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2.5 Política de internacionalização e Política de Linguas na Educação

2.5.3 Políticas de internacionalização: papel social das línguas

Diversos Estados que se constituíram Pós-Revolução francesa ainda carregam os princípios fundados por este movimento que fez ocasionar o modelo dos Estados-nacionais que defendem o lema: uma língua, uma nação (TOLLEFSON, 2013). A recorrência às línguas ditas mais expressivas de outros países nas intervenções de governantes como é o caso do Brasil, tem sido objeto de interesse para distintas finalidades. Elas compõem as agendas dos acordos e tratados internacionais, legislação, programas e projetos educacionais, empresas e outros interesses, desde os tempos da constituição do Brasil enquanto Corte portuguesa descentralizada na América do início do século XIX. A partir da leitura do excerto da Carta Imperial que reproduzo a seguir, é possível constatar a pertinência das asserções defendidas aqui:

E sendo outrossim tão geral, e notoriamente conhecida a necessidade, e utilidade das línguas franceza e ingleza, como aquellas que entre as línguas vivas teem o mais distinto logar, é de muito grande utilidade ao Estado, para augmento, e prosperidade da instrução pública88, que se crêe nesta

88 O artigo de Buonadio Neto e Tagliavini (2011, p. 4) expõe que a política pombalina visava formar pessoas com vistas a servir “as demandas de cargos estatais que o estado oferecia com a criação de monopólios comerciais e indústrias, e engajá-los na nova ordem mundial pré-capitalista que estava surgindo na Europa”. Para a consulta de uma base conceitual do termo e do contexto sócio-histórico de sua emergência veja a íntegra do artigo destes autores.

capital uma cadeira de lingua franeza e outra de ingleza (BRASIL, 1809, p. 29. Grifos meus).

Esta decisão foi tomada em um contexto onde o Brasil precisava se afirmar como Reino descentralizado de Portugal nos tempos das invasões francesas. Dada a necessidade da mudança da sede Real para o Rio de Janeiro, D. João VI decidiu abrir negociação com outros países. Neste período, o francês e o inglês já possuíam abrangência como línguas do universo das negociações internacionais e passaram a compor, embora fragilmente, o conjunto das estratégias que possibilitassem a emergência de um quadro de inovação conforme os interesses da Coroa. Desse modo, o reino transplantado em terras brasileiras carecia de uma ordem com diversas naturezas: infraestrutura na economia com abertura dos portos, na segurança com a implementação do exército, na instrução pública através da escolaridade etc. Isto posto, o teor do documento mencionado testemunha que o discurso de inovação calcado na intervenção sobre os idiomas de outros países, com o propósito de colocar em prática uma política de internacionalização, seja por meio da mobilidade acadêmica ou através de outros interesses do Estado, não é uma atividade específica desta década no Brasil. Os documentos oficiais mais recentes sobre a internacionalização e o papel das línguas (cf. os programas Ciências sem Fronteiras e Idiomas sem Fronteiras) para a sua efetivação comprovam que os idiomas integram as agendas das políticas públicas de desenvolvimento e inovação econômica do Governo Federal.

Todavia, é oportuno salientar que, mesmo que as intervenções sobre as línguas de outros países, por partes das autoridades, não carreguem propósitos puramente educacionais como atesta o excerto acima, quando os governantes definem metas intervindo sobre o uso dos idiomas, é no terreno da educação que se passa a dar tratamento e organização para que elas sejam ensinadas (SHOHAMY, 2007, 2010; TOLLEFSON, 2013). Para viabilizar os processos de mediação dos construtos que constituem os conteúdos a serem repassados, são elaborados os dispositivos que mantêm e fazem perpetuar representações do grupo dominante e dos demais decisores que estão na fonte das escolhas de qual/ais língua/as, com quais objetivos e finalidades elas são postas e/ou impostas à sociedade.

Nos dias atuais, os setores acadêmicos, os institutos de pesquisa, empresas e outros têm testemunhado um consenso sobre o reconhecimento e a relevância do papel das práticas dos idiomas como estratégias essenciais, não apenas como instrumentos de comunicação, mas para avançar na geração do conhecimento científico e tecnológico, na aproximação com os povos e culturas. Essas questões têm feito parte das agendas de debates de personalidades de

diversas esferas da atividade social: governamental, educacional, empresarial, acadêmica, midiática, cotidiana etc.

Embora as línguas tenham alcançado o centro das discussões na sociedade, nos últimos cinco anos no Brasil e, principalmente, com o lançamento dos programas Ciências sem Fronteiras (2011), Inglês sem Fronteiras (2012) e Idiomas sem Fronteiras (2014), os objetivos traçados por essas políticas ainda não contemplam os anseios de todas as vozes sociais que demandam pelo direito de se comunicar, interagir e de se desenvolver na sociedade “dita” do conhecimento. Essas asserções se justificam pela incompletude dessas políticas que, ao priorizarem áreas “definidas como prioritárias” (BRASIL, 2011, art. 1), fundam a exclusão de outros campos do conhecimento, também relevantes, isto é, silenciam essas mesmas vozes (BALL, 1994).

As políticas de línguas estabelecidas no âmbito governamental para a internacionalização (BRASIL, 2014) visam à implantação de uma cultura de ensino e aprendizagem dos idiomas por competências a serem avaliadas por testes oficiais. Esta intervenção sobre linguagem e competências sinaliza para uma padronização, tanto do ensino quanto da aprendizagem, o que restringe, minimiza e reduz o desenvolvimento de outras capacidades que a linguagem pode promover.

A esse respeito, Phillipson (1996, p. 432) traz contribuições esclarecedoras quando adverte que é preciso prestar atenção na formulação de uma PL e na forma como ela é posta em prática, a fim de garantir que a produção social, comunicativa e intercultural nas diferentes hierarquias linguageiras não sejam influenciadas, excessivamente, em favor de agendas particulares nacionalistas. Para Phillipson (1996), barganhar no reino de políticas públicas, quando se trata de questões envolvendo os idiomas, tende a favorecer aquelas que são dominantes devido às inumeráveis pressões entre seus formuladores e planejadores, os quais acabam impondo certa sensação de naturalidade, ao intervir sobre as escolhas com relação às línguas. Em suas pesquisas sobre a imposição da língua inglesa em diversos países, o autor identificou que as políticas governamentais são autoritárias e seletivas quando se trata dos idiomas.

No entanto, pesquisas realizadas em contextos institucionais de diferentes países (KNIGHT, 1997; TEICHLER, 2004; DOUGHTY, 2009) identificaram que o aprendizado das línguas é parte central no conjunto das estratégias para a internacionalização das IES. Segundo esses pesquisadores, o desenvolvimento desta cultura, quando abrangente, pode funcionar como veículo que promove não apenas a melhoria da qualidade dos setores

(educativos, pesquisas, inovação tecnológica e econômica), mas, sobretudo, como ferramenta indispensável na construção institucional.

Nesta mesma perspectiva, Doughty (2009) defende que a apropriação das línguas e de suas respectivas culturas, enquanto estratégias acadêmicas para a internacionalização da educação pós-secundária é uma questão de urgência que está sobre a responsabilidade das IES. Para atingir avanços positivos nessa direção, seria necessário desenvolver uma cultura de formação priorizando as práticas de idiomas na instituição com foco no desenvolvimento de competências interculturais e plurilíngues, bem como um “plurilinguismo societal e individual” como forma de apostar no sucesso das práticas de internacionalização (DOUGHTY, 2009).

Por outro lado, outras pesquisas (STALLIVIERI, 2009) têm evidenciado que a ausência de uma cultura de aprendizagem de línguas, em uma perspectiva intercultural, tem sido a causa do impedimento de muitos estudantes, pesquisadores e professores de se engajarem nos programas de mobilidade na busca de novos conhecimentos. Isto é bastante frequente nas instituições brasileiras e deveriam ser administradas pelas instâncias governamentais, educacionais e pelo público estudantil, pois acarreta prejuízo àqueles que, sem uma preparação prévia dos conhecimentos culturais e linguísticos do idioma alvo, sofrem consequências, antes, durante e após o seu retorno ao país de origem (STALLIVIERI, 2009, p. 22).

Todavia, é oportuno salientar que a falta de proficiência em idiomas não compromete apenas as atividades de mobilidade acadêmica de docentes ou discentes. O quadro da gestão institucional que, na maioria dos casos brasileiros, ainda desconhece o valor de uma cultura de aprendizagem de línguas para finalidades específicas enquanto requisito urgente das profissões contemporâneas é igualmente afetado. Os assuntos educacionais da atualidade, conforme atestam as demandas da sociedade, o enfrentamento dos novos imperativos deste século requer uma redefinição urgente das capacidades de seu quadro de pessoal. Nesse panorama, no que tange às atividades de internacionalização, a insuficiência de proficiência linguística impede diretamente a concretização de suas ações, à guisa de exemplificação, os termos de parcerias internacionais que são firmados, com vistas ao fortalecimento das partes envolvidas na consecução das metas objetivadas. A pesquisa de Stallivieri (2009) identificou essas consequências:

[...] um número muito expressivo de convênios, acordos, memorandos, cartas de intenções firmadas entre instituições que, no entanto, nunca

conseguiram materializar nenhum resultado fruto da cooperação firmada, principalmente a mobilidade, encontrando na falta do domínio da língua um de seus maiores obstáculos (STALLIVIERI, 2009, p. 38).

Com base no exposto, é possível constatar que o papel da linguagem é central para que se possam concretizar ações de qualquer natureza no âmbito dos programas e projetos de internacionalização. Logo, ao discutir e ao traçar metas para as estratégias e ações da cooperação internacional, é preciso que as línguas e suas respectivas culturas sejam vistas como prioritárias nos processos preparatórios, antes de qualquer tomada de decisão pelas partes envolvidas nos termos de parcerias ou acordos. Ainda no que concerne ao desenvolvimento de proficiência em idiomas, é preciso considerar, segundo expõe Stallivieri (2009), que as questões de linguagem carecem de ser tratadas não apenas no nível das negociações puramente internacionais, mas, sobretudo,

[...] a questão linguística deve ser amplamente discutida com o objetivo de, a posteriori, possibilitar que os acordos sigam realizando as ações previstas, colhendo os benefícios pelo envolvimento de um número cada vez maior de pesquisadores, de professores e de estudantes, que usufruem dos programas preestabelecidos entre as universidades, especialmente os programas de mobilidade acadêmica internacional (STALLIVIERI, 2009, p. 38).

Os pressupostos oriundos dessas constatações encontram respaldo em Borg (2011) que, a serviço da cooperação internacional no seio dos movimentos globais da francofonia, evidenciou, através de suas vivências e pesquisas neste domínio, a necessidade de priorizar as práticas de idiomas como forma de promover o ajuste na infraestrutura da contemporaneidade. Para o autor, a globalização, a celeridade das trocas científicas, a disseminação e o acesso à rede de conhecimento e os atrativos das IES integram, nos dias atuais, a lógica de um programa no qual a mobilidade (entrada e saída) de professores e estudantes convoca, realmente, uma série de reflexões urgentes sobre o desenvolvimento de capacidades de comunicação em outros idiomas, empreendendo a meta de integração do ensino e pesquisa.

Não obstante, Borg (2011) assevera que as demandas e os imperativos da globalização, que impulsionam a internacionalização requerem reformas institucionais profundas e, igualmente, os setores de gestão educacional. Assim, para alcançar avanços nessas dimensões, o ensino/aprendizagem de línguas deveria ser assumido com propósitos universais para que estejam à altura dos desafios fixados pela Alma Mater do terceiro milênio

face à globalização do saber (BORG, 2011, p. 19). Adoto totalmente, neste trabalho, essas considerações.

Ao retomar a pesquisa de Doughty (2009, p. 27), seus estudos sobre a questão da cultura e da prática linguageira institucional identificaram ainda que as instituições deveriam levar em conta a relevância das línguas para a atuação profissional e considerá-las como parte de uma dimensão qualitativa das estratégias internacionais como forma de aumentar o quantitativo e promover uma reflexão mais acurada sobre os fatores relacionados à língua e cultura. Para o autor, o Estado e suas instituições deveriam priorizá-las como estratégia para o seu desenvolvimento.

Nesta mesma direção, Rajagopalan (2003, p. 70) adverte quanto à necessidade de refletir sobre a verdadeira finalidade do ensino de línguas, ao mencionar que “o verdadeiro propósito do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir. Significa transformar-se em cidadãos do mundo”. Esses apontamentos de pesquisas recentes apelam para a necessidade de se repensar os objetivos, as justificativas e os procedimentos para ensinar e aprender línguas de acordo com as necessidades contextuais.

As pesquisas revisadas nesta seção evidenciam a necessidade de refletir (sobre) e vislumbrar a internacionalização de forma que ela ocorra não apenas na relação entre os países envolvidos, mas que priorize estratégias que possam promovê-la, aproximando povos e culturas e respeitando o local como parte constituinte do global. A busca do conhecimento sobre os povos do mundo por meio de suas línguas e culturas podem promover a internacionalização da educação sem provocar abalos sobre a população dos países menos favorecidos e trazer soluções para os imprevistos que este século nos aguarda.