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2.3 Modelo conceitual de Elana Shohamy: representações, mecanismos e práticas

2.3.1 A educação como espaço de (re) produção e difusão de mecanismos de

O quadro conceitual apresentado na seção anterior abre horizontes para o entendimento de que a educação, por se tratar de um espaço social onde as práticas de linguagem são gerenciadas (SPOLSKY, 2007), os diversos mecanismos que são produzidos e reproduzidos nesse ambiente de socialização são frutos das interpretações dos atores a seu serviço, com o propósito de responder aos interesses de grupos dominantes no controle das condutas verbais na sociedade. Por isso mesmo, eles exercem forte influência sobre as representações, tanto de profissionais atuantes nesse terreno implementador de “intenções políticas” (PÉRRISSET BAGNOUD, 2011, p. 01) do Estado quanto das pessoas em formação nos processos de mediação (ensino/aprendizagem) das línguas.

Embora a PLE que participa do objeto de investigação neste trabalho emane também desse nível – considerando que as IES que compõem o sistema educacional brasileiro estão a serviço de políticas públicas –, os meus propósitos estão direcionados ao entendimento de como esses dispositivos/mecanismos estão sendo interpretados e recriados pelos atores (professores de línguas) responsáveis pela implementação dos currículos destinados à formação de pessoas naquele contexto. Dessa forma, tendo por base a noção de representação de práticas de PLE, a partir do modelo conceitual revisado e, conforme explicita a lista dos dispositivos na Figura 5, a discussão que se segue prioriza a política linguística educacional que, segundo Shohamy,

[...] diz respeito a um tipo de mecanismo usado para criar práticas de línguas efetivas em instituições de ensino, especialmente em sistemas educacionais centralizados [...] Referem-se especialmente a levar a cabo as decisões de política de línguas nos contextos específicos de escolas e universidades em relação ao caso de língua materna, línguas estrangeiras e segunda. Essas decisões, muitas vezes, incluem questões como: qual/ais língua(s) ensinar e aprender nas escolas? Quando (em que idade) iniciar o ensino destas línguas? Por quanto tempo (número de anos e horas de estudo) deveriam ser ensinados? Por quem, para quem (quem é qualificado para

ensinar e quem tem o direito e a obrigação de aprendê-las) e como (quais os métodos, materiais, testes, etc.)69 (SHOHAMY, 2006, p. 77. Grifos meus).

Os apontamentos da referida autora suscitam a necessidade de investigar as práticas institucionais nos diversos contextos que abragem o sistema educacional de um país. Conforme já explicitado no início deste capítulo, as instituições a serviço do Estado, nesta esfera, são espaços que desenvolvem estratégias e mecanismos para colocar em ação as declarações de intenção de autoridades centrais que funcionam como dispositivos que, na maioria das vezes, visam a legitimar os interesses do grupo dominante. Sendo assim, as escolhas feitas pelos atores em questão nem sempre contemplam todas as demandas sociais e, por vezes, silenciam algumas vozes e priorizam outras (BALL, 1994).

Shohamy esclarece que, dependendo da situação e do interesse, as autoridades centrais envidam esforços para colocar em funcionamento PLE com vistas a manipular comportamentos e usos de línguas na sociedade. Destarte, o direito de falar e de aprender, em um determinado contexto social, os seus recursos, tais como as formas lexicais ou de concordância etc. (o corpus da língua) que auxiliam o estabelecimento das comunicações (SHOHAMY, 2006, p. 45), passam pelo crivo das escolhas de um grupo que detém o poder de decidir como os demais devem falar e por meio de qual/ais língua/s. Porém, é oportuno ressaltar que

[...] na maioria das situações as políticas servem como o braço para a realização de agendas de políticas de língua nacional. Assim, quando certas entidades (ou seja, bairros, comunidades, cidades, nações, regiões globais), dão às línguas uma prioridade especial e status na sociedade, é no sistema educacional que esta política se manifesta70 (SHOHAMY, 2007, p. 119).

O exerto em destaque corrobora as assertivas colocadas em discussão nos últimos parágrafos de que uma PLE se inscreve como uma espécie de mecanismo de controle da sociedade por meio das instituições do Estado. À guisa de exemplo, o Brasil é um país cujo

69 Do original: Language education policies (LEP) refers to a mechanism used to create de facto langage practices in educational institutions, especially in centralized educational systems […] Specifically LEP refers to carrying out language policy decisions in the specific contexts of schools and universities in relation to home languages and to foreign and second languages. These decisions often include questions such as: which language(s) to teach and learn in schools? When (at what age) to begin teaching these languages? For how long (number of years and hours of study) should they be taught? By whom, for whom (who is qualified to teach and who is entitled or obliged to learn) and how (which methods, materials, test, etc.

70 Do original: In most situations the policies serve as the arm for carrying out national language policy agendas. Thus, when certain entities (i.e., neighbourhoods, communities, cities, nations, global regions), grant languages special priority and status in the society, this policy is manifested in the educational system.

modelo de escolarização se enquadra na categoria de um tipo de educação linguística centralizada, ou seja, as decisões tomadas relativas às línguas, conforme explicita sua história, sempre favoreceram “uma política de monolinguismo” (PEREIRA, 2006, p. 43). É com esta representação sobre as línguas que suas PL são formuladas pelas autoridades do Estado e impostas por meio das entidades políticas: os parlamentos, os ministérios e conselhos de educação regionais ou locais, escolas de ensino (regular e superior) de forma descendente.

Este fato sustenta representações contra o plurilinguismo (HÉLOT, 2014) como se ele fosse uma ameaça à língua nacional e fomentasse a manutenção do monolinguismo como meio de instrução-formação (na escolaridade) da população e como identidade do Estado- nacional. Essas políticas são, então, reforçadas através das práticas docentes e pelo sistema de avaliação. Na validação e implementação de uma PLE, as pessoas ou coletividades são subordinadas aos interesses nacionais e suas escolhas linguísticas não são livres, mas estão disponíveis entre as alternativas pré-definidas e seus direitos são, de fato, restritos (TOLLEFSON, 1991).

As constatações das investigações de Hélot (2014, p. 70) corroboram as asserções defendidas em Shohamy (2006, 2007). Segundo aquela autora, conscientes ou não, as instituições que compõem o sistema educacional realizam escolhas de PLE e desenvolvem dispositivos e instrumentos de manutenção ou difusão dessas políticas. Isto se evidencia na existência de programas, projetos (sites bilíngues, unidades específicas como centros de idiomas, comitês de línguas, coordenações de apoio à recepção de alunos estrangeiros, assessorias internacionais, coordenação pedagógica) e outros dispositivos que buscam complementar e implementar currículos previamente estabelecidos.

O fato de que, no interior de uma unidade de ensino, sejam ensinadas línguas e a existência de dispositivos para atingir metas nesta direção, em algumas instituições, significa que todos esses empreendimentos não existem por acaso, mas são posições e decisões tomadas por diferentes níveis e conjunto de atores dotados de algum tipo de poder e/ou autonomia na instituição. Todos esses instrumentos simbólicos e semióticos são dispositivos e mecanismos de PL que podem fundar práticas e representações sobre a PL local. A contribuição de Hélot (2014) se mostra bastante pertinente aqui, pois, revela que as instituições educacionais são terrenos férteis desse tipo de dispositivos e que, por vezes, não são percebidos, posto que eles integram as agendas das políticas implícitas/ocultas.

Contudo, Hélot (2014) chama ainda atenção para o fato de que todas as opções relacionadas ao por que, qual língua e como ensiná-la no sistema educativo pressupõem a existência de dispositivos/instrumentos que são construídos em meio às regras impostas pela

hierarquia institucional do sistema. Desta forma, em consonância com o professor, decisões são tomadas sobre as questões que envolvem as línguas com base em um tipo de PLE pré- existente ou dominante. Corroboro as considerações da autora neste sentido, que solicita a necessidade de examinar os dispositivos que se constroem nos bastidores das instituições educacionais, as posições e decisões tomadas pelos agentes institucionais.

No caso específico de professores, estes, ao colocar em prática os programas e projetos que lhes são atribuídos por autoridades, coletivos gestores e docentes, além de (re)criá-los, produzem seus próprios mecanismos para fundamentar e justificar sua prática que, por sua vez, pode funcionar como uma contraproposta para responder aos princípios da PL oficializada, que nem sempre condiz com a sua realidade (SHOHAMY, 2006, 2009, 2010; HÉLOT, 2014). Dessa forma, infere-se que as práticas deste profissional estão incorporadas de orientações individuais e coletivas que são oriundas de forças das PL e das representações que ele faz sobre as línguas e o uso em seu contexto71.

De parte deste trabalho de pesquisa, com base nas proposições mencionadas sobre os mecanismos discursivos que se constroem nos espaços formativos de pessoas, esses instrumentos carecem ser investigados, com vistas a evidenciar quais impactos eles provocam: a) sobre os procedimentos de organização dos construtos da PLE direcionada ao andamento da mediação/transmissão dos conhecimentos através das práticas de linguagem; b) sobre as atividades educacionais desempenhadas pelos educadores (no caso desta pesquisa, o professor de línguas a serviço da implementação de projetos cooperativos); e c) sobre as representações que esses profissionais fazem de suas vivências neste âmbito in situ e ex situ.

Nesse sentido, alego, em conformidade com Shohamy (2006) e Hélot (2014), a premência de investigar os construtos dos dispositivos que são recepcionados e (re)criados nas instâncias institucionais a serviço de políticas educacionais. Argumento, igualmente, que, além dos mecanismos que são produzidos para/sobre/nas salas de aulas, onde ocorre a exposição de pessoas aos princípios e conteúdos que respondem a essas PLE (dicionários, livros didáticos, gramáticas, plano de aula, atividades de aprendizagem, páginas eletrônicas etc.), a instrução docente, os gestos didáticos do professor, as decisões tomadas no coletivo e outras instâncias responsáveis pela organização desses dispositivos, deveriam, também, integrar à agenda de pesquisas no âmbito do coletivo gestor: programas educacionais e projetos políticos pedagógicos. Esses mecanismos estão vinculados à missão institucional e podem ser as fontes que fazem gerar dispositivos diversos, enquanto estratégias que garantem

e assegurem o repasse dos princípios e conhecimentos “aos jovens e adultos nos processos de escolarização” (BRONCKART, 2005, 2008c; DOLZ; TUPIN, 2011).

Porém, identificar e descrever como funcionam os mecanismos que são produzidos, (re)criados e (re)contextualizados considerando o papel determinante da agentividade, ou seja, dos educadores atuantes nesses constextos, com vistas a examinar o processo descendente e ascendente da PLE, ainda é um desafio e uma lacuna a ser preenchida com trabalhos na Linguística Aplicada. Com o intento de preencher este espaço vazio, na próxima seção discuto as contribuições de Stephen Ball sobre PLE enquanto processo. Na sequência, trato da agência da PLE dando ênfase ao traballho interpretativo e recriativo do professor de línguas a serviço da concretização de PLE em contexto de internacionalização, bem como as representações que o referido docente faz ao participar das ações que integram a referida atividade social e linguageira.

2.4 Contribuições de Stephan Ball e colaboradores: Políticas de Línguas na Educação