• Nenhum resultado encontrado

3.1. O Combate ao Romantismo

3.1.1. Surge o movimento romântico

Mais do que uma escola artística, com um sistema de ideias e práticas mais rígidas, o romantismo foi, antes de tudo, um movimento, simbolizando sintomas de uma época de passagem, em transformação. Surgido nas últimas décadas do Século XVIII na Europa, o romantismo não se restringiu as questões artísticas ou literárias, mas também tratou de problemas políticos e filosóficos, caracterizando-se em muito, na oposição ao racionalismo iluminista, no contexto de formação da sociedade liberal.

Giovanni Reale (1990) afirma que o termo “romântico” apareceu pela primeira vez na Inglaterra, na metade do século XVII, indicando aquilo que era fabuloso, fantástico, fora das medidas da realidade. O próprio termo “romance” passa a designar uma história pitoresca, mágica, para além do mundo real. Com o tempo, este termo passou a designar o renascimento do instinto e da emoção, numa época em que estas estavam cada vez mais sufocadas pela instrumentalização da razão, pelo cálculo das coisas materiais, e pela operacionalidade da ciência.

O romantismo surge no momento que dois acontecimentos irão delinear a formação de uma época: a Revolução Industrial e as revoluções modernas, inaugurada na Europa ocidental pela Revolução Francesa. O movimento romântico surge como a primeira resposta estética, cultural, e filosófica, a esta sociedade que está se formando. Opondo-se ao universo das

formas racionalistas e da harmonia do classicismo; o romantismo representa, para o poeta alemão Novalis, uma “arma de defesa contra o cotidiano”, na modorra de sua banalidade vangloriada, em seu tédio constante. Significando, portanto, uma reação à “mediocratização” da vida espiritual no mundo moderno. Não raro, o romantismo foi, por isto, estigmatizado – não sem alguma razão – pela nostalgia idílica do passado.

Para Peter Gay (1999: p. 49), a chave do romantismo é o reencantamento do mundo. Na modernidade, segundo Max Weber, existe um projeto de autonomia no domínio privado nas esferas criadoras de valores (como a ciência, a arte e a moral), em detrimento dos símbolos metafísico-religiosos que, anteriormente, davam sentido e comunhão à vida humana. Weber denomina este processo de “desencantamento do mundo”: racionalização crescente que se manifesta na conduta humana. O homem vai largando a esfera da transcendência. Assim, uma das motivações do romantismo (GAY, 1999: p. 49), especialmente o alemão, é restaurar o mistério, pois os iluministas tinham degradado a vida interior do homem quase por definitivo. Era preciso repensar o processo de secularização do mundo, a partir do resgate da imaginação, da natureza, do instinto, através de uma realização melancólica no interior da alma do homem. Mas, na sensibilidade romântica havia também o amor pela ambiguidade, pela perplexidade, pela complexidade do mundo moral, pelas coisas sem solução, irresolutas. Um sentimento de inquietação consigo mesmo. Essa inalcançabilidade era descrita como o estado de ânimo do anseio (Sehnsucht): uma motivação que jamais pode ser alcançada, encontrando na sua necessária angústia, um sentimento de satisfação.

Longe de ser uma escola homogênea, o romantismo representou mais um movimento de reação à época que se formava, com diferentes intensidades, e defesas até mesmo opostas. Nem sempre os românticos concordavam em torno de assuntos como revolução francesa, religião, e ciência; mas podemos identificar algumas características em comum na formação do movimento.

A primeira é a oposição entre imaginação e razão, ou em certo sentido, entre razão contemplativa (que almeja captar em centelhas a totalidade do real em sua complexidade e diversidade) e razão instrumental (interessada na operacionalidade). Neste sentido, eles objetivavam o resgate da magia, que seria a apresentação da verdade como forma de revelação.

Os românticos possuem sede pelo infinito. Para Goethe, o eterno apresenta-se em todas as coisas. Ao mesmo tempo, essa vontade é irrealizável, a não ser por um curto momento de vislumbre. Reale (1990) afirma que o romântico também expressa esse desejo por infinito como "Streben", ou seja, como "tender" para algo que nunca cessa, sendo sempre perene, já que as experiências humanas e materiais são todas finitas, mesmo que seu objeto seja o infinito, estando em transcendência. Por fora dela, transcendente, o infinito daria sentido e profundidade ao finito. É justamente este movimento, “Streben”, que salva o protagonista Fausto no romance de Goethe.

Nesse sentido, tanto a filosofia do romantismo é arte e estética, e a poesia está em acordo com essas concepções gnosiológicas: a filosofia como estética, deve captar e apresentar esta re-ligação do finito ao infinito. E a arte deve fazer esta realização, sendo o eterno que se manifesta em todas as coisas. A filosofia caminha com a arte, porque o pensamento só pode ser autêntico como inventividade. E o amor é o seu método, o seu caminhar.

A segunda característica é a concepção de natureza como vida que cria eternamente, na qual a morte é um "artificio para ter mais vida"51 (Goethe). Os românticos retomam a concepção antiga dos gregos da physis. A força da natureza é a própria imitação da potência do divino. Holderlin exclamava: "Sagrada natureza! Tu és sempre igual, em mim e fora de mim, ao divino que está em mim"52. Por sua vez, Schelling afirmava que a natureza era a manifestação do absoluto. Para Novalis, o poeta entenderia melhor a natureza do que o cientista, porque a capta por contemplação e não por métodos experimentais.

Desta maneira, a natureza deixa de ter a concepção mecanicista-iluminista, e passa a ser entendida como vida que se cria eternamente, um organismo, um jogo móvel de forças gerador dos fenômenos, que não pode ser capturado, mas só contemplado, por representar a própria força do divino.

Outro significado do romantismo (em especial, o inglês) são as críticas ao utilitarismo de Bentham. Este era um filósofo e jurista inglês que fundou uma ética baseada na ideia de utilidade, correspondendo à defesa de que nossa ação seria mais correta e benéfica pra sociedade, desde que nos guiássemos pelo critério da felicidade pessoal. Bentham foi também o criador do panóptico, que corresponderia à observação total do indivíduo, sendo um esboço

51

REALE, Giovanni. História da Filosofia: v.5. São Paulo: Paulus Editora, 2000 (p. 26). 52 Idem.

para as instituições vigilantes de uma sociedade racional. O poeta romântico inglês, Samuel Taylor Coleridge, era um conservador espirituoso, e enxergava na doutrina de Bentham um inimigo contra a moral, a tradição, os costumes e a beleza. Para Coleridge, Bentham seria um representante do intolerante secularismo industrial, um sistema construído no empirismo racional de Locke e nos filósofos franceses. O poeta inglês era um admirador de Platão, e acreditava que as luzes sem a fé e a imaginação, eram inimigas do próprio conhecimento. Princípios – e não o cálculo pragmático – era necessário para o bem agir.

Os românticos europeus queriam exaltar a natureza, cultuar a imaginação e a emoção, valorizar os costumes de um povo, conservar as tradições, enraizar-se novamente. Contra o mundo que nasce da revolução industrial, contra o iluminismo e o racionalismo, os românticos se atraiam pelo lirismo, pela subjetividade, pelas emoções do eu. Eles eram nacionalistas, por que acreditavam que as tradições e costumes de um povo, num contato entre as gerações, eram mais importantes para o bem viver do que a razão universalista do iluminismo, que queria suprimir as particularidades locais.

Em decorrência disto, temos a quarta característica dos românticos: a defesa das tradições locais, dos costumes, dos hábitos. Num contexto de consolidação dos estados nacionais, os românticos desconfiavam da uniformização das ideologias do progresso. O nacionalismo seria representante da tradição local, da identidade de um povo, daí a importância cada vez maior que assume o estudo da cultura popular.

A religião, em geral, será alvo de grande controvérsia entre os românticos. Mas, principalmente no romantismo alemão, ela será revalorizada como relação do homem com o infinito e com o eterno, sendo colocada em patamar muito mais elevado ao qual era renegada pelo Iluminismo, que separava arbitrariamente fé e razão, religião e ciência. Em especial, havia uma defesa da religião cristã.

Marcante entre os românticos era também a importância dada à figura do gênio. Ele é a própria criação artística, expressando por centelhas a suprema expressão do verdadeiro e do absoluto. Novalis dizia: "Sem genialidade, nós todos não existiríamos. Em tudo é necessário o gênio". Para ele, a genialidade é o instinto mágico, a "pedra filosofal" do espirito. O gênio possui uma força originária, que imita a natureza e se torna regra de si mesmo.

Todas essas características dos românticos desaguam em dois conceitos do romantismo alemão: Sturm und Drang (tempestade e ímpeto). Para Reale (1990), estes conceitos

promoveram uma reviravolta no panorama das ideias e da estética, pois ao compreender a natureza como força criadora da vida, aproximava-se do panteísmo, e contrapunham-se as tendências das luzes de colocar o divino na razão suprema. Disto, ocasiona-se a predileção por sentimentos exagerados, excêntricos, pela desmedida, pelas paixões impetuosas. Autores como Goethe, Schiller, Novalis, Holderlin, Herder, deram expressão a essa filosofia em seus trabalhos.

Há uma contradição entre os estudiosos se esse espírito impetuoso antecipa nas letras o que depois será a irrupção da Revolução Francesa, ou se já é ele uma reação a toda atmosfera iluminista e racionalista, que irá desaguar nela. Para Reale (1990), trata-se de uma reação do espírito alemão depois de séculos de torpor, tornando-se um anúncio do romantismo, em sua valorização do místico, do selvagem, do primitivo, das emoções. Um movimento que se passa não só nas letras, como na filosofia com as traduções dos diálogos platônicos feitos por Schleiermacher, reconduzindo-os as discussões filosóficas, conceitos fundamentais para os românticos, como a teoria das ideias, a anamnese, e a concepção de alma.

Um dos mais destacados românticos, Friedrich Schiller era um entusiasta da Revolução Francesa, e irá dizer que o caráter moral de um povo mede-se pela beleza tocando suas almas a partir da capacidade estética. Como no platonismo, o belo alia-se ao bem e ao justo, e torna- se meio para o conhecimento. Enquanto Friedrich Novalis, sendo bastante influenciado por Platão, encarava a filosofia como nostalgia, já que o ímpeto pelo verdadeiro representava um desejo de retorno à sua casa, à sua dimensão original e completa, sem enganos. Desejar a verdade era desejar o bem, almejar o eterno e o sublime. Por isto, Novalis era favorável a restauração da República Cristã.

Estes homens, portanto, representam mais do que um grupo, mas um estado de espírito, que formará o movimento romântico, com uma visão de mundo, por vezes extremamente ensimesmada ao se basear excessivamente no indivíduo. Os românticos voltam-se cada vez mais para si mesmos, sua interioridade, com as experiências de dramas humanos, amores trágicos, ideais que não foram alcançados, fracassos, etc.

O termo romântico passa então a se popularizar como tendência exacerbada ao idealismo, ao sonho e à fantasia, que carecem de sentido objetivo. Contra o equilíbrio dos clássicos, baseia-se no fugaz, na inspiração, na intuição, nos insights, na paixão desmedida, na saudade, no sentimento da natureza e na força da cultura popular e das lendas nacionais. Por

isto, inspira-se nas lendas medievais e nas primeiras histórias de cavaleiros e donzelas do século XIII.

Encontramos diferentes romantismos na busca pelo reencantamento do mundo, todos com diversos tons e sentidos de individualismo. Enquanto o romantismo alemão valorizou mais a relação do eu e do particular com o eterno, o infinito, e o religioso, o romantismo francês era mais subjetivista, mais irrupção do eu e do império de sua vontade, sendo menos religioso e mais onipotência do desejo. Muitas vulgarizações também foram feitas nas margens do mundo moderno.

Por sua natureza melancólica, opostas ao entusiasmo com o progresso e domínio da razão, muitos intelectuais da geração de 1870, como os membros da Escola do Recife, voltarão suas críticas ao romantismo brasileiro, como representante do atraso nacional, que impediria a orientação das novas ideias progressistas.