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4 OS DESAFIOS DA SALA DE AULA E DO COTIDIANO DAS AULAS DE

4.2 ENCONTROS DO GRUPO DE DISCUSSÕES PARA A ABORDAGEM DOS

4.2.1 O segundo encontro do grupo de discussões

4.2.1.1 A discussão do tema sensível gênero e sexualidade

Um dos trios formados foi desafiado a discutir o tema sensível que envolve o gênero e a sexualidade nas aulas de História. Esse tema, ao lado das questões ligadas às religiões, foi o que mais apareceu nas 64 respostas do questionário quando os/as docentes foram perguntados sobre a existência de temas e de metodologias sensíveis.

17 Essa atividade foi inspirada em aula da disciplina “Metodologia no Ensino de História: o Pesquisador- Professor e o Professor-Pesquisador”, realizada no 1.º semestre de 2018, dentro do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória – da UFRGS, pela professora Caroline Silveira Bauer.

Atividade com temas sensíveis GÊNERO E SEXUALIDADE18

1) Imagine esta situação numa escola: a família de um dos estudantes de uma turma de C20 vai até à escola para registrar uma reclamação, junto à direção da mesma, quanto às aulas do professor de História, as quais, segundo a família, estariam indo contra os seus princípios morais e religiosos, tendo em vista de que o referido professor estaria abordando sobre as perseguições e mortes, por parte do Santo Ofício da Inquisição, a gays e lésbicas durante o período da colonização portuguesa no Brasil, e estaria chamando a atenção dos alunos acerca das práticas de violências hoje contra a população LGBT. Segundo ainda a referida família, o professor estaria incutindo uma “ideologia de gênero” na cabeça dos estudantes e os induzindo a criticar práticas da Igreja Católica por meio de uma abordagem histórica.

2) Considerando a situação imaginada para a escola, responda as seguintes questões: a) Ao abordar o tema sensível do gênero e da sexualidade em sala de aula, você já

teve que lidar com falas cujos conteúdos se assemelhavam aos da cena imaginada e descrita acima? Qual foi a sua reação naquele momento? E como você reagiria atualmente diante de falas com esses conteúdos? Explique as suas respostas.

b) Você já foi acusado de militância política e/ou manipulação da opinião dos/as estudantes ao tratar da questão de gênero e de sexualidade? Qual foi a sua reação naquele momento? E como você reagiria atualmente diante de tal acusação?

c) Quais os elementos que você considera pertinentes/relevantes para o planejamento de aulas que tenham a ver com o tema sensível do gênero e da sexualidade em sala de aula?

Para discutir e responder as três questões, o grupo teve a oportunidade de fazer a leitura de uma reportagem do portal G1/RS que tratava de um caso envolvendo uma professora de História da Educação Básica que vencera uma ação judicial em que era acusada de ter ensinado “ideologia de gênero” e de incentivado a homossexualidade e o adultério em suas aulas19. O grupo também teve a oportunidade de ler trechos de dois textos que analisam o tema sensível do gênero e da sexualidade na educação. Num desses textos, Seffner e Picchetti (2016, p. 70), a partir de cenas etnografadas em salas de aulas, afirmam que esses ambientes são marcados por contextos generificados e sexualizados. Comentam, também, sobre as disputas que acontecem entre os que defendem que o tema sensível do gênero e da

18 A atividade completa encontra-se detalhada no Apêndice D.

19 Professora receberá indenização por postagem que a acusou de incentivar homossexualidade em aula. Portal G1/RS. 24 abr 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/professora-recebera- indenizacao-por-postagem-que-a-acusou-de-incentivar-homossexualidade-em-aula.ghtml>. Acesso em: 23 jun. 2019.

sexualidade seja abordado em sala de aula e aqueles que são contra esse tipo de abordagem. E nesse texto chamam a atenção ainda para o fato de o tema sensível em questão estar conectado com uma educação em direitos humanos. Já no outro texto ao que o trio teve acesso, é mostrado como o movimento de cunho conservador Escola Sem Partido tem tentado negligenciar o debate sobre gênero e sexualidade no campo da educação e o quanto isso fere princípios garantidos pela LDBEN tais como os da liberdade de aprender e de ensinar, do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e do respeito à liberdade e apreço à tolerância (SOUZA, 2018, p. 204).

Encerradas a leitura dos textos e a discussão das respostas, cada trio compartilhou suas produções com o grande grupo. Uma das colegas procedeu à leitura da cena imaginada para a sala de aula, com o desafio do tema sensível. Cabe registrar que antes mesmo de o trio se reunir e discutir o assunto, essa mesma professora, a docente Garrincha, já havia relatado, durante a rodada mais inicial de comentários do encontro, que sofrera censura no ambiente da sua escola. A mesma situação de censura que, aliás, a professora já havia comentado no questionário respondido junto com os/as outros/as 63 colegas. Tratou-se de uma situação em que trabalhara a questão da sexualidade nas suas aulas de História, tendo sido, por isso, questionada pelos pais de alguns alunos. Segundo ela, esses questionamentos dos pais estavam também vinculados a assuntos religiosos das famílias. A colega relatou, ainda, que, na ocasião, teve de conversar com esses pais juntamente com o serviço de orientação da sua escola, o SOE, de modo a explicar todo o trabalho que havia sido realizado com os alunos. Ora, esse tipo de censura relatada pela professora Garrincha tem a ver com o rol de atitudes estimulada pelo movimento neoconservador Escola Sem Partido:

Com as acusações de doutrinação ideológica empreendidas também por meio da “ideologia de gênero”, além de ser uma manifestação antigênero, o EsP é um movimento antidemocrático. Opõe-se aos direitos de não discriminação e à promoção da igualdade de gênero, e sua ação reativa advoga pelo bloqueio do combate à homo/bi/transfobia e ao sexismo nas escolas. Sendo assim, é um movimento que contribui para a manutenção de privilégios de alguns e para a perpetuação de práticas preconceituosas, segregacionistas e violentas contra muitos outros. (MARAFON; SOUZA, 2018, p. 81)

Segundo Moura (2018, p. 89), o movimento ESP seria o resultado da combinação entre a tradição da influência da religião católica na história da educação brasileira e a nova onda conservadora que reúne católicos e evangélicos, sendo que o ESP está inserido num cenário de disputa pela hegemonia no que se refere às políticas públicas para a educação. Na resposta dada pelo trio à pergunta a) da atividade, também foi apontada a presença de

movimentos conservadores contrários à discussão sobre gênero e sexualidade nas aulas de História, sinalizando que os integrantes do grupo, ou pelo menos a professora Garrincha, já tiveram de lidar com falas semelhantes ao da cena imaginada no desafio lançado. Como forma de reação a situações como essas, o grupo colocou a necessidade de se fazer o debate do contraditório com as famílias dos/as estudantes. Na avaliação do grupo, para que esse debate seja exitoso, seria importante a existência de uma rede de apoio institucional, composta pelas direções das escolas com o respaldo de legislações e dos governos. Todavia, o entendimento do trio é de que esse tipo de rede vem se enfraquecendo, ao mesmo tempo em que os movimentos conservadores, ou neoconservadores como temos tratado, estão se fortalecendo cada vez mais. Para ilustrar a sua resposta, no que diz respeito ao lidar com censuras semelhantes a da cena imaginada, o grupo afirmou que existe uma propaganda ostensiva por parte dos governos municipal (no caso Porto Alegre) e federal, os quais dizem que os professores ganham altos salários, não ensinam e doutrinam ideologicamente os/as estudantes. Nessa ilustração, ficam bastante evidentes os avanços dos discursos neoliberais e neoconservadores sobre a educação pública. O trio comentou na sua resposta de que o uso das redes sociais acaba desvirtuando os trabalhos pedagógicos, tornando-se, também, um fator de intimidação ao lado da propaganda ostensiva dos governos, o que, em última instância, enfraquece e tira o respaldo dos/as professores/as.

É interessante perceber que na resposta à pergunta b) da atividade, no que se refere a eventuais acusações de militância política e/ou de manipulação da opinião dos/as alunos/as, o trio enfatizou a importância de se conversar, ou seja, de manter sempre aberto o canal do diálogo, o que tem se mostrado um traço dos/as professores/as de História da RME/POA. Nessa segunda resposta, por outro lado, os/as docentes também afirmaram que algumas direções de escolas acabam representando o discurso neoconservador, o que acaba tornando ainda mais forte a pressão sobre o trabalho pedagógico. Então, em que pese para o grupo seja importante a questão do diálogo, eles/elas colocam a necessidade de atualmente se pensar em redes de proteção, mencionando, para isso, a busca de apoio junto à ATEMPA e ao SIMPA, entidades que, segundo eles/elas, também estão sofrendo com os ataques neoliberais e neoconservadores. Ainda em resposta ao como reagir a possíveis acusações de militância e/ou de manipulação, o trio colocou a necessidade de os/as docentes serem mais cuidadosos nas propostas pedagógicas, mas sem deixar de realizar o trabalho no qual acreditam. É de se ressalvar que novamente aparece nas respostas dos/as professores de História da Rede a questão do cuidado, porém sem abrir mãos das coisas que acreditam, o que se configura numa forma de resistência.

Não houve tempo durante o encontro para que o trio respondesse em detalhes o que lhe fora colocado na pergunta c) a respeito de elementos pertinentes para o planejamento das aulas de História que tenham a ver com o tema sensível do gênero e da sexualidade. Mas, sinteticamente, o grupo disse que os/as docentes precisam perceber os conflitos que acontecem nas turmas que envolvem o tema sensível e, a partir desses conflitos, fazer a discussão em sala de aula.