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Rui Miguel Zeferino Ferreira

1. O Estado e a conceção de nação ao longo da história

Nas sociedades pós-modernas existe hoje enraizado um sentimento cultural, a que alguns denominam de histórico, que leva a que exista uma conceção fortemente defensora da ideia de Estado e de nação. Esta conceção levada aos seus limites mais extremos e radicais tem tido o efeito de promover o surgimento dos fenómenos de populismo político nacionalista. Contudo, a ideia de Estado e de nação é uma realidade que não deixa de ser recente, visto que era desconhecida até há poucos séculos. Acerca de

7 Doutorando em Direito, pela Universidade de Santiago de Compostela. Investigador na Universidade de Santiago de

Compostela. Investigador-Colaborador Estrangeiro no grupo de investigação “Teoria Jurídica do Mercado” da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo/Brasil). Investigador-Colaborador Estrangeiro no grupo de investigação “Direito, Agronegócio e Sustentabilidade” da Universidade de Rio Verde (Rio Verde/Brasil). Advogado. Juiz- Árbitro no Centro de Arbitragem Administrativa.

pouco mais de 500 anos apenas 20% do planeta estaria organizado em Estados-nação, enquanto nos demais territórios dominavam as Cidades-Estado, os domínios senhoriais e as tribos. Isto é, existia uma mera ideia de organização coletiva em pequenos grupos de pessoas, desprovidos de qualquer organização complexa.

Em termos gerais, a história da humanidade confunde-se com a evolução das pequenas unidades territoriais até atingir as grandes estruturas organizacionais, bem como das comunidades nómadas e tribais até à ideia de Estado soberano. Embora o processo não tenha sido linear, a sua consolidação deu-se sob o prisma de unidades cada vez mais complexas e de maior dimensão, o que veio a ocorrer como decorrência das pressões militares e das necessidades económicas de criar mercados internos de maior dimensão. O Estado moderno é o resultado da consagração da igualdade de direitos, incluindo o direito de propriedade, surgido das revoluções liberais americana e francesa, bem como das necessidades criadas pela revolução industrial, que exigiu a existência de mercados nacionais assegurados pela autoridade do poder político.

A revolução industrial consolidou a ideia de Estado-nação, o que constituiu a grande inovação institucional promovida pelo capitalismo. Assim, sob a égide do capitalismo, o Estado fortaleceu-se como forma de assegurar o respeito pela propriedade privada e a consagração da responsabilidade limitada das empresas, o que veio a constituir os dois grandes alicerces do desenvolvimento económico. Esse desenvolvimento e crescimento económico basearam-se assim na ideia de mercado, primeiro interno (nacional) e, posteriormente, internacional (externo). Efetivamente há uma conexão entre a expansão do mercado e o desenvolvimento das instituições do Estado, com o consequente fornecimento de bens públicos à sociedade.

Com a primeira guerra mundial os impérios existentes baseados numa língua e cultura comum desapareceram, dando origem a um conjunto de novos Estados, em especial na europa central, que a segunda guerra mundial veio a reordenar. Por último, também a queda do muro de Berlim e o fim do bloco soviético deu origem a um conjunto alargado de novos Estados na europa. Anteriormente, as referidas guerras já tinham dado origem no continente africano e asiático a um fenómeno semelhante, com o surgimento de uma multiplicidade de Estados. Além deste movimento, com o final da segunda guerra mundial ressurge o projeto europeu, centrado na ideia dos grandes blocos político-económicos, que inicialmente passou pela criação da CECA8, mas que progressivamente evolui para a CEE9 e para a UE10,

com as suas próprias instituições politicas. A sua evolução seguiu o sentido do aumento das suas competências e do crescimento dos seus membros para o leste europeu.

Independentemente das distintas dimensões territoriais dos Estados, no século XX desenvolveu-se a ideia do nacionalismo, em que os Estados de natureza unitária correspondem em regra aos pequenos

8 A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que surgiu após o final da segunda guerra mundial, em 1951,

foi a primeira organização supranacional no espaço europeu e que conduziu integração europeia.

9 A Comunidade Económica Europeia (CEE) foi criada pelo Tratado de Roma de 1957, tendo tido como objetivo

estabelecer um mercado comum europeu entre França, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O tratado estabelecia um mercado e impostos alfandegários externos comuns, uma política conjunta para a agricultura, políticas comuns para o movimento de mão-de-obra e para os transportes, e fundava instituições comuns para o desenvolvimento económico.

10 União Europeia (UE) foi instituída com este nome em 1993, pelo Tratado de Maastricht, enquanto união económica

Estados e os de natureza federativa correspondem usualmente a grandes Estados. O nacionalismo solidificou-se como princípio político que garante a unidade política e nacional da ideia de Estados11.

Segundo GELLNER (1983) a unidade política compreende a ideia de Estado como entidade jurisdicional de fronteiras definidas e governo centralizado, sob a existência de um conjunto de governos inferiores e uma burocracia especializada. Por seu lado, quanto à ideia de nação, o referido autor utiliza o elemento cultural para a definir, baseado na existência de um idioma, de uma etnia e de um passado comum, em que seja patente a existência de uma vontade coletiva. Outros autores entendem a nação como uma grande comunidade imaginada. Por isso, seguindo-se o entendimento de FRANCESC TRILLAS (2014, p. 31) “la

nación no es una comunidad natural que ha estado presente siempre, sino una institución humana surgida en los últimos siglos”.

Isto permite que possamos considerar que o mesmo individuo pode compartilhar diferentes identidades nacionais, profissionais e culturais, que poderão coexistir sob o mesmo instante temporal ou ao longo do tempo. Logo, as identidades devem ser entendidas como plurais.

Em síntese, o nacionalismo foi facilitado por um conjunto histórico de fatores, que podemos elencar em três ordens de razões. Em primeiro, devido ao êxodo do campo para a cidade, o qual criou uma necessidade de defesa, devido ao crescimento das relações anónimas e ao imperativo civilizacional de redução dos conflitos. Em segundo, pela necessidade de criar condições ao intercâmbio para além da escala local, assegurando-se a eficiência do mercado nacional através de uma língua e identidade comum. Em terceiro, pela necessidade de justificar a existência do próprio Estado, através da redução dos custos e, desse modo, promover a facilitação da tarefa de fornecer bens públicos, como a segurança e a ordem, de modo a que a economia dita capitalista de mercado se pudesse desenvolver a uma escala maior.

Neste contexto, o federalismo aparece como uma realidade intermédia, entre a nação frustrada e o Estado, em que seria como defende KYMLICKA (2003), a solução para compatibilizar a diversidade, o reconhecimento nacional e a flexibilidade com as economias de escala e a estabilidade que os mercados exigem. Além disso, apresentam-se como a solução adequada ao controlo dos nacionalismos exacerbados, assumindo assim um papel fulcral no mundo atual, uma vez que os nacionalismos quando levados ao extremo podem degenerar em fenómenos como o nazismo. É, pois, neste sentido que se entende que só uma europa mais federal poderá evitar a deriva para o populismo nacionalista12.