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2 O PROJETO ESCOLA CIDADÃ EM MOVIMENTO

2.2 MUDANÇAS NO PROJETO ESCOLA CIDADÃ

2.2.1 As primeiras mudanças na gestão PMDB/PDT: 2005 – 2008

A coligação política de centro-direita que assume o poder na cidade de Porto Alegre em 2005 deixa a cargo do PDT o comando da SMED, partido esse, aliás, que esteve a frente da Secretaria de Educação até o final de 2016. Nesses primeiros quatro anos da gestão PMDB/PDT, a professora Marilú de Medeiros ocupou o cargo principal de secretária na SMED. Já nos meses iniciais, a nova gestão na área educacional organizou uma pesquisa, junto aos/às professores/as municipais, com o objetivo de conhecer melhor a rede, saber de suas expectativas e de seus desafios. Essa pesquisa denominou-se “Avaliação dos Ciclos de Formação.”. Um dos resultados relevantes apurado por tal pesquisa foi de que 92% dos/as docentes da RME/POA concordavam, quer plenamente, quer parcialmente, com a seguinte afirmação: “Os Ciclos de Formação contribuem para o processo de construção do conhecimento do aluno” (SANTOS, 2012, p. 78-80). Considerando esse resultado, a nova gestão da SMED decidiu por manter oficialmente a proposta pedagógica da Escola Cidadã como documento referência para toda a RME/POA. Porém, conforme Graziella dos Santos

(2012, p. 84), o Escola Cidadã é gradativamente enfraquecido, tanto no âmbito da SMED quanto da maioria das escolas.

A partir disso, uma série de novas (e “velhas”) possibilidades, antes talvez impensadas no projeto, começam a emergir, sobretudo sustentadas num discurso de maior autonomia para as escolas. Essa abertura era interpretada de diferentes formas pelas instituições. Para algumas, essa possibilidade permitia que as escolas adequassem melhor as propostas conforme a sua comunidade educativa; para outras, sinalizava uma ausência de Projeto Político Pedagógico de rede, o que fragilizou muito o trabalho das escolas.

O que Santos aponta acima correspondeu a uma das tantas modificações do Escola Cidadã a partir do ano de 2005. Essa modificação tem a ver com a área do currículo, que foi marcada por uma política, denominada pelos próprios gestores naquele momento, de política curricular do vazio. Tal política consistia em incentivar que as próprias escolas construíssem seus currículos, sem a interferência da SMED. Então, diferentemente do que acontecia durante a AP, a Secretaria de Educação passava a abrir mão de delegar um modelo à RME para construção dos currículos escolares por meio da indução ao uso do Complexo. Temático (SANTOS, 2012, p. 55-56), e que era uma peça-chave do Escola Cidadã. Assim, a gestão da professora Marilú de Medeiros à frente da SMED, segundo Apple e Gandin (2017, p. 208):

[...] assumiu uma abordagem distante, deixando as escolas abertas para decidir sua organização curricular. Ela não impôs, como as administrações do PT haviam feito, os Complexos Temáticos ou a pesquisa nas comunidades como peças centrais da elaboração do currículo. Essa era uma estratégia para destruir a política do PT sem confrontá-la abertamente, pois muitos professores se identificavam com a Administração Popular. Ao não transmitir nenhuma política clara para as escolas, a atual administração acabaria esvaziando a proposta anterior de significado. De fato, a grande maioria das escolas começou a organizar o currículo sem recorrer ao Complexo Temático.

Desse modo, ainda conforme Apple e Gandin, as escolas municipais de Porto Alegre não voltaram para a tradição centrada no conteúdo que prevalecia antes dos governos da AP, pois muitas dessas escolas passaram a usar temas gerativos (temas geradores) freireanos pesquisados ativamente pelos alunos e por meio de projetos. Os temas geradores não são exatamente os elementos que a AP recomendava, mas sim os Complexos Temáticos. Para a AP os Complexos Temáticos eram o modo ideal de lidar com as dificuldades de leitura da palavra e do mundo simultaneamente. O que se percebe é que pelo menos as escolas mantiveram, segundo os autores, os princípios intactos, na medida em que as mesmas aprenderam a lição sobre a necessidade de construir o currículo local e democraticamente de um modo profundo. Os dois autores afirmam, ainda, que os/as docentes falavam abertamente

em entrevistas que eles sentiam falta de ter uma administração com uma visão clara para a educação, em que pese não concordassem com todos os princípios que eram colocados pela AP. (APPLE; GANDIN, 2017, 208-209). Isso, ao nosso ver, pode ser considerado como uma forma de resistência dos/as professores/as aos ataques impostos ao Escola Cidadã e às tentativas de modificá-lo .

Ainda dentro dessa área mais ligada ao currículo, Filipe Aguiar e Graziella dos Santos (2018, p. 78-79) comentam que a primeira gestão PMDB/PDT à frente da SMED tentou passar a ideia de uma “flexibilização” em contraposição às supostas “amarras” do período da AP em Porto Alegre. Essa “flexibilização” está inserida numa ideia mais ampla de “programa aberto ou programa vazio” para a área da educação, valendo-se de noções foucaultianas, conforme os próprios gestores da SMED/POA assim denominaram naquele momento, com o intuito de externar uma posição de abertura e de acolhimento aos diversos caminhos possíveis. Nesse período (2005-2008), a gestão PMDB/PDT:

[...] estimulou uma ruptura com o paradigma teórico-crítico e popular que embasou as concepções de educação da Administração Popular e do projeto Escola Cidadã e apresentou uma visão mais pós-moderna, com uma nova linguagem, altamente sofisticada e filosófica, que trouxe alguma dificuldade de entendimento e de diálogo entre a SMED e as escolas [...] (AGUIAR; SANTOS, 2018, p. 79)

Por conseguinte, houve um estranhamento causado pela mudança na linguagem a partir da nova perspectiva adotada pela SMED com a professora Marilú de Medeiros no cargo de secretária. Somado a isso tem uma outra forte mudança do Escola Cidadã que passou pela paulatina retirada, pela SMED, das assessorias pedagógicas das escolas, o que, em última análise, fez com que essas instituições se sentissem desamparadas em relação aos seus problemas mais cotidianos (MOREIRA, 2017, p. 73).

Apple e Gandin apontam outro aspecto relevante no que diz respeito à questão curricular e que se soma às modificações sofridas pelo Escola Cidadã. Referindo-se a uma pesquisa feita em 4 escolas da RME/POA no pós-AP, em diferentes partes da cidade, eles comentam acerca de uma constatação, que, segundo eles, tornava-se um problema sério: o de que estava havendo grandes dificuldades em transformar a escola em um lugar onde os estudantes fossem desafiados intelectualmente e onde os mesmos fossem cuidados e se sentissem protegidos, o que seria “ algo muito importante, especialmente nessas comunidades em que o tráfico de drogas rouba a vida de um grande grupo de crianças e adolescentes.” (APPLE; GANDIN, 2017, p. 205). Os dois autores falam, também, que os/as professores/as não estariam exigindo muito dos/as alunos/as, academicamente, ou mesmo enviando

mensagens claras de que os/as estudantes estavam vindo de um ambiente que os condenava a ficar naquele lugar. Daí decorria, segundo Apple e Gandin (2017, p. 206), o risco de os/as estudantes pobres ficarem “segregados em sua linguagem”, nas palavras de Paulo Freire, risco que a AP sempre lutou contra por meio de suas políticas curriculares.

E isso reforça uma crítica que as forças de oposição faziam no período da AP, qual seja, a de que o sistema de Ciclos de Formação oferecia uma educação menos rigorosa para os estudantes mais pobres, especialmente em virtude da política de não reprovação. Contudo, segundo Gandin e Apple (2017, p. 204-205), há forte evidência de que esse não foi o caso da RME/POA durante a AP, pois havia avaliação rigorosa, juntamente mecanismos como o L.A, como a questão de que o currículo era construído e que levava em consideração as preocupações da comunidade, o que permitia aos estudantes aprenderem - em um ritmo diferente, de fato – o que estava sendo ensinado.

Saindo um pouco da questão curricular e adentrando nos aspectos relacionados à gestão democrática das escolas, Apple e Gandin discorrem acerca de outra mudança do Escola Cidadã, que tem a ver com a mesma pesquisa referida há pouco nas 4 escolas. Mais especificamente essa mudança passa por um problema envolvendo os Conselhos Escolares na RME/POA, pois se percebeu que, às vezes, não havia pais/mães/responsáveis e estudantes em número suficiente participando das deliberações nas escolas municipais. E, mesmo onde se constatava essa participação, o que se via era a simples ratificação de decisões tomadas pela administração escolar (equipe diretiva) e/ou a aprovação de relatórios financeiros. Nessas escolas pesquisadas, segundo Apple e Gandin (2017, p.204), era difícil constatar decisões importantes sendo tomadas pelos respectivos Conselhos Escolares, o que enfraquecia a gestão democrática e, em última instância, modificava o Escola Cidadã. Daí decorria a preocupação de Gandin quanto à questão da sustentabilidade do Escola Cidadã sem a AP no poder, e que passava pela discussão de como preservar a participação ativa e engajada de todos os segmentos que compõem a comunidade escolar (pais/mães/responsáveis, estudantes, funcionários/as e docentes). No caso dos Conselhos Escolares, Gandin percebia um sério risco de que os/as professores/as, que detinham o conhecimento técnico das instituições escolares, dominassem as decisões em detrimento dos demais segmentos.