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A Leitura Musical e a Dislexia

No documento A dislexia na aprendizagem da música (páginas 107-110)

II 2 Revisão da Literatura

2.2. Educação: Ensino e Aprendizagem

2.2.3. Aprendizagem: Perspetivas

2.2.3.4. A Leitura Musical e a Dislexia

A leitura musical é um elemento complexo da prática musical, que abrange tanto o processo básico de decifrar a notação, como a capacidade de ler e executar um trecho musical em situação de concerto. Apesar de nem todos os músicos saberem ler música (como por exemplo, alguns músicos populares), a partitura é um recurso universal [e fundamental] que permite a comunicação entre o compositor e o intérprete, em particular na música clássica (Hérbert & Cuddy, 2006).

De entre as várias estratégias de ensino da música a empregar com alunos disléxicos, Karen Marshall e Sally Daunt (Saunders et al., 2013) destacam a importância do estabelecimento [e utilização] de padrões musicais, e a sua indicação na partitura através de cores, bem como o recurso a gravações e à demonstração por parte do professor; enquanto escuta a música, o aluno pode seguir a partitura com o dedo [ou digitá-la no instrumento].

A aprendizagem de uma nova peça deve ser feita por etapas, devendo cada parte ser cuidadosamente explicada e reforçada. Em primeiro lugar o aluno deve conseguir identificar a pulsação da música, reproduzindo-a. Seguidamente deve procurar descobrir a subdivisão do trecho musical, podendo, em seguida, caminhar pela sala mostrando a mesma. Depois, o

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professor pode pedir para o aluno para percutir os diferentes ritmos que aparecem na nova música e, mais tarde, sugerir ao aluno que “represente no ar” o formato da linha melódica. Por fim, o aluno deve solfejar e cantar a melodia da obra (Sauders et al., 2013).

Segundo Sloboda (1980), a leitura musical difere da leitura de texto numa série de aspetos, nomeadamente, no que se refere às imposições e limitações temporais e espaciais. Enquanto a leitura textual é realizada sequencialmente (isto é, horizontalmente), a musical é desenvolvida tanto em sequência como em simultaneidade (horizontalmente e verticalmente). A leitura musical envolve a compreensão de elementos individuais em sequência (as notas musicais) e elementos combinados (acordes), os quais, contrariamente ao texto, implicam uma descodificação num determinado espaço de tempo. As mudanças na distância e direção dos elementos verticais indicam a alteração de altura [nota e som] musical; não existe tal paralelismo com a leitura de texto, no que se refere a estas variações na verticalidade (Hérbert & Cuddy, 2006). Edwin Gordon (2015) refere que a notação musical, tal como é representada, não se move, necessariamente, na mesma direção em que se movem as posições dos dedos, ou da mão, num instrumento, nem da maneira como a música soa quando se está a tocar [o mesmo acontece com a alteração da direção das hastes das figuras rítmicas na partitura] (p. 366).

Um outro elemento divergente entre leitura textual e musical é o ritmo (“pace”). Ao contrário de um texto, a notação de uma partitura contém informação relativa à duração, que deve ser compreendida para que a ideia do compositor seja corretamente executada; tal informação, ou “imposição”, não existe num texto. Em resumo, para Sloboda (1980), espaço e tempo (“space and time”) desempenham diferentes papéis na leitura musical e de texto (Hérbert & Cuddy, 2006).

Para Sylvie Hérbert e Lola L. Cuddy (2006), e John A. Sloboda (1978), existe muito pouco conhecimento acerca da forma como a leitura musical se adquire e é integrada, bem como acerca de como se organiza ao nível cerebral(Hérbert & Cuddy, 2006).

Como forma de aprofundar este estudo e conhecimento, Herbert e Cuddy (2006) desenvolveram investigação na área da neuropsicologia, tendo como ponto de partida músicos profissionais que sofreram lesões cerebrais e que, por isso, passaram a revelar lacunas ao nível da leitura musical.

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A Tabela presente no Anexo 2 (e 2A) (Hérbert & Cuddy, 2006) apresenta 16 casos representativos de transtornos na leitura musical. Lacunas ao nível da leitura musical, e na leitura (ou escrita) de texto aparecem associadas em, pelo menos, 11 casos revelados.

Por outro lado, 3 dos 16 casos sugerem a dissociação entre dificuldades na leitura musical e na leitura de texto. O caso mais claro de dissociação foi exposto por Cappelletti e colaboradores (2000, citados por Hérbert & Cuddy, 2006), evidenciando fragilidades significativas na área da música, enquanto na leitura de textos (leitura de palavras, soletração, etc) se observava normalidade. Outros estudos (não incluídos no Anexo 2) revelam a dissociação contrária, isto é, após uma lesão cerebral, músicos perderam a capacidade de ler texto, mas não a de ler música (Hérbert & Cuddy, 2006).

Neste sentido, as autoras S. Hérbert e L. Cuddy (2006) afirmam que “the finding of two

reverse forms of dissociation constitutes an instance of neuropsychological double dissociation. It suggests a functional autonomy of text and music reading as well as structural independence of their neurobiological substrates.”

Uma das mais consistentes e precisas informações a retirar destes estudos fundamenta-se nos aspetos anatómicos que associam as dificuldades de leitura musical dos músicos e as áreas cerebrais que sofreram lesões. Com base na Tabela (Anexo 2) torna-se evidente que a leitura musical assenta no hemisfério esquerdo do cérebro (Hérbert & Cuddy, 2006). Embora a localização exata da lesão varie com os casos, todos os doentes que apresentaram debilidades na leitura musical possuíam danos no hemisfério esquerdo posterior. Pacientes com dificuldades de leitura de texto, mas não de música, também acusaram lesões no hemisfério esquerdo (temporo-parietal no caso de Signore et al., 1987; temporo-occipital no caso de Judd et al., 1983, ou bilateral temporal em Tzortzis et al., 2000; citados por Hérbert & Cuddy, 2006). Embora a leitura musical e de texto se processem em áreas adjacentes do hemisfério esquerdo, uma lesão pode, facilmente, danificar uma zona anatómica que englobe componentes fundamentais destas duas funções cognitivas (Hérbert & Cuddy, 2006).

Deste modo, com base nas descobertas associadas às diferentes lesões cerebrais, a dislexia musical – definida pela dificuldade de aprendizagem da leitura musical, apesar da existência de uma inteligência e oportunidades, ditas normais – deve ser identificada como uma entidade separada da dislexia textual (Hérbert & Cuddy, 2006). Além disso, as dificuldades reveladas na aprendizagem da leitura musical podem estar relacionadas com

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perturbações ao nível o reconhecimento de alturas (pitch), de ritmos (rithm), ou com a leitura de símbolos (elementos de dinâmica, articulação e claves - symbol reading), ou com qualquer combinação destas operações que, em teoria, podem ser separadas a nível neuropsicológico (Peretez & Zatorre, 2005, citados por Hérbert & Cuddy, 2006).

O reconhecimento das alturas dos sons e a identificação de ritmos parecem acontecer, assim, de forma independente [ao nível anatómico] (Hérbert & Cuddy, 2006) como exposto em 2.1.3.4. (Secção II).

Para as autoras Sylvie Hérbert e Lola L. Cuddy (2006), “[…] music reading cannot be

viewed as a monolithic entity. Each one of these components may be a locus of impairment that would lead to a music reading deficit.” E sugerem que, “new techniques such as eye tracking and brain imaging should provide evidence for the model about how and which components are dysfunctional”.

No documento A dislexia na aprendizagem da música (páginas 107-110)