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3.1. O Combate ao Romantismo

3.3.1. A poesia científica

Na mocidade, enquanto aluno da faculdade de direito, Sílvio Romero deu o ar de sua graça nos jornais analisando poesias como crítico literário. Em seu ímpeto inovador e atirando contra tudo que estava posto nas letras nacionais, o jovem sergipano almejada que a poesia

fosse fundada no criticismo contemporâneo. A poesia deveria ser elaborada a partir da intuição crítica moderna, e este seria o ponto de partida para o combate ao indianismo e “ao romantismo choroso”.

Ainda em 1870, no periódico acadêmico A Crença, Romero publica um série de artigos neste sentido. Em A poesia dos harpejos poéticos, faz uma análise do livro de Santa Helena Magno, e defende a fundação da poesia contemporânea na intuição naturalista. Opondo o lirismo ao romantismo, procura desbancar o indianismo mítico, e fundador da nação. No mesmo ano, e no mesmo periódico, publica A poesia das falenas, analisando o segundo livro de versos de Machado de Assis. Romero critica o excesso de subjetivismo e humanismo nos poemas do carioca.

Em 27 de novembro e 1870, publica no jornal O Americano, um artigo chamado A

poesia das espumas-flutuantes, onde criticava o novo livro de Castro Alves. O sergipano

afirma que falta espírito filosófico e científico ao poeta, faltando-lhe ímpeto crítico e profundidade. Ele critica também as influências de Victor Hugo, no uso excessivo de hipérboles, e no excesso de sentimentalismo.

Em 1871, publica dois artigos importantes no Correio Pernambucano: Sistema das

contradições poéticas e A poesia e os nossos poetas. No primeiro artigo, funda sua teoria da

poesia na crítica as doutrinas da história literária até então, que não captariam a verdade do seu tempo e os avanços científicos, sendo hora, portanto, do surgimento de uma poesia realmente contemporânea e atualizada. No segundo texto, combate Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, o primeiro pelo excesso nas temáticas religiosas, e o segundo pelo excesso de gentilismo, nacionalismo e indianismo.

Em 23 de junho de 1871 publica no Diário de Pernambuco, o artigo A propósito de um

livro. Romero analisa o livro de Victorino Palhares, Peregrinas, onde critica o lirismo

subjetivista e individualista dos românticos, defendendo o lirismo impessoal, baseado na crítica moderna. Romero elogia Palhares por utilizar o lirismo impessoal contra as concepções de Scherer.

Mas, é no artigo Uns Versos de Moça, escrito em 1872, e publicado no periódico carioca A República, em 1873, que aparece uma crítica mais estruturada a respeito do lirismo romântico. Romero faz uma análise do livro Nebulosoas de Narcisia Amália, onde que, apesar dos tons melancólicos (harpejos de morte), Amália apresenta um talento objetivo, incomum

entre os sonhadores românticos. O sergipano condena sua escola, mas faz um elogio do seu talento.

Contra a plêiade descontrolada dos chorões nacionais, o seu talento deveria emancipar- se. A partir disso, Romero faz uma defesa da poesia realista, naturalista, fundada na crítica contemporânea, que seria um método científico. Os poetas românticos teriam exagerados na dor e sofrimento, e mesmo na fingida alegria, encontrando-se fora do tempo histórico e da ciência que pede passagem.

A poesia mais sublime seria transparente. O coração mais valente estaria além dos dissabores da vida. O ideal da arte deveria ser estampar a realidade do homem e da natureza, e não fantasias e mágicas, que embotariam a visão científica e a objetividade da intuição crítica moderna. E isto não se dá pela alegria ou tristeza, que são momentos de anomalia, mas pela atividade, pelo trabalho, cuja fisionomia é a sisudez. Romero diz que “depois da revolução política do século passado, tivemos o romanticismo plangente por uma aberração; depois da revolução filosófica e religiosa, que vai adiantada, tentemos a poesia humana, sem delíquios, sem extravagâncias” (ROMERO, 2002: p. 75).

A poesia lírica deveria ser serena e majestosa, pois estaria de acordo com a vida do homem em sua condição contemporânea. Romero elogia o amor delicado e sóbrio das Nebulosas, ao contrário do romantismo, que costuma poluir o amor com pieguices e extravagâncias.

No artigo A poesia de hoje, escrito em 1873, Sílvio Romero estrutura sua concepção doutrinária, afirmando que a poesia não é inviolável, imaculada, eterna, essencial, mas um fato ordinário da vida cotidiana. Sem possuir ares de mistério, ela é um fato e uma doutrina como qualquer outra, depois que a ciência penetrou nos estudos de suas origens e removeu os misticismos românticos. “Como a linguagem, como a mitologia, como a religião, ela perdeu todos os ares de mistério, depois que a ciência do dia imparcial e segura penetrou, uma pouco amplamente, nos problemas das origens” (ROMERO, 1878: p.5).

A poesia não é resultado do absoluto ou da inspiração divina, mas resultado da organização humana. Para Romero, as ciências positivas transformaram a intuição crítica de nosso tempo. Ele cita entre os autores que os poetas deveriam ler: Darwin, Maleschott, Buchnner, Vogt, Virchow, Comte, Mill, Spencer, Buckle, Bagehot. As ciências da natureza teriam invadido e determinado irremediavelmente as ciências do homem. A Crítica histórica,

literária e a filológica foram rejuvenescidas pelas ciências naturais, e a esta deveriam se referir.

Não há mais cabalística no século XIX. E uma das conquistas deste século foi a popularização da ciência, e expansão dela para todos os campos, afastando o sobrenatural e os estágios primitivos do pensamento. Tudo seria relativo no universo e no homem, a verdade pertenceria ao seu momento, e nada do que existe pode fazer medo.

Em Cantos do Fim do Século, publicado em 1878, Romero defende a lei da relatividade de todos os fatos naturais e humanos. O relativo seria a lei do mundo, expressando-se na verdade da sua época, que sempre se recicla. Uma paixão e tanto pelo novo e pelo progresso. A ciência seria toda grave, e o seu método é o jogo de princípios incontestáveis, sendo a prosa a sua natural expressão.

Neste contexto, nada poderia elaborar de substancial a arte, se não estivesse de acordo com a grande intuição da crítica científica moderna. O poeta deve ter as grandes ideias que a ciência de hoje certifica em suas eminências, para elevar o belo com seu lampejo de verdade temporal. A poesia contemporânea deveria estar de acordo com a época em que aparece e com o meio em que se desenvolve.

Por isto, a nova intuição literária deveria seguir alguns passos. Em primeiro lugar, nada deveria conter de dogmático; depois, deveria ser resultado do espírito geral da crítica contemporânea, além de estar acima dos que falseiam a noção do grande todo; e, por fim, deveria ser obra de espíritos sem dogma particular, que se empenham em traçar as grandes linhas do edifício moderno. Acima de todas as doutrinas, encontra-se a intuição genérica da crítica. A poesia não pode ser sistemática. A arte deve se fundar hoje na intuição novíssima que a ciência desapaixonada irá divulgar, captando a síntese dos princípios do século XIX.

Ao divagar sobre a identidade nacional, a poesia estaria também à procura das leis de sistematização do país, com seus princípios a progredir, mesmo tendo como base imitações a ideias vindas de fora. Para isto, seria necessário substituir a retórica romântica pela ciência moderna, crítica e naturalista. A incompreensão da história tem como seu corolário: o falseamento da crítica e da arte. Diz o crítico sergipano:

“Ora, um grande sistema de imitações tem também a sua lei de progredir. Há sempre um motivo, que importa achar, que atira-nos ora para aqui, ora para acolá. Só o conhecimento de nossa vida espiritual, por mais fundos que sejam os seus delíquios, pode habiltar-nos a

encontra-lo. À falta notada é que os faz andar de continuo a discutir velhas impossibilidades e a lançar gratuitas afirmações. É assim que não surge um novo livrinho de contos ou versos que não se brade logo: este sim, achou a nota predominante da verdadeira literatura! (...)

Mas, se não existem ainda entre nós avantajadas conquistas sobre o belo e a verdade, não é menos exato que mais algumas desconfianças na grandeza de um passado, ainda mui próximo, é pra notar. É, sem dúvida, ainda muito pouco. (...) As novas ideias hão de germinar e propagar-se, arrastando em seu cortejo todos os que podem sentir-se as necessidades implacáveis do século, que vai se retirando, naquilo que ele tem de realmente sério e duradouro. Há nos domínios da sociedade brasileira algum gérmen de convicções maduras e firmes que hão de florescer à luz de um novo sol.

Quais as obras melhores da inteligência nacional nos últimos cinquenta anos? Dois ou três códigos, e dois ou três livros de versos... (...) Não sei se é muito ou é se é pouco. O que todos podem experimentar, se quiserem verifica-lo, é que o pensamento de hoje, chocado por outras necessidades, enlarguecido por outras concepções, dificilmente se pode aguentar naquelas velhas cadeias. Avança, deixando atrás a passada intuição, condenando à impotência os antigos programas literários. (ROMERO, 1878: p. 12-13).

Para escapar à “impotência dos antigos programas literários”, a poesia nacional deveria abandonar as pretensões da retórica romântica. E a intuição crítica que fundaria a poesia não seria uma doutrina fixa, com fórmula absoluta, mas na verdade de seu tempo.