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1.2.1. A formação das instituições de conhecimento.

Ao contrário da América Espanhola, que ganhou a sua primeira Universidade ainda no Século XVI, o Brasil demorou a construí-las. A elite política deveria se dirigir a Coimbra, em Portugal, para estreitar seus laços com a Metrópole. Ao construir este lugar comum de sociabilidade, em Coimbra, se reforçava os laços dessa elite (CARVALHO, 1980: p.58). A vinda da corte ao país começou a mudar este panorama cultural, com a criação da Real Academia de Guardas-Marinhas (1808) e Academia Real Militar (1810), das escolas de medicina do Rio de Janeiro (1813) e Salvador (1815), e da Academia de Belas Artes (1820).

A independência trouxe junto à necessidade de criar instituições de conhecimento, que pudessem educar a futura elite política, e lhe dar um senso de nacionalidade. Ao ficar independente, o Brasil começou a construir o seu estado nacional, e para isto, era preciso criar instituições nacionais, principalmente, as instituições de conhecimento, que educassem no país uma elite treinada para atuar na burocracia estatal.

Por isto, o país precisou expandir o ensino superior, para incentivá-lo em solo nacional. E um dos principais saberes, para construção do estado nacional, era o ensino jurídico. Institucionaliza-lo seria essencial para modernização do país. Um projeto de 31 de Agosto de 1826 estabelecia a criação de duas faculdades de direito no país, sendo sancionado por Pedro I em 11 de Agosto de 1827. No mesmo ano da sanção, foi criada a Faculdade de Direito em São Paulo; e em 1828, foi fundada outra em Olinda, sendo transferida para Recife em 1854. (CARVALHO, 1980: p. 60). Uma no sul, outra no norte. Houve muitos debates em torno do lugar mais apropriado para instalação dessas universidades, como o Rio de Janeiro e Salvador, mas estes já possuíam escolas de medicina, e ficaram de fora da escolha. O estado de Minas Gerais, por sua vez, seria agraciado em 1839 com a criação da Escola de Farmácia em Ouro Preto.

Beviláquia (2012) afirma que Pernambuco já tinha uma tradição de conhecimento ligado aos conhecimentos jurídicos, filosóficos, e teológicos, pois Azeredo de Coutinho, quando governador interino da capitania de Pernambuco, fundou em 22 de fevereiro de 1800, um seminário dedicado ao ensino das humanidades: latim, grego, francês, geografia, retórica, história, filosofia, teologia dogmática e moral, matemática, física, química, botânica. A capitania também era conhecida pelas efervescências políticas a favor da independência do país e contra os laços portugueses. A geração liberal tinha levado às rebeliões de 1817, 1821 e 1824. O governo imperial tinha dois objetivos ao levar a instituição para o Recife: integrar esta elite letrada a construção da ordem nacional e aproveitar a tradição de saberes já estabelecido em busca de qualificação. Assim, o curso de direito se instalou em 15 de maio de 1828, no mosteiro de São Bento.

Ficou determinado que o curso de direito durasse cinco anos. Para ingressar, era preciso mostrar a certidão de idade e de demonstração de habilidades em língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral, e geometria. Não eram cobradas mensalidades. Estudos preparatórios para o exame eram comuns, mas raramente poderia se abdicar de altos recursos, para conseguir a preparação com tutores. Muitos pagavam os famosos repetidores de

lição para serem admitidos. Quem tinha menos recursos, possuía duas opções após completar a educação secundária em escolas públicas ou seminários: a) buscar caminhos alternativos para continuar se preparando, e contar com a ajuda de um padre ou benfeitor; b) ou poderia ter uma carreira eclesiástica; militar, entrando na Escola Militar; ou técnica, numa Politécnica. A Escola de Minas dava bolsa para alunos pobres e a Escola Militar pagava pequeno soldo aos alunos. A criação dessa estrutura nas instituições de conhecimento foi fundamental para o papel exercido pelo exército no ocaso do império. Composto, em sua maioria, por classes médias sem representação política, ou por cidadãos pobres. A oposição vinda da escola militar marcava a predominância da educação técnica e do positivismo, que valorizava esta.

O decreto de 1827 determinava como disciplinas dos cursos jurídicos19:

1º Ano: Direito natural, público, análise da constituição do Império, Direito das gentes, e

diplomacia.

2º Ano: Continuação das cadeiras do ano antecedente. Direito publico eclesiástica.

3º Ano: Direito pátrio civil, direito pátrio criminal, com a teoria do processo criminal.

4º Ano: Continuação do direito pátrio civil. Direito mercantil e marítimo.

5º Ano: Economia política. Teoria e prática do processo adotado pelas leis da instituição.

Embora o curso de direito no Recife tivesse sido aberto com a intenção de formar uma elite letrada que atuasse na burocracia que formava a nação, ele mantinha forte ligação com Portugal, tendo no professorado do curso muitos padres, especialistas em metafísica e direito canônico e natural. No campo das ideias, predominou – durante todo período olindense – temas ligados à metafísica, a teologia, ao estudo comparado das religiões, ao direito natural e ao universalismo. Em 1854, a faculdade transferiu-se para Recife, em busca de mais estrutura e integração com a sociedade, onde foi instalada na Rua do Hospício. Só em 1912, que um prédio específico foi construído para faculdade, na Praça Treze de Maio.

Em 1879, foi efetuada uma reforma no ensino, que visava a ampliação e modernização do ensino primário, secundário, e superior, porque se fazia necessários ajustes para as mudanças que o império enfrentava, com a ascensão de novos atores sociais que pediam mais participação política, liberdade de ensino e cidadania. A Reforma Leôncio Carvalho (1879), obrigou os municípios a ofertarem cursos noturnos de instrução primária para analfabetos, e

ajustaram as grades das faculdades de direito e medicina e das politécnicas, e no processo de entrada nos exames preparatórios. Outra novidade foi a divisão entre as ciências jurídicas e sociais. A reforma separa, portanto, as carreiras jurídicas (magistrados, advogados) das carreiras das ciências sociais (políticos, administradores, diplomatas), sendo esta a sua maior novidade para a formação burocrática.

As instituições universitárias foram, pois, arquitetadas para criar uma elite profissional capacitada para o dever de construir o estado nacional. Se antes, a elite ia estudar em Coimbra, agora estudava direito em Recife ou São Paulo. Os números são bons indicadores disto. Entre 1822 e 1831, 100% dos ministros tinham sido formados em Coimbra, entre 1853- 71, 95,82% tinham sido formados no Brasil (35,41% em São Paulo, 39,58% em Recife/Olinda). (CARVALHO, 1980: p.64-66). Entre 1853 e 1871, 96% dos ministros do império tinham nível superior, entre os senadores, tínhamos 80% (CARVALHO, 1980: p.64). Entre os 72 conselheiros de estado, apenas dois não possuíam ensino superior. Em 1969, 30,32% dos deputados são bacharéis. Números vigorosos, tendo em vista que, apenas 18,56% da população eram alfabetizadas.

Os bacharéis formados a cada ano variavam, mas, geralmente, eram em torno de 60 a 70 alunos na década de 1870. A maior parte dos formandos servia a burocracia do estado. Pelos corredores da faculdade de direito do Recife, passaram muitos futuros governadores, juízes, ministros, deputados, senadores, prefeitos, professores universitários, intelectuais influentes. Era uma elite que se formava no país, e não mais no exterior, que estava sendo pronta para agir na burocracia, nos negócios, na imprensa, ou seja, no debate público, seja no Parlamento, nos jornais ou na cátedra. E muitas das ambiguidades e transformações por qual o país passava nessas décadas (como descrevemos anteriormente) estarão presentes nas reflexões políticas, filosóficas, literárias, das novas gerações, agora mais atreladas à ideia de nação.

Ter um diploma de ensino superior distinguia e possibilitava a ascensão na carreira política ou burocrática. No entanto, essa ascensão dependia muito da influência familiar. Não raro vários bacharéis não ascendiam na hierarquia da burocracia pelo bloqueio por questões políticas na lógica do compadrio do Estado. Uma família tradicional, dona de engenho, mas com pouca influência política, tornava-se associado à outra família aristocrata com maior participação. O patronato dominava as disputas por lugares nas instituições (ALONSO, 2002: p.123). Essa estrutura e o excesso de bacharéis que viram seus caminhos bloqueados não pela falta de mérito, mas pela falta de indicação, formaram um sentimento de insatisfação muito

forte na parte marginal da elite e entre os profissionais liberais. Não conseguindo ocupar os principais cargos da burocracia, muitos bacharéis da elite letrada se colocavam contrários à ordem saquarema, utilizando-se dos jornais. Estas cisões dentro das elites leva a criação de grupos marginais e insatisfeitos na elite letrada, ansiosos por ampliação da participação política e pela falta de meritocracia. Para Ângela Alonso (2002) é esta insatisfação com a ordem imperial que une a geração de intelectuais de 1870.

As elites letradas tinham ajudado na construção do estado nacional, mas a dinamização das relações sociais e econômicas, e a criação de instituições de conhecimento dentro do país, ampliava o número de pessoas, com outras origens, tendo acesso a formação, além de trazer uma série de questões vindas com a modernização que antes não estavam em pauta no debate público nacional. A geração de 1870 responde a estas contradições entre ordem imperial e modernização, e simboliza o fracasso na ampliação da participação política.