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1.1. Do mundo ao local

1.1.2. O país que vai mudando, o império que vai se desintegrando

As transformações ocorridas no Brasil a partir da metade do Século XIX já eram evidentes no cotidiano dos habitantes das grandes cidades, principalmente as mudanças na estrutura populacional. Mas, foi apenas em 1872, com o primeiro censo demográfico10 aplicado em todo território nacional que isso pode ser comprovado em números. O país era habitado por quase 10 milhões de habitantes, sendo que 84,7% da população eram consideradas livres (8.419.672), e 15,2% ainda eram mantidos na escravidão (1.510.806) mesmo com o fim do tráfico.

A queda no número de escravos mesmo insuficiente, já era o necessário para alterar o quadro populacional do império, e demonstrar o aumento da dinamização das relações de trabalho, tendo em vista que, na primeira metade do século XIX, registrava-se em torno de 30% a 40% da população como sendo escrava (CHALHOUB, 2012: p. 32). Contribuiu para essa queda não só o fim do tráfico em 1850, mas também a crise de cólera em 55/56, e as leis paliativas.

Quanto à classificação racial, o censo nos mostra que: 38,1% eram brancos; 19,6% eram pretos; 38,2% eram pardos; e 7,9% eram indígenas. Portanto, pretos e pardos formavam a maior parte da população brasileira com 57,9% (5.756.234 pessoas). Outro dado importante é que nessa época já tínhamos em liberdade 73,7% dos pretos e pardos (4.245.428 pessoas). O índice de alfabetização era muito baixo, consta no censo que 81,4% da população brasileira eram analfabetas, sendo 76,5% entre os homens, e 86,5% entre as mulheres. Apenas 0,08% dos escravos eram alfabetizados. Quanto ao trabalho, 32,2% dos brasileiros trabalhavam na Agricultura, 41,6% não tinha profissão, e 8,3% trabalhava em ofícios. Esses dados nos apresentam um quadro social em ritmo de mudança e dinamização, fotografia do esforço reformador que tentava trazer o país para o concerto modernizador das nações ocidentais.

As turbulências na Europa, a segunda revolução industrial e a guerra civil americana vão criando o sentimento, em parte da elite política imperial, de que um novo projeto de nação era necessário para acompanhar a “marcha do progresso”. Era preciso modernizar o

país, e D. Pedro II parecia consciente dessa necessidade. Porém, ao mesmo tempo em que se iniciam as reformas modernizadoras, o ocaso do império ia se delineando no horizonte.

Esse esforço, que visava à modernização econômica do país, ganha corpo no ano de 1850, a partir do fim do tráfico de escravos, que possibilitou as condições para criação de um mercado consumidor mais forte e dinâmico, a partir da mão-de-obra assalariada. Emília Viotti da Costa (1998) faz uma importante observação sobre a economia da época: o aumento da demanda por produtos tropicais no mundo desenvolvido gerava a necessidade do aumento da produtividade nas ex-colônias, criando um paradoxo. Diz ela: “O tradicional sistema colonial caiu sob assalto e a escravidão foi condenada como uma instituição imoral e antieconômica exatamente quando a necessidade de escravos aumentos nas colônias”. (VIOTTI DA COSTA, 1998: p. 221). Se, por um lado, os ingleses pressionavam pela adoção de medidas restritivas ao escravismo, além da condenação moral desta a partir das ideias que circularam no século XIX, por outro, havia a necessidade da ampliação da capacidade produtiva, aumentando o apego dos proprietários ao atual regime de trabalho.

Em 1850, foi aprovada a lei Eusébio Queiros, que irá proibir legalmente o tráfico negreiro no país. A impossibilidade de seu prosseguimento gerou instabilidade na estrutura sociopolítica e econômica do império. A sua efetivação poderia minar os pilares do regime de trabalho que vigorava no país. Porém, mesmo com as pressões estrangeiras e com a ação governamental em proibi-lo, o negócio – agora ilícito – continuou sendo bastante lucrativo, ficando estruturalmente associado à contravenção. O preço do escravo inflacionara, levando parte da classe proprietária a ter que recorrer: ao contrabando, ao roubo de escravos, ou ao tráfico interprovincial.

O fim da escravidão era uma questão de tempo. O “mundo lá fora” era uma prova. Atento a isto, os produtores procuravam uma solução para a questão da mão de obra, vendo com bons olhos a sua importação. Porém, seria preciso alterar o regime de terras do país.

Em 1842, o gabinete conservador enviou ao Parlamento um projeto de lei, com a autoria de Bernardo Pereira de Vasconcelos, dispondo sobre novas normas para questão fundiária no direito agrário brasileiro. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mesmo com algumas restrições as normas tributárias. Porém, durante o Quinquênio liberal (1844-1848), o projeto de lei ficou engavetado, sendo resgato pelo gabinete saquarema de 48. Em 18 de Setembro em 1850, dois meses depois da Lei Eusébio de Queiros, o Senado aprovou a Lei de

Terras, suprimindo disposições controversas, como o imposto territorial, sendo regulamentada em 30 de Janeiro de 1854, por um decreto imperial.

Preocupados com a abolição, os grandes produtores precisavam inibir a apropriação da terra pela posse. Sem isto, os escravos libertos e os imigrantes poderiam se apropriar das terras ociosas, e não trabalhariam nas grandes propriedades. Então, a partir de 1850, com a Lei de Terras, só poderia haver ocupação por meio de compra e venda ou de autorização legal. Os atuais proprietários receberiam o reconhecimento de propriedade das terras que habitavam e produziam, garantindo-se, assim, as terras dos grandes proprietários do Nordeste e do Sudeste. As terras ociosas seriam propriedade do governo, só sendo ocupadas a partir da compra delas à vista em leilões.

Na prática, a lei proporcionou muitas disputas entre os grandes produtores, e também entre maiores e menores proprietários de terra. O reconhecimento das fronteiras envolveram meandros das lutas políticas. Não raro, um pequeno grupo de proprietários conseguiu formar um grupo que, através da influência política de um senador ou deputado, impediu que suas terras fossem ameaçadas por grandes proprietários. A insegurança jurídica no campo, e as resoluções políticas para cada caso, foram frequentes. Enquanto isto, parte dos que integravam o partido conservador desejavam a distribuição de pequenos lotes aos imigrantes.

A lei de terras regulamentou a respeito do custeio da vinda de imigrantes, como mão- de-obra assalariada em produções agrícolas, ou em obras executadas pela administração pública (MELLO, 1999: p.69). Como já havíamos falado, houve a partir da metade do Século XIX uma grande expansão demográfica, acarretando também o deslocamento de mão-de-obra da Europa industrializada. Estima-se que, entre 1846-1875, 9 milhões de europeus emigraram da Europa para América e Austrália. Nesse primeiro período, o sul do Brasil foi privilegiado, com imigrantes da Irlanda, Alemanha, Grã-Bretanha, e países da Escandinávia. A partir dos anos 80, São Paulo e Minas Gerais receberiam uma grande leva de imigrantes do Sul da Europa, em especial, vindos da Itália (IDEM: p. 69).

Três etapas marcaram os fluxos migratórios no país durante o império. No início do século, o tráfico era feito prioritariamente para o Nordeste, além do tráfico interno. Na metade do século, o tráfico era predominantemente interno, com os escravos indo do Nordeste para as plantações cafeeiras no Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, em São Paulo. E, por último, houve o boom da imigração de mão-de-obra estrangeira, indo principalmente para os cafezais do oeste paulista e de Minas Gerais, dividido em dois períodos. A partir dos anos 70, com o

sistema de contratos com particulares, que se encarregavam de introduzir levas de imigrantes no país, em troca de subsídios por pessoa. E dos anos 80, com a imigração tornando-se espontânea, com o governo arcando apenas com as despesas de alojamento no parto de entrada, e do transporte até o local de fixação definitiva.

A escolha por imigrantes brancos, e não pela incorporação dos escravos – transformando-os em assalariados – ou dos nacionais livres, mesmo sendo mais onerosa, deu- se pelo imaginário da época que creditava o progresso das nações desenvolvidas a raça de sua população. Procurou-se, acima de tudo, no Sul do país, embranquecer a sua mão-de-obra.

Essas duas leis no ano de 1850 ajudaram imensamente no processo de modernização, fazendo com que o dinheiro, que antes era depositado no tráfico, fosse investido na mecanização e no trabalho assalariado, trazendo algum desenvolvimento ao setor industrial. O fim do tráfico gerou novas atividades econômicas, surgindo novos grupos sociais ligados ao comércio, aos bancos, às ferrovias, ampliando as atividades produtivas. Nas últimas décadas do Século XIX, o café torna-se a principal atividade econômica do país, possibilitando um acúmulo de capitais que levaria ao desenvolvimento dos transportes, da infraestrutura urbana, e depois, da indústria.