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Atualmente, os estudiosos e pesquisadores de PL têm focalizado outras trilhas em suas pesquisas mapeando fronteiras, identificando elementos, espaços sociais e agentes que anteriormente não faziam parte do escopo das investigações neste domínio. Nessa direção, Spolsky (2004, 2007) e Shohamy (2006, 2007, 2009) trouxeram novos insights que ampliaram os conceitos de PL e que adoto no presente trabalho. Seus aportes orientam que uma PL não emerge nem é implementada apenas em espaços tradicionais, como, por exemplo, em instituições governamentais, nem mesmo são resultantes apenas de políticas que se manifestam nas declarações e intenções dos documentos oficiais.

Dessa forma, as PL são as intervenções que ocorrem em uma dada comunidade verbal com vistas a modificar suas práticas linguageiras. Elas traduzem a expressão da opinião, de crenças e ideologias que constituem o mundo das representações humanas. Essa ação social (BALL, 1994) ultrapassa a esfera acadêmica, posto que seus objetivos respondem às agendas econômicas e políticas que, segundo Shohamy (2006), podem se apresentar de forma explícita ou oculta.

Na maioria das vezes, como no caso do Brasil, é no nível macro (instâncias governamentais) das decisões que uma PL é projetada. Porém, quanto ao terreno de sua

implementação, na maioria das vezes, tem o contexto das práticas educacionais como espaço para o seu desenvolvimento. Portanto, são os professores os principais atores responsáveis para que ela possa vir a funcionar na prática55. Nesse sentido, a PL possui caráter descendente

e, para identificá-la, segundo Spolsky (2004, p. 05), seus traços são facilmente detectáveis por meio das declarações bem definidas em textos oficiais (explícitas). Mas, quando se manifesta de forma implícita, torna-se complexa ao ser interpretada, isto é, quando a política existe independentemente de qualquer ato oficial.

Spolsky traz uma concepção de PL enquanto fenômeno social. O foco de sua contribuição neste domínio está direcionado ao entendimento de que uma teoria de política de línguas deve levar em conta as escolhas regulares que são feitas individualmente pelos falantes (SPOLSKY, 2007, p. 01), quando confrontados aos modelos estabelecidos pela comunidade da qual eles participam enquanto atores verbais. Um dos pressupostos que orientam suas asserções é que, da mesma forma que explica as escolhas individuais, a “política linguística como os demais aspectos da linguagem (segundo os apontamentos de Saussure, 1931) é essencialmente um fenômeno social”56 que dependente dos

comportamentos consensuais e crenças (da parte deste trabalho, leia-se representações) dos membros singulares de sua comunidade de práticas linguageiras57 em questão.

Com base nesse primeiro pressuposto e nas pesquisas realizadas por Fishman (1972), Spolsky amplia esses conceitos e defende o posicionamento de que cada domínio da sociedade, como as instituições escolares, as famílias, as igrejas e outros, possuem “a sua própria política, com alguns recursos controlados internamente e outras sob a influência ou controle das forças externas58” (SPOLSKY, 2007, p. 02). Na perspectiva desse aporte, os

agentes verbais não são reconhecidos como pessoas, mas pelos papéis sociais que cada um deles representa quando de suas interações e/ou relacionamentos com os demais membros da sociedade que dela participam. Com base nos pressupostos que acabo de evocar, afirmo que a via possível e mais acertada para que se edifiquem graus de inteligibilidade mais ampliados sobre os tipos de intervenções e escolhas linguageiras seria a partir de contatos com as comunidades onde elas são elaboradas, conforme as normas dos ambientes culturais que se dão na sócio-história dos seus agentes verbais.

55 Esta questão será abordada neste mesmo capítulo mais adiante.

56 Do original: language policy like other aspects of language (as Saussure 1931 pointed out), is essentially a social phenomenon.

57 Do original: Spolsky trata das práticas de linguagem como fruto das representações que os indivíduos fazem de suas comunidades verbais, por isto, adaptamos o termo “fala” utilizado pelo autor, por práticas linguageiras.

58 Do original: has its own policy, with some features controlled internally and others under the influence or control of external forces.

O quadro da teoria spolskiana inscreve-se em uma perspectiva sócio-histórica e cultural para o estudo de PL, pois valoriza os contextos situados onde elas são praticadas. Ao abordar este tipo de política, Spolsky (2004, p. 227) explana que ela trata da questão das escolhas sobre as línguas, sejam no nível de um som específico, uma expressão ou até mesmo sobre a dimensão das variedades específicas. As mesmas escolhas podem ser efetivadas regularmente pelos agentes sociais: sejam eles indivíduos singulares, um grupo constituído socialmente ou um quadro de pessoas com autoridade sobre os demais participantes de uma dada comunidade.

A este respeito, afirma o autor, uma PL abriga três componentes “inter-relacionados, mas independentemente descritíveis”59 (SPOLSKY, 2007, p. 03) em sua formação em uma

comunidade verbal, quais sejam: as práticas da língua em uso contextualizado, as crenças sobre as línguas utilizadas e as ações específicas dos agentes socialmente autorizados para modificar essas práticas e crenças que o autor prefere denominar de gerenciamento da língua, ao invés de planejamento linguístico. Com base na exposição gráfica da figura em destaque, discuto, logo em seguida, cada um desses componentes mais detalhadamente. Na sequência, procedo à adaptação desses construtos conforme os interesses do presente estudo.

Figura 3 – Política linguística

Política linguística

Práticas da língua na sociedade

Práticas sociais contextualizadas da língua

Crenças sobre as línguas na sociedade (ideologias) (representações) Gerenciamento da língua na sociedade Procedimentos de planificação e aplicação

Fonte: Adaptado de Spolsky (2004, 2007).

Com base na Figura 3, a PL enquanto práticas são as condutas detectáveis dos agentes sociais, quando de suas escolhas nas situações de uso de uma língua em dado contexto

socialmente situado com o propósito de realizar suas ações comunicativas. Esse componente está intimamente relacionado com aquilo que as pessoas “realmente fazem” e trazem as características particulares tanto das “escolhas feitas” quanto das “variedades” mobilizadas dessa mesma língua (SPOLSKY, 2007, p. 03). No que tange às crenças, da parte desta presente pesquisa, elas constituem o conjunto das representações sobre as situações práticas da linguagem verbal e dizem respeito àquilo que as pessoas “acreditam” que deve ser feito (SPOLSKY, 2004, p. 14) quando mobilizam os recursos e as variedades da língua utilizada em seus contextos imediatos.

Nessa perspectiva, os membros de uma comunidade discursiva tendem a compartilhar, do mesmo modo, um conjunto geral de crenças (SPOLSKY, 2004), a propósito dessas variedades linguageiras que fundam suas práticas comunicativas. Tais representações, na maioria das vezes, conduzem os agentes singulares e sociais a priorizar aquelas que são consideradas as mais adequadas em suas respectivas comunidades, mas, por vezes, elas os submetem aos valores defendidos pelo grupo dominante. Isto ocorre quando esses mesmos membros promovem, consensualmente, uma ideologia, atribuindo prestígio a certos aspectos relacionados às diversas modalidades de uso da língua. Essas crenças, que são derivadas das práticas, ao influenciá-las, podem servir de base para a gestão da língua e da política, o que possibilitaria sua fomentação ou modificação.

No que se refere ao gerenciamento da língua, o modelo conceitual em discussão revela que este componente de PL traduz os esforços explícitos e detectáveis de uma intervenção empreendida por um agente ou grupo social, com pretensões ou autoridade junto aos participantes de uma dada comunidade discursiva, com o propósito de modificar os seus comportamentos linguageiros e/ou suas crenças (SPOLSKY, 2009). Em outras palavras, o que é denominado de gestão, neste domínio, refere-se em geral “[...] à formulação e à oficialização explícita de um plano ou de uma política, mas não necessariamente escritos em um documento formalizado” (SPOLSKY, 2004, p. 11) e evidencia decisões sobre o uso da língua60 que, em outros termos, são os processos organizacionais de aplicação dos construtos

de uma língua, de acordo com os propósitos, objetivos e finalidades traçados e/ou planejados. Essa tomada de decisão, por meio de qual/ais língua/s e de como se comunicar através dela/s, visa a modificar o modo de agir socialmente com a linguagem verbal. O refeido componente está intimamente relacionado às escolhas linguageiras em sintonia com as “forças internas derivadas das práticas” de uma língua natural e com as representações que os agentes sociais

60 Do original: the formulation and proclamation of an explicit plan or policy, usually but not necessarily written in a formal document, about language use.

fazem desses mesmos processos em um dado contexto situado (SPOLSKY, 2009, p. 06), sem desvinculá-los.

Segundo as instruções de Spolsky (2009), há diversas modalidades de gerenciamento de uma língua e podem variar de acordo com o nível ou contexto em que a PL se encontra no processo de andamento. Neste domínio, destaca-se mais comumente a gestão empreendida no caso da/s língua/s de uma nação, das instruções nos processos de escolarização como nas salas de aula, nas famílias e entre outros, em que a situação de uso de certa língua passa por intervenções e/ou determinações de agentes socialmente autorizados. Logo, nesse ponto de vista, aquele que faz este tipo de gestão pode assumir o papel de governante, de professores, membros familiares etc., de acordo com a variedade dos diferentes contextos nos quais este componente de PL possa se desenvolver.

No que tange ainda aos processos organizacionais que constituem a gestão da língua e que correspondem às ações empreendidas por um agente com vistas a colocar em prática uma PL, nota-se que este componente em Spolsky configura-se tanto como evolução quanto como resposta ao modelo tradicional de planejamento linguístico que vigorou (ainda persistente em alguns contextos) nos estudos anteriores de PL. Esse fato demonstra a relevância dos aportes de Spolsky para os avanços dos estudos nesta área.

Spolsky (2004) traz, ainda, uma exemplificação do operacionamento de seu modelo conceitual que, a meu ver, mostra-se adequada e relevante para um melhor esclarecimento de como funciona uma PL. Para o autor, quando, numa dada comunidade verbal, seus agentes acreditam que sua nação é igual à sua língua, consequentemente, para eles, a língua transforma-se num fator unificante de seu país. A diferença existente entre as políticas e as práticas é que “a verdadeira política da língua de uma comunidade é identificada, mais provavelmente, em suas práticas”61 (SPOLSKY, 2004, p. 222) do que em sua gestão, a menos

que esta esteja bem sintonizada e coerente com as suas práticas, crenças e outras forças contextuais que possam estar em jogo.

Nesse caso, opina o autor, é bem provável que a política que fora oficializada não produza mais efeito sobre as condutas linguageiras, já que as atividades geradas pela cultura dos professores incitam, em vão, a escolha de uma língua considerada correta (SPOLSKY, 2004). A partir do conjunto desses componentes que, embora possam ser descritos individualmente, não podem ser interpretados isoladamente, faz-se necessário não perder de vista o papel preponderante das práticas na definição e determinação de uma PL. Esta,

segundo Spolsky, é o componente “mais forte de todos”. Sua ausência acarretaria a existência de nenhum modelo a ser disponibilizado à comunidade, e nem mesmo a proficiência (SPOLSKY, 2009, p. 06) dos agentes verbais.

A apreensão de uma PL enquanto prática subverte as noções positivistas das teorizações estruturalistas de política, ainda em vigor no âmbito acadêmico, além dos pressupostos simplistas criados pelo senso comum. Defendo a visão de que esta ação/atividade social não é um produto concluído no texto declarativo de decisões tomadas por um grupo dominante que se manifesta na forma de um planejamento a ser executado. Muito pelo contrário, a ação política sobre/na/para a língua configura-se como processo dinâmico sempre fluido e contínuo, a efetivar-se através da interpretação que os atores fazem dela ao recontextualizá-la (BALL, 1994) no quadro da heterogeneidade de suas práticas e que são sempre regadas por suas próprias representações de mundo.

As discussões colocadas em pauta neste capítulo mostram que o modelo conceitual de Bernard Spolsky contempla o objeto de estudo sob investigação nesta tese que considera, conforme os seus pressupostos, a prática de uma PL vivenciada por seus atores no contexto situado (o educacional), os quais interpretam e recriam mecanismos de PLE (SHOHAMY, 2006. Grifos meus) “comprometidos com o gerenciamento de línguas” (SPOLSKY, 2007, p. 07). Esses atores estão imersos nas representações (crenças e ideologias) que fazem de seus mundos, ao conduzirem projetos cooperativos, com vistas ao funcionamento das atividades de internacionalização das instituições em que atuam a serviço de políticas públicas educacionais.

Com o propósito de colocar em ação os objetivos traçados neste estudo, valho-me desses construtos para delinear as fontes da PL que proponho investigar e sobre ela refletir criticamente sobre os impactos no que tange às práticas educacionais. Para tanto, convoco o trabalho conjunto de Spolsky e Shohamy (1999), que traz orientações pertinentes sobre como definir a PL e destacar os seus traços de crenças e práticas, bem como proceder a sua descrição enquanto entidades, isto é, como grupos ou pessoas individuais. Esses autores orientam sobre a necessidade de colocar em evidência as especificidades que subjazem o gerenciamento das práticas da língua objetivadas, cuja fonte de recepção são igualmente entidades, grupos ou pessoas individuais. Este tipo de abordagem é relevante para o estudo empreendido nesta tese.

Embora, na maioria das vezes, seja posto no âmbito acadêmico e educacional que a PL pertence aos domínios dos linguistas, políticos e educadores, considero a necessidade de lançar olhares mais abrangentes sobre outros agentes que nem sempre são imediatamente

identificáveis, mas que, direta ou indiretamente, estão envolvidos nas práticas de PL. Dentre eles: as famílias, as comunidades e seus líderes (SPOLSKY; SHOHAMY, 1999), bem como as escolas, academias de Letras, universidades, institutos de pesquisas, empresas, mídias etc. (PORCHER, 1996, p. 03), as organizações sindicais, o grande público (opinião pública), o sistema judiciário, os editores, os fornecedores de mercadorias e prestadores de serviços (ROUSSEAU, 2007, p. 65-66).

Dada a abrangência da PL na sociedade, saliento a premência de compreender que uma política pode ser diferente de suas práticas, principalmente no âmbito educacional em que representações são construídas sobre esta atividade, enquanto prescrições a serem cumpridas. Spolsky e Shohamy (1999, p. 36) explanam que, em um sentido estrito do termo, como, por exemplo, o caso de uma pessoa investida num papel social de autoridade tentando controlar as práticas de outros, é diferente de quando esta mesma pessoa, assumindo o seu papel de chefe de família, intervém sobre as práticas de uma língua com os seus filhos no lar ou em público.

Nesta mesma linha de raciocínio, outra situação que merece destaque, segundo os referidos autores, é a aprovação pelos legisladores ao tomar decisões sobre as línguas a serem usadas na sociedade que, por meio de declarações oficiais, passam a compor os documentos públicos que orientam o planejamento e as práticas educacionais. Esses distintos casos apontados por Spolsky e Shohamy (1999) são bastante relevantes para a elaboração de uma base conceitual de que a PL, vista enquanto práticas, assume um caráter multifacetado e abrangente, devido à heterogeneidade que todo campo prático linguageiro possui (RASTIER, 2001). Assim sendo, esses pressupostos ratificam o que já foi mencionado anteriormente de que a PL trata de um processo contínuo e não de um produto finalizado por um texto declarativo determinando o que deve ser feito. Este conceito reduz a dinâmica da política (BALL, 1992), que é uma intervenção puramente humana sobre a linguagem a merecer um tratamento mais interativo de suas propriedades.

A conceitualização proposta em Spolsky e Shohamy (1999) amplia a noção de política que tem sido comumente realizada e praticada pelos decisores das instâncias governamentais e abre horizontes para que se possa questionar sobre as múltiplas variedades de políticas que habitam nas interações e/ou relações humanas, marcadamente pelos acordos, conflitos, resistências e outras formas de ação.

2.3 Modelo conceitual de Elana Shohamy: representações, mecanismos e práticas de