abertura da transparência fiscal.

Numa indicação de novos tempos, a questão da troca de informações fiscais em nível internacional teve uma guinada efetiva maior a partir da aprovação, pelos Estados Unidos, do Foreign Accounting Tax Compliance

Act (FATCA), em março de 2010, norma que buscou a troca de informações financeiras, dos seus cidadãos

(e residentes) localizados além das fronteiras americanas. Com uma utilização ampla de residentes e cidadadãos e, ainda, utilizando-se de uma tecnologia para atender ao método de intercâmbio automático, aliado a uma sanção efetiva de retenção no valor de 30% (trinta por cento) sobre remessas, e renda oriundas dos Estados Unidos. A relevância da medida para incrementar essa tendência mundial de troca de informações se comprova com a adesão de 113 (cento e treze) jurisdições até o momento.

O Acordo FATCA foi assinado por Portugal, em de 2015, sendo aprovado pela Assembleia da República, ratificado pelo Decreto no. 53/2016 e regulamentado pelo Decreto-Lei no. 64/2016, ditando sobre a implementação dos mecanismos de cooperação internacional desse regime de comunicações de informações financeiras, através de procedimentos e prazos.

Ainda no âmbito da OCDE, a evolução do intercâmbio de informações fiscais tem se desenvolvido a partir do plano de ação BEPS, abreviação do Plano de Ação de combate à Base Erosion and Profit Shifiting, idealizado pelo G-20, após Relatório da OCDE, de 2013, haver constatado que as prejuízos exorbitantes às administrações fiscais por diversos problemas de fiscalidade internacional. O Projeto se assenta numa ambiciosa estratégia que busca enfrentar os desafios da fiscalidade internacional através de 15 (quinze) ações concomitantes, partindo do pressuposto que as demandas como evasão fiscal, concorrência prejudicial, dentre outras, encontram-se interligadas entre si, merecendo um embate nos pontos relevantes. A questão da transparência fiscal internacional representa um dos grandes enfoques a ser enfrentado por diversas medidas, haja vista que o intercâmbio de informações tributárias permite o conhecimento de dados para implementar as medidas adequadas ao combate às irregularidades e aos abusos perpetrados. O Projeto BEPS pode ser destacado como um exemplo típico de mecanismo de direito flexível na área da fiscalidade internacional atual.

II. Conclusões

Não há dúvidas que a crise financeira internacional de 2008 abalou até aqueles mais resistentes países cujas jurisdições fiscais se mantinham rígidas quanto à opacidade dos negócios financeiros e fiscais ocorridos em seu território. Sob a perspectiva da tributação internacional não há dúvidas que coordenação fiscal internacional, mediante as mais variadas formas de cooperação – em especial a transparência (através de

troca de informações e dados, em suas diversas modalidades) – obteve, na prática, vultosos ganhos no afã de inibir ou mesmo reprimir os desvios de comportamento fiscais de cunho internacional, vislumbrando-se a relevância prática contumaz da eficácia das orientações, das recomendações e dos modelos enquanto instrumentos de soft law.

Destarte, considerando a nova geração de implementação das medidas sugeridas a título de intercâmbio - quer através de acordos bilaterais ou multilaterais - na amplitude com a qual se tem efetivado, parece que o uso do derecho blando para fins de regular esse tráfego internacional de informações fiscais pode estar se encaminhando para o futuro desuso. Aliás, o uso corriqueiro do intercâmbio de informações fiscais pode se tornar uma fonte tradicional do direito internacional, ou seja, o direito consuetudinário. Ora, o chamado

soft law se distingue do costume (embora muitas vezes indique a existência deste, porque pode formalizar

um costume já existente) pelo facto de que o costume necessita ser provado, o que se dispensa no instrumento de soft law, haja vista que se apresenta escrito, assim, em se tornando a regra usual aceita pela grande maioria das jurisdições fiscais, parece estar se concretizando uma das hipóteses de evolução do soft

law para o verdadeiro costume internacional. Lembrando que a multiculturalidade global ainda fará que haja

a falta de transparência fiscal em consideráveis pontos do mundo, favorecedores da permanencia de alguns paraísos fiscais. Mas a problemática da falta de transparência de dados para fins de fiscalização tributária não se limita a essa tendência em operacionalizar as jurisdições fiscais para receber as mais variadas informações dos contribuintes além das suas fronteiras, isso porque como bem aponta a doutrina, a transparência fiscal támbém deve abranger os próprios atos das administrações fiscais. Como ilustração, verificamos a recente aprovação na legislação portuguesa, para determinar que a administração fiscal publique, anualmente, o valor total e o destino das transferências e envio de fundos para jurisdições com regime de tributação privilegiada, promulgada em 15 de Abril de 2017, o que denota a importância de expandir esse contexto da transparência, não se limitando ao colhimento de informações dos contribuintes junto a jurisdições estrangeiras: a transparência deve transcender a dados e informações de contribuintes, merecendo que as administrações tributárias também ajam através do modus operandi mais transparente possível, nesse intuito de buscar uma verdadeira justiça fiscal. Afinal, a cooperação intergovernamental pode se transformar (ou permanecer) num verdadeiro cabo-de-guerra contra os contribuintes ou, se bem aproveitada, gerar uma harmonização fiscal com a cooperação também desse agente maior interessado em todas essas mudanças de política fiscal internacional: o contribuinte.

III. Referências bibliográficas