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A doutrina italiana dos “deveres de contorno”

HIPÓTESE:

5. REGIME JURÍDICO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS

5.6. A doutrina italiana dos “deveres de contorno”

O tema das obrigações tributárias acessórias também é tratado na doutrina italiana, defendida por Renato Alessi136, que as denominou de “deveres de contorno”.

No Brasil, é possível encontrarmos autores que adotam a ideia da doutrina italiana de “deveres de contorno”, em substituição à expressão “obrigação acessória”. Entre os

135 Estevão Horvath. Deveres Instrumentais e seus Limites, in III Congresso Nacional de Estudos Tributários

– Interpretação e Estado de Direito. São Paulo: IBET, 2006, p. 208.

115 adeptos dessa doutrina, destacamos Roque Antonio Carrazza137, que, ao estudar figura dos deveres instrumentais, afasta as expressões “obrigações acessórias” ou “deveres acessórios”, e afirma:

“Esses deveres foram de primeiro estudados por Renato Alessi, que os nomeou “poderes de contorno”. De fato, em torno do tributo emergem outras relações jurídico-tributárias, de conteúdo não patrimonial, que se consubstanciam num fazer, num não fazer ou num tolerar. São os deveres instrumentais tributários, impostos pela lei (em sentido lato), seja para os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas, inclusive de direito público) seja para terceiros, sempre no interesse do Fisco.

O primeiro lance de vista sobre nosso direito positivo já nos revela que os contribuintes, bem assim os terceiros a eles de alguma forma relacionados, são, amiudadas vezes, chamados pela lei a colaborarem com a Fazenda Pública. Esta coparticipação se traduz em comportamentos positivos (expedir notas fiscais, fazer declarações, comunicar a ocorrência de certos fatos imponíveis, etc.) e negativos (manter a escrituração em lugar acessível à Fazenda, tolerar a presença da Administração no estabelecimento comercial, etc.), que tipificam deveres de índole administrativa, cujo objeto não pode ser aferido em pecúnia”. (itálico do autor)

Contudo, o emprego da doutrina italiana dos “deveres de contorno” por parte da doutrina brasileira sofreu severas críticas por parte de José Souto Maior Borges138. O autor pondera que se trata de “emprego alternativo e indiscriminado das expressões ‘poderes de contorno’ ou ‘deveres de contorno’, para caracterizar as obrigações acessórias. Como se poder e dever não fossem categorias jurídicas autônomas, em decorrência da sua irredutível diversidade conceitual. Logo, usá-la em substituição à expressão ‘obrigação acessória’ é uma proposta doutrinária inovadora que não consegue liberar-se de certa dosagem de arbitrariedade teórica. Sobretudo porque o conteúdo informativo da metalinguagem ‘dever de contorno’ é extremamente precário”.

José Souto Maior Borges, sobre a adoção da doutrina italiana pela doutrina brasileira, faz um alerta:

137 Roque Antonio Carrazza. O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1981, p. 26-27.

116

“Pois é a doutrina italiana quem adverte que nem toda aplicação do que ela denomina poder tributário concreto constitui obrigação tributária. À frente da obrigação tributária situa-se um feixe de poderes de contorno, classificáveis como tributários, porque são instituídos no interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos, mas que se investem de caráter acessório ou instrumental. São, consequentemente, poderes acessórios ou instrumentais com relação ao poder tributário concreto, isto é, o poder de arrecadar tributo propriamente dito.

(...) À frente desses “poderes de contorno”, e numa direta contrapartida deles, surgiram os “deveres jurídicos” de caráter instrumental e secundário com relação à obrigação tributária principal. Um parêntese: note-se que, enquanto

poder e dever são usados simétrica, mas nitidamente diferenciados, na doutrina italiana, ao contrário, são referidos promiscuamente na doutrina brasileira, que ora fala em poderes de contorno, ora em deveres de contorno, sem explicitar claramente o que pretende significar com essa terminologia imprecisa”. (itálico não original).

Outro autor que critica a doutrina italiana é Paulo de Barros Carvalho139. Esse autor contesta a doutrina de Renato Alessi e considera-a sugestiva sob o fundamento de que:

“(...) há deveres que não circundam vínculos obrigacionais. Muitas pessoas que não realizam o fato jurídico do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza são instadas a prestar declarações ao Ministério da Fazenda. Não se concretizando o fato, não há que se falar em nascimento da obrigação, e tal dever apareceria desvinculado, sem nada contornar” (itálico original)”.

Pensamos também não ser possível adotar a nomenclatura de “deveres de contorno” em substituição à expressão “obrigação tributária acessória”. Inicialmente, porque, por se tratar de conceito trazido pela legislação italiana, guarda observância ao âmbito espacial de validade da norma vigente na Itália, pois é construída a partir do ordenamento jurídico- positivo daquele país e, portanto, trata-se de objeto de estudo da doutrina lá vigente. Em segundo lugar, porque se trata apenas de linguagem metafórica, constituindo-se na mera substituição de “acessório” por “dever de contornar” (algo tido como principal). Concordamos, pois, com José Wilson Ferreira Sobrinho, nesse sentido: “A linguagem metafórica, em termos científicos, não resulta em contribuição digna de nota à ciência, servindo antes de pretexto para disputas meramente verbais140”.

139

Paulo de Barros Carvalho. Op. cit., p. 289.

117 Portanto, não podemos transportar a nomenclatura dos “deveres de contorno” da doutrina italiana ao direito positivo brasileiro, porque se trata de realidade diferente. Os poderes de contorno decorrem de norma jurídica que tem seu âmbito de validade de tempo e de espaço delimitados à Itália e que não os consideram de fato obrigação tributária, diferentemente da nossa realidade, em que as obrigações tributárias acessórias o são por expressa disposição positivada (artigo 113, CTN).