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A Dislexia e o Cérebro

No documento A dislexia na aprendizagem da música (páginas 81-83)

II 2 Revisão da Literatura

2.1.3.1. A Dislexia e o Cérebro

Os resultados de testes realizados em cadáveres indicam que o cérebro dos disléxicos, quando comparado com o dos não-disléxicos, apresenta uma organização diferente das células nervosas (Hennigh, 2003, p. 7).

Com base nestes estudos, o cérebro dos disléxicos revela um número significativamente maior de células nervosas deslocadas e organizadas de forma não usual, portanto, com um diferente padrão de distribuição, particularmente nas áreas corticais da linguagem (Flowers, 1993, citado por Hennigh, 2003, p. 7). Testes adicionais demonstraram que o tecido nervoso da região temporal do córtex cerebral dos disléxicos, uma zona do cérebro responsável pela linguagem, era maior no hemisfério direito. Na maior parte da população, esta área é usualmente maior no hemisfério esquerdo (Flowers, 1993, citado por Hennigh, 2003, p. 7).

Diversos estudos comprovam que a linguagem é uma função localizada principalmente no hemisfério esquerdo, onde se desenvolvem os processos de informação temporal rápida envolvidos na linguagem (Tallal & Gaab, 2006, citados por Silva, 2015). Os disléxicos têm tendência geral para respostas neurológicas ligeiramente enfraquecidas e demoradas na linguagem e nos estímulos auditivos relacionados, revelando uma menor ativação do hemisfério esquerdo para a linguagem. Murphy-Ruiz et al. (2013, citzdos por Silva, 2015) sugeriram que esta disfunção cerebral contribui significativamente para as alterações clínicas verificadas na linguagem escrita e oral das crianças disléxicas, resultando numa maior dificuldade em processar diferentes atributos sonoros, como o reconhecimento de diferentes frequências, a análise de padrões musicais e a identificação de sons de ambiente. Outros estudos permitiram estabelecer que o cerebelo também se encontra menos ativado nas tarefas linguísticas. Os disléxicos podem apresentar problemas motores, de coordenação, de sequenciação, de concentração, de automatização e de equilíbrio, o que reforça a hipótese causal de défice cerebeloso (Fawcett & Nicolson, 1999, citados por Silva, 2015).

Para além do exposto, quando se investiga a herança genética de um disléxico, deteta-se, com frequência, na família, uma história de dificuldade ao nível da leitura (Mayo Clinic, 1993, citado por Hennigh, 2003, p. 7). É importante referir que a manifestação de padrões de

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leitura deficitários também se pode dever a causas ambientais. Em alguns casos, as razões da dificuldade manifestada ao nível da leitura podem residir em problemas familiares, divórcio dos pais, uma morte na família, negligência ou abuso (Hennigh, 2003, p. 7). Para Rayner e Pollatsek (1989), o aspeto mais frustrante na avaliação da dislexia reside no facto de não parecer existir uma única causa subjacente; cada criança necessita de ser observada individualmente, “[…] o importante é encontrar formas de […] compensar e eliminar” as dificuldades de leitura (Hennigh, 2003, p. 7).

No que se refere à aprendizagem musical de um disléxico, S. Oglethorpe (2002, citado por Silva, 2015) refere que é frequente haver uma dominância funcional do ouvido esquerdo (que se relaciona com funções cerebrais do hemisfério direito) sobre o direito, o que evidencia que as funções relacionadas com o hemisfério esquerdo, como o ritmo, podem estar enfraquecidas. Um aluno disléxico poderá ter dificuldade em interiorizar e aplicar os conceitos de som “agudo” e “grave”, apresentar um processamento auditivo lento (na linguagem e na música), bem como problemas de lateralidade. Ao nível visual pode ter dificuldade em ajustar a visão entre o longe e o perto, e em manter a visão focada e uma leitura direcional estável, comprometendo a interpretação do texto e dos símbolos [musicais].

Na aprendizagem musical, as crianças com dislexia poderão apresentar dificuldades na perceção rítmica, na perceção auditiva, na noção da pulsação, na leitura da notação musical e na leitura à primeira vista (Overy, 2003; Oglethorpe, 2002; Ganschow, Lloyd-Jones, & Miles, 1994; Overy, 2000; citados por Silva, 2015).

2.1.3.2. Sincronicidade

Devido ao design do cérebro, o conhecimento geral necessário para as decisões depende de vários sistemas localizados não apenas numa região, mas em regiões cerebrais relativamente separadas. Embora tenhamos a ilusão de que tudo se reúne num mesmo “teatro anatómico”, dados recentes sugerem que tal não é o caso. É provável que a ligação entre as diferentes partes da mente provenha da relativa sincronia de atividades em locais diferentes (Damásio, 2011, p. 122).

Damásio (2011) argumenta, assim, contra a noção de que as múltiplas linhas de processamento sensorial “ocorrem” todas numa única estrutura cerebral (local cerebral integrativo), uma vez que não existe uma única região no cérebro humano equipada para

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processar, simultaneamente, representações de todas as modalidades sensoriais que estão ativas quando nós experimentamos em simultâneo, o som, o movimento, a forma e a cor, num registo temporal e espacial perfeito (Damásio, 2011, pp. 134-135).

É verdade que existem algumas regiões do cérebro onde os sinais vindos de diversas regiões sensoriais de primeira ordem podem convergir. Todavia é improvável que o tipo de integração que essas regiões podem produzir ao utilizarem tais sinais, seja o que forma a base para o estabelecimento de uma mente integrada. Isto porque a danificação dessas regiões de convergência, mesmo quando ocorre em ambos os hemisférios, não impede de todo a integração “mental”, ainda que provoque outras consequências neuropsicológicas detetáveis, como por exemplo, limitações na aprendizagem [como por exemplo, a dislexia] (Damásio, 2011, p. 135).

Talvez seja mais proveitoso pensar que o nosso forte sentido de integração mental é criado a partir da ação concertada dos sistemas de grande escala, através da sincronização de conjuntos de atividade neural em regiões cerebrais separadas – na verdade, um truque de sincronização (timing) (Damásio, 2011, p. 136).

O principal risco seria a dessincronização (mistiming). Qualquer disfunção do mecanismo de regulação do tempo criaria provavelmente uma integração adulterada ou uma desintegração. Nestes termos, esta ideia impõe a necessidade de manter uma atividade intensa em diferentes locais, durante o intervalo de tempo que for necessário, para a elaboração de combinações significativas e para o processo do raciocínio e da tomada de decisões. Por outras palavras, a ligação pelo tempo requer mecanismos de atenção e de memória de trabalho poderosos e efetivos, e a natureza [em grande medida] parece ter acedido em fornecê-los (Damásio, 2011, p.136).

No documento A dislexia na aprendizagem da música (páginas 81-83)