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A pertinência/relevância do Escola Cidadã para os/as professores/as de História

3 OS/AS PROFESSORES/AS DE HISTÓRIA E O PROJETO ESCOLA CIDADÃ

3.1 OS QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS

3.1.2 A pertinência/relevância do Escola Cidadã para os/as professores/as de História

Mais de dois terços dos/as colegas, exatamente 68,75%, acreditam na pertinência/relevância do projeto Escola Cidadã, o que, sem dúvida, é um percentual bastante representativo e que aparentemente demonstra que para uma parcela majoritária dos/as professores/as de História da RME/POA o referido projeto tem um significado importante. Entre os/as que consideram o EC parcialmente relevante/pertinente a média de tempo na RME/POA é de um pouco mais de 10 anos. Já entre os/as que consideram relevante/pertinente, ou seja, que marcaram a opção “sim” na questão 4.a), o tempo médio de rede é de um pouco mais de 9 anos. Quando selecionamos os/as 11 professores/as de História que possuem 15 anos ou mais de RME/POA, quer dizer, que ainda trabalharam na rede na época da Administração Popular, esse percentual de “sim”/ “parcialmente” salta para quase 82%. Este último percentual pode ser comparado aos/às 11 colegas com menos tempo de RME/POA, entre os quais 54,54 % acreditam na pertinência/relevância da EC, mesmo que

parcialmente. Levando isso em consideração e lendo as justificativas dadas às respostas, tentamos encaixá-las dentro das 3 categorias de análise utilizadas como referência e como objetivos pelo Escola Cidadã.

No que se refere à primeira categoria, a da democratização do acesso e da permanência dos/as estudantes nas escolas públicas municipais, apareceram respostas ligadas à aprendizagem para justificar a relevância/pertinência do projeto Escola Cidadã. Conforme os/as professores/as de História, a organização em Ciclos ainda estimula a se pensar a formação dos alunos no longo prazo, considerando os tempos de aprendizado individuais. Ao mesmo tempo aparece o entendimento de que o projeto EC traz contribuições extremamente pertinentes e atemporais para a construção da aprendizagem. Ocorre que o sistema dos Ciclos de Formação é uma estrutura importante do projeto Escola Cidadã, na medida em que o mesmo provocou uma nova organização nas escolas públicas municipais de Porto Alegre, em substituição à estrutura seriada, com o intuito de eliminar a noção de repetência escolar e consequentemente de exclusão das crianças e dos/as adolescentes. A proposta do sistema é de respeitar, entender e investigar os processos sociocognitivos que os/as estudantes atravessam, por meio de uma concepção diferente de tempo de aprendizagem, pois contribui para o respeito ao ritmo, ao tempo e às experiências de cada discente (APPLE; GANDIN, 2017, p. 180-181), e que apareceu mencionado nas respostas.

Embora o Escola Cidadã seja visto como pertinente/relevante, há o reconhecimento de que o sistema de Ciclos de Formação não resolveu o problema da aprendizagem. Nas justificativas, os/as professores/as destacam que o Escola Cidadã não tem sido o único projeto utilizado na RME/POA. Isso vai ao encontro do que já apontamos no capítulo 2 acima, tendo em vista os diferentes movimentos pelos quais o Escola Cidadã passou, especialmente se levarmos em conta as mudanças provocadas pelas gestões municipais no pós-AP, apesar de o EC constar como o projeto oficial até os dias de hoje. Daí talvez se compreenda a ideia que apareceu nas respostas no sentido de que o Escola Cidadã não tenha resolvido o problema da aprendizagem, embora seja reconhecido como pertinente/relevante, tendo em conta o mesmo ter sofrido tantas mudanças, principalmente nos últimos 3 anos ao longo da gestão PP/PSDB.

Ainda dentro da primeira categoria foram dadas respostas para justificar a pertinência/relevância do projeto Escola Cidadã que passam pela formação dos/as professores/as: a inviabilidade do trabalho pedagógico coletivo por falta de reuniões pedagógicas e de formação continuada; a própria falta de conhecimento acerca do projeto, especialmente do que consta do Caderno 9; e o reconhecimento de pelo menos 2 professores/as de que falta interesse pessoal em buscar informações a respeito do projeto.

Aguiar e Santos chamam a atenção de que a política de formações continuadas coletivas sucumbiu ao longo dos anos das administrações da secretária Cleci Jurach, e que as mesmas passaram gradativamente para a responsabilidade exclusiva das instituições escolares individualmente. Sem formações e sem discussões coletivas, o currículo sofreu transformações, sendo que o trabalho docente passou a ser cada vez mais individualizado e solitário.

Outras justificativas que tem ainda uma forte relação com a primeira categoria de análise também foram apresentadas nas respostas: a mudança do contexto sócio-histórico em relação ao momento em que o Escola Cidadã foi criado; a questão da atemporalidade do projeto apareceu nas respostas; a necessidade de atualização do projeto EC; a necessidade de retomar o debate acerca do projeto e de rediscutir os conceitos do projeto, com destaque para a necessidade de se rediscutir alguns conceitos subjacentes ao projeto da Escola Cidadã como Estado, autonomia, emancipação, entre outros; o fato de que determinadas práticas cotidianas afastaram-se da proposta original do Escola Cidadã; a percepção de um caráter acéfalo da Escola Cidadã no contexto atual da RME/POA; a percepção do problema que tem a ver com a falta de estudo e de reflexão atual da proposta do EC, causado pelo abandono por parte do governo e pela dificuldade de propor nas escolas momentos de aprofundamento e portanto de atualização do projeto e adaptação maior a cada realidade; o apontamento da necessidade de que o EC seja estudado e revisto, buscando atender às demandas atuais dos alunos/as; o fato de que o Caderno 9 vem sendo modificado , em sua aplicação, pelas administrações recentes na cidade de Porto Alegre.

Sobre o apontamento de uma suposta atemporalidade do projeto EC é interessante observar de que isso, de certa forma, vai ao encontro do fato apontado por pesquisadores/as desse tema de que mesmo depois de quase três décadas e, em que pese as mudanças de governos ocorridas desde o ano de 2004, o EC continua sendo o projeto oficial junto ao Conselho Municipal de Educação (SANTOS, 2012, p. 80 / AGUIAR; SANTOS, 2018, p. 79- 80). Já no que se refere às demais justificativas apresentadas foi possível constatar que as mesmas verbalizam o que fora constatado no Capítulo 2 acima no sentido de que o EC tem sido um projeto em movimento e que tem passado por fases distintas, quais sejam, de construção e implementação, auge e mudanças mais profundas nesses últimos 15 anos principalmente. Daí também se entende porque aparece a afirmação acerca da necessidade de atualização do projeto EC e de se rediscutir seus conceitos. E se confirma a partir da própria percepção dos/as professores/as de História que o EC tem passado por inúmeras transformações, especialmente nos governos pós-AP, que em última instância modificaram

aquilo que preconizava o Caderno Pedagógico n.º 9. Lembrando que, conforme Aguiar e Santos (2018), as ações dos governos direitistas pós-AP tiveram como base o gerencialismo e a modernização conservadora.

Algumas justificativas para a pertinência/relevância do projeto Escola Cidadã podem ser enquadradas na segunda categoria, qual seja, a da democratização do conhecimento, passando especialmente pela questão do currículo. Por exemplo, numa das respostas, foi apontado o problema da violência e da falta de tempo para se trabalhar com as comunidades, que seria importante para contemplar as vidas dos alunos dentro dos currículos. Os participantes também expressaram que a pesquisa sócio-antropológica é muito importante para a organização do currículo, pois proporciona um trabalho interdisciplinar a partir da realidade do lugar onde o aluno vive, culminando nos chamados Complexos Temáticos. Essas respostas dos/as professores/as, no sentido de valorizar a importância da pesquisa sócio- antropológica, ratificam a percepção de Apple e de Gandin (2017, p. 208) de que as escolas municipais de Porto Alegre mantiveram princípios do Escola Cidadã, pois tentam conservar a construção do currículo local e democraticamente de um modo profundo.

Entretanto, nada pode ser tomado como absoluto, pois, de acordo com uma professora, a fonte sócio-antropológica do projeto não tem sido a metodologia orientadora dos trabalhos coletivos e interdisciplinares, o mesmo valendo para a fonte sócio-interacionista que embasam o projeto. Por outro lado, a valorização da pesquisa sócio-antropológica nas demais respostas pode ser tratada como uma forma de resistência dos/as professores/as de História da RME/POA, o que, talvez, conecte-se com a defesa de bell hooks (2013) sobre uma pedagogia revolucionária, de resistência e profundamente anticolonial.

Ainda dentro dessa segunda categoria e que tem muito a ver com a questão do currículo constatamos, nas respostas dadas, o reconhecimento de que o projeto Escola Cidadã dá sentido para o ensino de História para além do conteudismo no ensino escolar; a possibilidade de adaptações curriculares a partir das noções de inclusão e de educação popular; relevância do EC tendo em vista que a sua ideia principal é de trazer questões atuais e de interesse dos estudantes para sala de aula, relacionar com a vida deles e de confrontar as diferentes visões de mundo que acabaram por se instituir e se apresentar como verdades.

Também foi apontada a garantia da diversidade e das dimensões políticas, sociais e materiais do contexto como elementos do ser/fazer pedagógico da escola e que impulsionam a prática dos/as professores/as de História. Foi feito o apontamento de que o Caderno 9 fundamenta-se na educação popular e da necessidade de se olhar freireanamente para os estudantes no sentido de compreendê-los e de se compreender o meio em que vivem.

Outrossim, apareceu o entendimento de que o EC faz abordagens que envolvem o respeito às diferenças e o combate às desigualdades e o fato de o EC ser crítico no que se refere aos processos de exclusão, segregação e submissão social que instituíram a subcidadania brasileira.

E, finalmente, quanto à última categoria, a que se refere à democratização da gestão, surgiram explicações tais como: a importância do projeto em virtude de seu caráter plural e democrático; a de que a Escola Cidadã é o espaço da resistência pedagógica na educação em Porto Alegre; a de que o projeto Escola Cidadã representa a afirmação da escola laica, gratuita e pluralista; a de que é o único projeto que se preocupou com as escolas de periferia e que é o único projeto viável para as escolas de periferia, desde que tenha uma série de recursos humanos e uma rede de assistência e de saúde; a importância da inclusão escolar e da educação popular; a de que o projeto permite pensar os alunos a longo prazo, respeitando os tempos de cada um; a escola é um dos raros espaços da sociedade que permite um exercício de cidadania, vivência de direitos e deveres, com liberdade; o entendimento de que a Escola Cidadã propõe uma dinâmica democrática e que assegura dispositivos de manutenção do diálogo nas e entre as diversas instâncias da escola e da comunidade.

3.2 O PRIMEIRO ENCONTRO DO GRUPO DE DISCUSSÕES DOS/AS

PROFESSORES/AS DE HISTÓRIA

Dando continuidade à pesquisa qualitativa, agora mais especificamente à colocação em prática de uma proposta de formação docente que envolvesse os/as colegas professores/as de História da RME/POA, foi realizado, no dia 8 de junho de 2019, o primeiro encontro do grupo de discussões13. Neste momento da escrita, vale a pena resgatar que no início do primeiro encontro os/as 13 colegas participantes, incluindo a mim (sendo 6 professores e 7 professoras) fizeram uma rodada de apresentações.

Na sequência, os/as participantes responderam, por escrito, à questão “O que significa ser professor/a de História na RME de Porto Alegre/RS?”. Ao mesmo tempo foram realizando a leitura de trechos da série de publicações da SMED Cadernos Pedagógicos, números 9, 11, 12 e 21, e do Caderno de Visão de Área e Princípios das Ciências Sócio-Históricas e Culturais, que apresentam a PPP da Rede de Porto Alegre/RS, bem como da introdução dos Referenciais Curriculares da Rede Municipal de Ensino, cuja publicação ocorreu no ano de

13 Lembrando que os detalhes acerca da metodologia dos 3 encontros realizados estão no primeiro capítulo, no item 1.3.2.

2012. Foram lançadas 3 perguntas para nortear a leitura dos textos selecionados: a) Do ponto de vista dos/as professores/as de História, quais os elementos do projeto “Escola Cidadã” ainda são pertinentes/relevantes e quais não são mais no atual contexto para a educação pública em Porto Alegre? b) O que já mudou e o que se perdeu no projeto “Escola Cidadã”? c) O que precisa ser construído em termos de resistência aos avanços neoliberais e neoconservadores sobre a educação e como garantir a liberdade de ensinar?.

Finalmente, houve um momento para discussões, quando os/as colegas presentes foram desafiados a relacionar suas respostas iniciais às leituras realizadas, e tiveram a oportunidade de reescrever (opcional) as suas respostas à pergunta inicial, devolveram o seu material e fizeram sugestões para o encontro seguinte. Antes de entrar na análise dos conteúdos propriamente ditos, é importante destacar que as respostas dadas por escrito e as falas dos participantes no último momento de discussões parecem ter contemplado as 4 questões, até porque durante a escrita do que seria a resposta à primeira questão (“O que significa ser professor/a de História na RME de Porto Alegre/RS?”), os participantes tiveram acesso aos textos para leitura, bem como foram desafiados a pensar nas outras 3 questões norteadoras.

Tendo em vista os objetivos traçados para esse primeiro encontro, foram extraídas estas palavras/expressões-chave dos mesmos a fim de se proceder à análise: pertinência da Escola Cidadã; potencial da Escola Cidadã; limites da Escola Cidadã; avanços neoliberais e neoconservadores; formas de resistência. A partir das palavras/expressões-chave já destacadas foram sendo selecionadas falas e escritas desses/as 12 colegas que se fizeram presentes ao primeiro encontro, com a respectiva análise das mesmas.

Objetivos do primeiro encontro do grupo de discussões dos/as professores/as de História da RME/POA – Escola Cidadã

- debater a pertinência, o potencial e os limites da proposta pedagógica Escola Cidadã da RME/POA para a docência em História;

- refletir sobre a obra de Paulo Freire e sobre as perspectivas do Caderno Pedagógico n.º 9 para a docência em História atualmente;

- construir formas de resistência em sala de aula aos avanços neoconservadores e neoliberais na Educação.

Todos/as os/as 12 colegas tinham respondido ao questionário da primeira etapa da pesquisa e, naquela ocasião, dispuseram-se a integrar o grupo de discussões. Na pergunta 4.a)

do questionário, quanto à pertinência/relevância do projeto Escola Cidadã, 41,67% desses colegas responderam que sim, acreditavam, enquanto 33,33% respondeu que acreditava parcialmente, totalizando a soma dos dois grupos que acreditam exatamente 75%, ou seja, três quartos dos participantes do primeiro encontro. Acima, portanto, do percentual geral de todos/as colegas que responderam ao questionário e que fora de 68,75%. Dois (duas) colegas responderam que não acreditam na pertinência/relevância do EC, o que representa 16,67% do total, enquanto apenas um/uma professor/a havia respondido desconhecer o projeto EC, o que corresponde a 8,33%.

Portanto, o grupo de professores/as reunidos/as no primeiro encontro, na sua grande maioria, acreditava na pertinência/relevância do Escola Cidadã, em que pese um terço dos/as colegas presentes tenha respondido que apenas “parcialmente” acreditasse na relevância do projeto. Será que isso se confirmou no decorrer do encontro? Tratava-se de um grupo bastante experiente na RME/POA, com uma média de 11 anos de rede entre os/as participantes, acima da média geral daqueles/as 64 que responderam ao questionário, sendo que o/a professor/a com menos tempo tinha 4 anos de rede, enquanto que o/a professor/a com mais tempo tinha 23 anos de RME/POA, entre os 12 participantes.

A análise das falas e escritas desses/as 12 colegas foram organizadas numa sequência que trará elementos relativos à pertinência/relevância da Escola Cidadã para os/as professores de História da RME/POA, seguidos de elementos que vão ao encontro da ideia de não pertinência do projeto ou até do seu desconhecimento, passando, ainda, pelos avanços neoliberais e neoconservadores em relação ao Escola Cidadã, chegando, finalmente, nas resistências demonstradas pelos/as colegas professores/as de História.

3.2.1 A pertinência, o potencial e os limites da proposta pedagógica Escola Cidadã da