• Nenhum resultado encontrado

HIPÓTESE:

7. AS OBRIGAÇOES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS E AS SANÇÕES APLICADAS PELO INADIMPLEMENTO

7.2. Obrigações Tributárias Acessórias X Sanções Políticas

7.2.1. Natureza Jurídica

A sanção política pode ser vista a partir do exercício da autoridade administrativa inserida no Poder Executivo da pessoa política de direito público interno.

A natureza jurídica da sanção política é a deformação do exercício administrativo de fiscalização ou arrecadação do Poder Público. E, conforme doutrina Édison Freitas de Siqueira174:

“Sanção Política, entre outros, é fenômeno típico da sociedade civil democrática em processo de evolução – politização. Inserida, pois no Estado de Direito e, portanto, só existindo a partir da deformação de conceitos que, deste mesmo Estado de Direito, partam. Sanção política é a conversão, é a subversão do Estado de Direito”.

Nosso sistema jurídico-político consagrou o princípio da legalidade (CF/88, artigo 5º, II) como a forma de fazer valer dos direitos e garantias individuais, de modo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma senão em virtude de prescrição legal. E o povo, ao eleger seus representantes, autoriza que sejam criadas leis que regularão a sua conduta, prescrevendo os comportamentos a que estão sujeitos. E é justamente no exercício do Poder Legislativo que o povo vê o seu modo de atuação, isto é, como realmente detentor do poder, retirando qualquer margem de discricionariedade e liberalidade do agente administrativo.

Mas os abusos pelo representante do povo incorrem em vícios prejudiciais ao cidadão, como a imposição de verdadeira sanção política. Neste sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em voto proferido pelo Senhor Ministro Relator, Octavio Gallotti, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 115.452-7/SP:

174 Édison Freitas de Siqueira. Débito Fiscal. Análise crítica e sanções políticas. Tomo 1, 3 ed. Porto Alegre:

170

“(...) VOTO.

O SENHOR MINISTRO OCTAVIO GALLOTTI (Relator): - Dada a rejeição da relevância, concentra-se, o exame do recurso, na apreciação das alegações de contrariedade à disciplina constitucional (arts. 6º, parágrafo único, 19, I e 153, § 2º, 23 e 29) e de divergência com as Súmulas n.º 70, n.º 323 e n.º 547.

Os artigos 6º, § único, 19, I e 153, § 2º e 29 da Constituição Federal não foram ventilados no acórdão recorrido e tampouco agitados nos embargos declaratórios, opostos àquele decisório.

Tenho, contudo, por satisfeito o pré-questionamento do art. 153, § 23, adotado como um dos fundamentos pela sentença (fls. 200) e invocado pela ora Recorrente, desde a inicial (fls. 6) até os embargos declaratórios (fls. 247). Cuida-se de mandado de segurança, interposto pela ora Recorrente, contra o ato da autoridade fiscal que, com base nos arts. 53 e 61 da Lei n.º 440-74 e no art. 490 do Decreto n.º 17.727-81, a submetera ao chamado “regime especial” de recolhimento do ICM, em virtude da inadimplência da Impetrante, quanto ao pagamento dos seus débitos fiscais.

Em decorrência do regime especial, foram estabelecidas, entre outras, as seguintes restrições ao contribuinte: a) recolhimento compulsório do ICM, antes da saída e antes da entrega ao destinatário; b) vedação, aos negociantes compradores, de utilizarem o crédito a que têm direito, quando desacompanhados de “guia especial” de pagamento do tributo por parte do vendedor; c) retenção dos talonários de nota fiscal, para aposição de um carimbo, mostrando que o contribuinte se encontra sob “regime especial” e d) publicação do ato impositivo da Administração, na imprensa oficial.

A questão de saber da constitucionalidade das medidas aplicadas no “regime especial” de pagamento do ICM é matéria já conhecida desta Corte, que, pelo menos em três assentadas, pelas suas duas Turmas, teve ocasião de pronunciar- se em sentido contrário à sua imposição, sob o fundamento de que as sanções, cominadas ao contribuinte, carecem de respaldo constitucional, particularmente à vista da inaceitável margem de arbítrio reservada aos agentes do Fisco. Assim, no Recurso Extraordinário n. º 106.759 (RTJ 115-1439), decidiu esta Turma, em hipótese idêntica àquela dos presentes autos, conhecer do recurso do contribuinte e dar-lhe provimento, em acórdão cuja ementa, bem sintetiza a orientação consagrada por este Supremo Tribunal:

“ICM. Regime especial. Sanções não impostas por lei e entregues ao exclusivo arbítrio da autoridade fiscal. Inaceitabilidade. Precedentes da Corte. Recurso extraordinário conhecido e provido.”

Daquela assentada, realço, pela inteira pertinência ao deslinde da espécie em exame, a seguinte passagem do voto do eminente Ministro Oscar Corrêa, Relator:

“O regime especial imposto pelo Regulamento paulista (Decreto n.º 5.410/74, substituído pelo Decreto n. º 17.727/81) deixa ao critério da autoridade as normas do regime especial a que se submeterá o contribuinte (arts. 490/491), pelo período que for fixado.

Ora, é inaceitável esse arbítrio da autoridade, ilimitado, que não se compadece com o regime de legalidade tributária vigente entre nós, garantia essencial da ordem jurídica.” (RTJ 115/1442).

A mesma orientação fora adotada, por este Tribunal no julgamento dos Recursos Extraordinários n.º 76.455 (RTJ 73-821), Relator o em. Ministro LEITÃO DE ABREU e n.º 100.918 (RTJ 111-1307), Relator o em. Ministro MOREIRA ALVES, sublinhados, em ambas as oportunidades o caráter de

penalidade ou sanção política das cominações originárias do regime especial,

171

Conheço e dou provimento ao recurso, para restaurar a sentença de primeiro grau.” (grifos nossos).

A sanção política vai à contramão do que desejou o sujeito passivo, porque o povo não desejou sofrer abusos ou ver seu patrimônio degradado pela ação da administração pública. Isso até seria possível no período em que o país era regido pelo regime militar, no qual não havia qualquer limite, salvo os aplicados pelo próprio regime militar.

No Brasil, vigora hoje a democracia, com a participação do povo na construção do cenário legislativo, e qualquer exercício que implique a agressão aos direitos e garantias individuais fere o Estado Democrático de Direito.