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4 OS DESAFIOS DA SALA DE AULA E DO COTIDIANO DAS AULAS DE

4.2 ENCONTROS DO GRUPO DE DISCUSSÕES PARA A ABORDAGEM DOS

4.2.2 O terceiro encontro do grupo de discussões

4.2.2.2 Escravidão: outra questão socialmente viva

Na sequência do compartilhamento de saberes e da discussão, foi trazido à tona o tema socialmente vivo da escravidão. O trio que ficou encarregado por esse tema teve que se debruçar num desafio que tinha como referência as seguintes perguntas:

Atividade com temas sensíveis

ESCRAVIDÃO25

1) Imagine esta cena de sala de aula: numa aula para uma turma de C20 sobre as diferentes formas de resistência à escravização no Brasil, um estudante faz a seguinte afirmação e os seguintes questionamentos:

- “Professor: mas eu assisti na Internet, num documentário do “Brasil Paralelo”, que esse tal de Zumbi dos Palmares não foi herói coisa nenhuma, e que ele não lutava pelo fim da escravidão; muito pelo contrário, inclusive o Zumbi era dono de escravos. Aliás, nesse mesmo documentário, disseram que tanto na África quanto nos quilombos do Brasil negros vendiam e escravizavam os próprios negros. Então, por que comemorar o Dia da Consciência Negra e logo no dia da morte de Zumbi? O que o senhor, professor, tem a nos dizer sobre tudo isso?”

2) Considerando a cena imaginada acima, responda as seguintes questões:

a) Ao abordar o tema sensível da Escravidão em sala de aula, você já teve que lidar com falas reproduzidas pelos estudantes cujos conteúdos se assemelhavam aos da cena imaginada e descrita acima? Qual foi a sua reação naquele momento? E como você reagiria atualmente diante de falas com esses conteúdos? Explique as suas respostas.

b) Você já foi acusado de militância política e/ou manipulação da opinião dos/as estudantes ao tratar da questão da Escravidão? Qual foi a sua reação naquele momento? E como você reagiria atualmente diante de tal acusação?

c) Quais os elementos que você considera pertinentes/relevantes para o planejamento de aulas que tenham a ver com o tema sensível da Escravidão e das relações étnico-raciais em sala de aula?

Para pensar e discutir o tema sensível da escravidão, o grupo teve acesso a uma publicação da Revista Aventuras na História, de autoria de Jaime Freime (2019), que tratou sobre a questão do revisionismo histórico em relação a Zumbi dos Palmares em vista de afirmações de que supostamente Zumbi teria escravizado pessoas. Ainda como subsídio, o trio teve acesso a trechos retirados de um artigo da professora Carla Meinerz (2017, p. 233), no qual a mesma defende a necessidade de tratar de projetos na área da educação que contemplem os direitos humanos, bem como as relações étnico-raciais, e destaca a necessidade de se reconhecer a existência de iniqüidades nas relações étnico-raciais brasileiras.

Da mesma forma que ocorrera em relação ao assunto anterior, o trio que se dedicou ao tema sensível da escravidão procurou focar na resposta à pergunta c) do desafio. A colega Andorinha, já dando início ao relato do que o grupo dela lera e debatera, comentou que, assim

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como em relação ao que acontece com o tema das religiões de matriz afro-brasileira, existe toda uma “desmemoria” (assim a colega Andorinha mencionou na resposta o que seria falta de memória) produzida no nosso país em relação à escravidão para tentar retirar das memórias da população qualquer vestígio que tenha a ver com os nossos vínculos com a África. Segunda a professora Andorinha, existe todo um processo de esconder e de negligenciar a construção de memória dentro do país e da sociedade e que, inclusive, acaba influenciando na formação dos/as professores/as.

A escravidão, na concepção do grupo, é um tema bastante delicado para os/as alunos/as negros/as dentro da sala de aula – o que corrobora os resultados apurados quando da aplicação do questionário junto aos/às 64 professores/as -, porque traz à tona sofrimentos e tragédias familiares, mas que, na concepção tirada no trio, precisa ser abordado, pois se tratam de várias tentativas de apagamento físico, da memória e da condição de identidade de uma raça/etnia, conforme já exposto no parágrafo anterior.Conforme a professora Andorinha, o trio também debateu sobre as dificuldades enfrentadas de levar a temática das histórias e das culturas africana e afro-brasileira para dentro dos currículos das escolas municipais. E debateu, ainda, sobre a dificuldade da assistência social e de outras políticas públicas para os/as estudantes negros/as, os quais acabam sendo a parcela da população mais atingida na sociedade em termos de miséria e de violência.

Em função disso e para fazer a abordagem desse tema sensível já pensando nos elementos que seriam pertinentes para o planejamento das aulas de História, a colega Andorinha comentou que, durante a discussão no grupo, os seus integrantes fizeram menções a uma série de projetos atualmente desenvolvidos em algumas escolas da RME/POA e que visam abordar a temática da escravidão por meio de outros vieses. Projetos como “Meninas crespas”, “Quilombonja” e “Afroativos”, que tentam resgatar a questão da identidade afro- brasileira. Sobre esses projetos, José Rivair Macedo avalia que:

Há vários pontos comuns nos projetos educacionais que convém sublinhar. Em primeiro lugar, vinculam-se ao trabalho de educadores(as) negros(as), a partir de referenciais afrocentrados que, em si mesmos, são dispositivos anti-racistas ao devolver protagonismo para pessoas negras. Em segundo lugar, são iniciativas que assentam em valores civilizatórios afro-brasileiros, conforme preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e o Art. 26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394/96). Em terceiro lugar, são ações educativas eficazes, libertadoras, com alta capacidade de transformação dos pressupostos do racismo vigente em nossa sociedade pois incentivam jovens estudantes a perceberem sua capacidade criativa de agir no mundo, não como "periféricos", "vulneráveis" ou

"excluídos sociais", mas como pessoas capazes como quaisquer outras a seguir com segurança e confiança seus próprios caminhos.26

Considerando o relato da colega Andorinha, bem como a avaliação de Rivair Macedo, podemos deduzir que o tema em questão é considerado sensível e que tem uma importância significativa para os/as professores/as de História, os quais reconhecem e citam as tentativas de se ocultar o assunto e, por isso, resistem contra as tentativas de “desmemoria”, valendo-se, para tanto, de referências baseadas em trabalhos pedagógicos – no caso os projetos supracitados – que trazem à tona a questão do antirracismo e do protagonismo das pessoas negras, bem como respeitam e cumprem uma série de legislações que valorizam a história e a cultura afro-brasileira. Nessa resistência, notamos a presença do elo entre a pedagogia crítica e o pensamento decolonial, especialmente se resgatarmos a análise de Nilma Lino Gomes (2017), tendo em conta de que ela destaca a força e a importância do Movimento Negro para a concretização de uma pedagogia da diversidade.