• Nenhum resultado encontrado

2.5 Política de internacionalização e Política de Linguas na Educação

2.5.2 Fatos gerados pela internacionalização nas formações sociais da

A internacionalização, enquanto prioridade política dos dias atuais na educação pós- secundária, começou a ter maior popularidade a partir do início dos anos 80 do século passado (KNIGHT, 2003, TASKOH, 2014). Porém, é preciso rassaltar que as decisões tomadas após a II Guerra Mundial culminaram com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Seu surgimento esteve vinculado à busca de uma reconfiguração do conceito de humanidade e unificação para os acordos de paz mundial no pós-guerra. Este fato social foi, portanto, um dos marcos do fortalecimento dos discursos que constituem os debates da política externa norteadores das políticas de internacionalização que são multiplicados com intervenções das Organizações Internacionais (doravante OI), cujo objetivo é controlar as relações internacionais entre os países signatários para os acordos firmados no final da década de 1940 (DEBEAUVAIS, 1997; CHARLIER, 2003).

A partir da década de 1990, com a expansão das práticas de internacionalização da educação superior, os fatos gerados por esse tipo de prática nas formações sociais passaram a ser tematizados em trabalhos de pesquisas, em documentos de políticas e na retórica administrativa dessas mesmas formações (TASKOH, 2014). Com esse avanço, o conceito de internacionalização84 enquanto política que intervém sobre as decisões educacionais pode

adquirir significados diferentes dependendo de quem está na fonte de sua “interpretação” e do contexto ao qual ela se aplica com o objetivo de ser concretizada (BALL, 1994, 2006; GUO; ALFRED, 2013). Embora nem todos os países tenham o mesmo entendimento de suas finalidades e resultados, constata-se recentemente uma ascensão considerável de ações que têm impulsionado a sua abrangência enquanto estratégia positiva na formação acadêmica.

A este respeito, o relatório da NAFSA - Association of International Educators conduzido por Hudzik (2011) traz dados recentes de pesquisas descrevendo as últimas décadas como um período marcado pela emergência de fatores sociais novos e poderosos que

84 Embora os discursos em torno da internacionalização da educação superior na Idade Média, na mídia, nos espaços acadêmicos, nos documentos oficias e outros verbalizam como se esta ação social fosse um fato novo, é oportuno observar que as suas origens têm raízes na Idade Média, com surgimento das primeiras universidades. Neste período, o Latim, considerado como o idioma culto e a língua franca, possibilitou a mobilidade de docentes e discentes, a criação de currículos, sistemas de avaliação uniformes, a permanência e o reconhecimento dos estudos (VEIGA, 2011, p. 09), mesmo que muito se questione na literatura especializada da educação comparada que estes fatos sociais não se caracterizam verdadeiramente casos de internacionalização. Tais afirmações não se sustentam, posto que, nos dias atuais, essas mesmas práticas integram o conjunto das estratégias para internacionalizar programas, currículos, a formação de pessoal docente, administrativo e discente em diversos países, como atestam os trabalhos de Stier (2002) e De Wit (2011).

vêm revigorando as dimensões internacionais do ensino superior, o fluxo transfronteiriço dos estudantes, pesquisadores, as ideais e a expansão do currículo acadêmico. Esses dados compilados durante o período de 2000 a 2007 sinalizam um aumento de 53% de matrículas realizadas no ensino superior de instituições estrangeiras. Esses resultados prefiguram um crescimento ainda maior pela demanda de até 150% até 2025 (HUDZIK, 2011, p. 07). Portanto, esta nova ordem educativa mundial (LAVAL; WEBER, 2003. Grifo meu) carrega em si práticas seculares de internacionalização em massa, como é o caso da mobilidade nas trocas de conhecimento, o comércio, as forças sociais, as trocas de ideais que impulsionaram e tornaram ainda mais significante a internacionalização da educação (HUDZIK, 2011, p. 07) nos dias atuais.

Os estudos sobre a internacionalização da educação superior no cenário das pesquisas brasileiras ainda carecem de maiores tratamentos, principalmente no que diz respeito à forma como ela é interpretada na sociedade. Isto se justifica pelo entendimento equivocado de que a internacionalização se equivale à globalização ou estrangeirização por parte de autoridades, professores, pesquisadores ou alunos. Ressalto, ainda, o uso indiscriminado do termo para se referir à mobilidade acadêmica e aos programas. Um consenso entre pesquisadores (KNIGHT 1997; YANG, 2002; STIER, 2002) neste domínio evidencia que a terminologia em questão é vaga e se origina das invenções das formações sociais da modernidade tardia.

Em busca de uma clarificação conceitual para o termo, Stier (2002) afirma que este conceito é popular e bastante usado em diferentes contextos e finalidades. Com base na etimologia da palavra, o conceito de internacionalização traz implicações ao processo de tornar algo internacional, isto é, trata-se, portanto, reciprocamente, de um processo de trocas e influências, cujos participantes são um ou mais Estados-nacionais envolvidos. Por outro lado, a internacionalização tem sido usualmente conceitualizada como uma ideologia ou como uma forma de política. Para o autor, quando menciona os conteúdos da internacionalização do ensino superior, o termo “educação intercultural” parece mais fecundo e assevera que essa denominação implicaria uma situação de aprendizagem caracterizada pela interação intercultural, a qual pode ser utilizada de forma ativa enquanto recurso pedagógico (STIER, 2002).

Atualmente, o temo internacionalização tem sido amplamente usado para descrever a dimensão internacional da educação superior o que tem levado a uma série de confusões sobre o seu sentido e provocado diferentes formas de entendimento por diferentes pessoas (KNIGHT, 2004; GUO; ALFRED, 2013). Para algumas delas, o termo internacionalização significa um conjunto de atividades relacionadas à mobilidade acadêmica de estudantes e

currículos, internacional linkages e parcerias, novos programas estudantis no exterior e iniciativas em pesquisas, enquanto, para outras, o termo tem a acepção relacionada aos serviços educacionais com outros países através de programas (KINGHT, 2004).

Embora existam várias definições para o termo, intento neste trabalho evitar confusões terminológicas e, para tanto, nesta pesquisa, assumo o conceito de internacionalização da educação como sendo uma série de atividades e estratégias as quais visam promover uma vivência educativa de profissionais e estudantes em ambientes que integram uma perspectiva global. Dessa forma, a presente tese alinha-se ainda a uma conceitualização mais abrangente proposta por Knight (2004) que acolhe a dimensão internacional das diferentes modalidades educacionais que trata a internacionalização como “processo pelo qual se integra uma dimensão internacional, intercultural ou global com propósitos, funções e oferta de educação pós-secundária”85 (KNIGHT, 2004, p. 11).

Esses encaminhamentos possibilitam situar os conceitos atuais sobre a dimensão internacional das políticas em educação superior. A definição supracitada porta conceitos que podem influenciar mudanças na elaboração do quadro de trabalho das IES, como, por exemplo, no que tange às razões e justificativas para internacionalizá-las, a atribuição dos agentes a seu serviço, as partes interessadas, bem como as atividades de internacionalização. Nesta visão, esta ação social é vista no nível nacional, setorial e, do mesmo modo, no plano institucional. Esta perspectiva considera ainda a relação entre as nações, culturas e países, como um processo emergente por esforços contínuos dos agentes envolvidos em suas ações e sugere que internacionalizar implica encaminhamentos de ações com objetivos (pautados por finalidades específicas, atribuições e cumprimento de metas), os quais devem ser cautelosamente definidos: o ensino, a pesquisa, as atividades curriculares, os serviços a serem prestados, a oferta de programas e cursos educacionais.

No entanto, o ponto de vista universalizante sobre as atividades de internacionalização, com o intuito de que elas possam gerar resultados positivos não é uma tarefa fácil, nem mesmo de curto prazo. Qualquer intervenção nessa direção demanda que os agentes envolvidos devam avançar de mãos dadas, de acordo com a necessidade da IES. Por sua vez, essas devem se ajustar, adaptar-se e estar atualizadas, em plena sintonia com a construção de um projeto fundamentado no conjunto dos princípios e finalidades que as levariam a aderir às estratégias de internacionalização, aos benefícios esperados, aos atores

85 Do original: the process of integrating an international, intercultural or global dimension into the purpose, functions or delivery of post-secondary education.

envolvidos e às partes interessadas nas ações projetadas. Esse posicionamento se alinha ao pensamento de Ball (cf. Introdução da seção 2.4), já abordado.

Nesse panorama, a integração e/ou incorporação de uma dimensão internacional e intercultural (KNIGHT, 2004, STIER, 2002), como, por exemplo, a implantação de uma cultura de ensino e aprendizagem de idiomas que respondesse à necessidade desta dimensão nas IES, seria essencial para o funcionamento dos programas de internacionalização; porém, trata-se de um processo de longo prazo. Sua efetivação se estruturaria de acordo com a missão institucional e dependeria do acompanhamento e do tratamento dado pelos atores envolvidos a seu serviço e do acolhimento do projeto enquanto meta a ser cumprida por todos os agentes institucionais.

Nesta mesma margem de reflexão, Hudzik (2011, p. 06) afirma que as atividades de internacionalização deveriam ser um processo abrangente com o propósito de fundar princípios que integrem “um compromisso assumido através de ações para implantar perspectivas internacionais e comparativas como um todo no ensino, na pesquisa e na missão dos serviços prestados pela educação superior”86. Ela deveria abranger os ethos institucionais,

valores, atingir a IES, completamente, e ser acolhida pela sua liderança institucional, ou seja, o coletivo gestor, docentes, administrativos, discentes, bem como as demais unidades de serviços ao apoio acadêmico. Nessa perspectiva, a internacionalização trata de um imperativo institucional e não uma possibilidade desejável.

O autor ressalta, ainda, que sua abrangência impacta não apenas a vida da IES, mas, toda a sua estrutura externa, o seu quadro de referência, as parcerias e os relacionamentos estabelecidos entre os agentes envolvidos. Hudzik adverte que a reconfiguração da economia mundial, os sistemas comerciais, a pesquisa, a comunicação e o “impacto das forças globais, na vida local, fazem expandir, de modo premente, a necessidade de uma internacionalização abrangente, motivações e propósitos para conduzi-la”87 (HUDZIK, 2011, p. 06). Destarte, é

possível inferir que, caso a internacionalização não venha ocorrer de forma abrangente, ela não passaria de uma ação incompleta. Os dizeres de Hudzik problematizam e convocam formas outras de pesquisar as práticas nesse domínio e, igualmente, suscita a necessidade de repensar as teorizações e os métodos de investigação.

Sobre esse posicionamento, no presente estudo, alega-se que a internacionalização é um desafio que requer estratégias claras e objetivas, de curto e longo prazo. Esta ação social

86 Do original: is a commitment, confirmed through action, to infuse international and comparative perspectives throughout the teaching, research, and service missions of higher education.

87 Do original: the impact of global forces on local life, dramatically expand the need for comprehensive interna- tionalization and the motivations and purposes driving it.

tem sido vista, na maioria das IES e das pesquisas, como uma alternativa na formação de pessoas para o mundo do trabalho onde o mercado tende a ser cada vez mais globalizado, no que tange à produção, aos serviços e às ideias. Porém, considerando que o mundo é feito de língua(gem), para que esta ação social venha produzir resultados positivos, de forma abrangente (HUDZIK, 2011) nestas instituições, implicaria, do mesmo modo, colocar em funcionamento políticas linguísticas sustentáveis que possibilitem a geração de conhecimentos entre os parceiros envolvidos. Esta é uma lacuna a ser preenchida com mais trabalhos científicos (DOUGHTY, 2009; STALLIVIERI, 2009) que abordem o conjunto das estratégias e atividades direcionadas à implementação da política de internacionalização e suas relações com os idiomas que possibilitariam sua consecução, bem como as implicações dessas mesmas relações. A presente pesquisa pretende preencher esse espaço vazio e a próxima subseção coloca em pauta tais questões.

2.5.2.1 Motivações para a internacionalização das IES

Como uma instituição educacional de nível superior se internacionaliza depende do contexto das influências econômicas e políticas em torno dela (KNIGHT, 2006, 2008). A literatura identifica quatro encaminhamentos sobre essa questão. No primeiro momento, as IES matriculariam os seus alunos e, em seguida, os enviariam acompanhados do corpo docente ao exterior, ambos carregando expectativas e interesses pela concorrência econômica e/ou por questões de diversidade cultural difundidas por suas instituições. Em segundo lugar, as IES desenvolvem programas, conferências e cursos no exterior para motivar a mobilidade acadêmica e o compartilhamento de informações. Em terceiro, firmariam acordos de parcerias e definiriam rumos para a pesquisa e finalidades de recursos financeiros. Este fato leva a questionamentos de que a internacionalização estaria mais direcionada ao mercado e à economia do que para a formação educacional. Em quarto lugar, as IES internacionalizariam os seus currículos por meio da inclusão de elementos culturais e globais.

Tudo isto requer (re)ajustes estruturais, em todas as instâncias institucionais (JAMES; CULLINAN; CRUCERU, 2013, p. 149-150). Embora os resultados dessas pesquisas digam respeito aos contextos de outros países, eles não estão distantes das representações que se constroem nas atividades de internacionalização nas IES brasileiras. Vejamos, portanto, o que dispõe o fragmento de uma chamada pública sobre esta questão:

O Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) objetiva propiciar a formação de recursos humanos altamente qualificados nas melhores universidades e

instituições de pesquisa estrangeiras, com vistas a promover a internacionalização da ciência e da tecnologia nacional, estimulando estudos e pesquisas de brasileiros no exterior, inclusive com a expansão significativa do intercâmbio e da mobilidade de graduandos (BRASIL, 2014a, p. 01).

O excerto explicita que as motivações da internacionalização das IES brasileiras sofrem intervenções diretamente dos governantes e dependem de suas decisões. Este fato se justifica devido à necessidade de recursos para que possa colocar adiante qualquer projeto neste âmbito. Assim, tendo por base as instruções de Knight (2004), no caso brasileiro, as motivações que impulsionam as atividades nesse contexto não são totalmente diferentes de outros países, exceto aqueles que têm um sistema privado de educação e que concedem autonomia às suas IES para que elas se coloquem como balcão de negociação e venda de programas de intercâmbio como ocorre no Canadá, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países.